Nascido de solo excepcional de argila azulada, o Petrus habita todas as listas de melhores. A Merlot é uma das uvas tintas mais populares do mundo. Nos EUA, os varietais desta casta são best-sellers, conhecidos como "can’t go wrong wines", compra garantida que sempre agrada. Muitos enófilos daquele país também os chamam de "Cabernet Sauvignon without the pain", sem a dor, referindo-se à adstringência associada a esta cepa.
Merlots são menos tânicos, amadurecem mais cedo. Isso o faz o tinto preferido das mulheres que buscam bebidas menos agressivas. A expressão máxima da casta acontece no Pomerol, subregião de Bordeaux, na França. É daqui que sai o lendário Petrus, o vinho que todo Merlot gostaria de ser, responsável por grande fascínio sobre enófilos. Qualquer lista de maiores vinhos do mundo conterá o Petrus. Vindo de uma das regiões produtoras mais tradicionais como é Bordeaux, tem história recente e nenhuma classificação oficial de "Grand Crus". A primeira vez que se destacou foi em 1878, ao ganhar medalha de ouro num concurso em Paris. Mesmo assim recebeu pouca atenção, só ganhando destaque após as excepcionais safras de 1945 e 1947.
No século XIX, a propriedade pertencia à família Arnaud, que no início do século XX criou a "Sociedade Civil do Château Pétrus", colocando à venda as ações. Parte delas foi comprada em 1925 por madame Loubat, mulher do dono do Hotel Loubat. Outra parte viria a ser comprada por Jean-Pierre Moueix, importante comerciante de vinhos da região. Na década de 60, com a morte de madame Loubat, a empresa foi herdada por uma sobrinha, Lily Paul Lacoste, e por um sobrinho, Monsieur Lignac. Logo depois, Jean-Pierre Moueix comprou a parte de Lignac, passando a dividir a posse do domaine com Lily Lacoste. Há cerca de oito anos, Lily foi afastada da direção - e só então a família Moueix revelou que possuía o domínio integral da sociedade. Em 1969, havia adquirido sigilosamente as ações em poder da velha senhora.
Hoje a família Moueix é dona ou administra perto de 20 propriedades vinícolas em Bordeaux, entre elas estrelas como os Châteaux Trotanoy e La Fleur-Pétrus, no Pomerol, Château Magdelaine, em Saint-Émilion, e o Château Dauphine, em Fronsac. Além disso, desde 1983 produz o excelente Dominus na Califórnia. O atual proprietário do Petrus é Christian Moueix, filho de Jean-Pierre.
As garrafas de Petrus, são disputadas em todo o mundo. Sua modesta produção é de 32 mil garrafas/ano. Para vender estes cobiçados exemplares, os Moueix fazem uso de prática comum nesta indústria: vendas casadas. O importador que quiser comprar Petrus terá de comprar uma boa quantidade de outros vinhos produzidos por Moueix. No Brasil, a cota ronda as 200 garrafas ao ano. A Austrália, que importa exclusivamente o Petrus, tem a ínfima cota de 36 garrafas anuais.
Mas qual é o segredo deste vinho? A resposta vem exclusivamente do solo e dos cuidados com o vinhedo, pois as técnicas de vinificação são muito simples e as mesmas desde o século XIX. Ao contrário do Médoc (principal subregião bordalesa), onde predomina a Cabernet Sauvignon, o Pomerol é reino da Merlot. Esta proporciona vinhos redondos, não muito agressivos na juventude e que não precisam envelhecer muito para dar prazer. Ao contrário da Cabernet, a Merlot é mais sensível à colheita, tem de estar no ponto certo. O vinho fica pronto mais cedo e é mais fácil de ser apreciado.
O Petrus ocupa pequeno terraço de 11,5 hectares de extensão e 40 metros de altura, com solo de argila azulada pura, o que o distingue dos outros vinhos, onde o calcário predomina. Esta argila é tão compacta que não absorve a água, tendo excepcional drenagem. Nas últimas décadas, o enólogo responsável aperfeiçoou diversas técnicas. Implantou métodos de poda, reduzindo o rendimento do vinhedo para 30 hectolitros por hectare, para que o vinho concentre mais sabor e aromas. Implantou sistemas de recolhimento das folhas para melhorar a exposição dos cachos de uva ao sol, favorecendo o amadurecimento. Chegou até a usar helicópteros para sobrevoar os vinhedos e secar as uvas na época da colheita. Nos últimos anos, a extravagância foi substituída pelo "soufflause", espécie de secador de cabelos gigante usado pelos colhedores, para que os cachos sejam colhidos sem orvalho. Também sam lampiões a óleo para aquecer o vinhedo em noites frias e para evitar o congelamento.
As vinhas são antigas, com cerca de 45 anos, e a reposição se dá ao atingirem 70 anos. Vale lembrar que no Petrus geralmente a Merlot recebe a adição de 5% de Cabernet Franc. A vinificação é extremamente cuidadosa, porém simples. A fermentação é feita, não em madeira ou em recipientes de aço inox, mas em cubas de cimento. Depois, o vinho amadurece de 22 a 28 meses em barricas de carvalho novo. Ao final, sem ser filtrado, é clarificado com clara de ovo. O único defeito do Petrus é o preço. Uma única garrafa no mercado brasileiro, conforme a safra, pode custar mais de R$ 20 mil.
Depois do Petrus, todos os vinhos da região subiram de preço. O Château Lê Pin, principal concorrente, chega até a ultrapassá-lo. O alto custo não assusta compradores, os atrai. O Petrus é a estrela de leilões em todo o mundo,o vinho mais procurado por investidores. Sua valorização tem superado vários tipos de investimento. O retorno é tão garantido que sua produção é 99% vendida "en primeur", antes de ser produzida. O 1% restante é reservada para acervo da família. Uma garrafa de uma boa safra, bem conservada, significa lucro garantido. Neste caso guardar vinho não é apenas um prazer, mas um bom negócio. A importadora Vitis Vinífera promoveu no Rio uma vertical deste mítico vinho.
Veículo: Gazeta Mercantil