Filho de argentinos, o empresário paulista Rafael Ilan, de 30 anos, cresceu vendo o consumo de vinho como a coisa mais natural do mundo. Seu avô, hoje com 90 anos, sempre tomou vinho misturado com água gasosa. Seus primos de Mar del Plata colocavam vinho bom em garrafa pet e levavam para a balada. “Mas, aqui, quando chamava os amigos para tomar um vinho, eles tiravam o maior sarro”, diz Ilan.
Quando fundou o Bardega em 2012, todo mundo dizia que ele iria à falência. Projeto arrojado, o bar tem 12 máquinas Enomatics que servem taças (de 30, 60 ou 120 ml) de 96 rótulos de diferentes procedências e preços, alguns deles bastante caros. Ninguém acreditava que algo assim pudesse dar certo por aqui.
Diferentemente da Argentina, do Chile e de países europeus, onde vinho é quase um alimento e faz parte das refeições da semana, o Brasil não tem tradição de consumir a bebida. Apesar de sermos a nona economia do mundo, estamos em 17o lugar no consumo de vinho, com mero 1,9 litro por cabeça ao ano.
Para mudar essa realidade, um grupo de profissionais ligados à cadeia do vinho, com o apoio da Associação Brasileira dos Exportadores e Importadores de Bebidas (Abba), da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) e da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), lançou no mês passado a Pró-Vinho, uma iniciativa para desenvolver estratégias de comunicação para promover a cultura do vinho no país e atrair novos consumidores.
Por outro lado, existe uma fatia relativamente pequena da população que consome bastante e se interessa pela cultura do vinho. Prova disso são os cursos de vinho que se multiplicam, as dezenas de wine bars que surgiram e a proliferação do comércio virtual. O Bardega, por exemplo, não só não fechou, como está sempre lotado, com um tíquete médio de 180 reais. De 2012 para cá, Ilan abriu outros três negócios ligados ao vinho: a importadora Bare Wines Import, a empresa de logística Vino Log e um novo wine bar, o Bocca Nera, um rodízio de vinhos que serve ótimos rótulos a um preço popular. “O mercado de vinho tem um crescimento constante”, diz. “Se puder, ainda vou abrir mais dois ou três negócios.”
De 2010 a 2018, o número de brasileiros que compraram pelo menos uma garrafa de vinho no ano anterior subiu de 22 milhões para quase 30 milhões, um crescimento de 33%, segundo dados da Wine Intelligence, uma das principais empresas mundiais de pesquisa de mercado na área. Por que, então, o consumo per capita brasileiro permanece estagnado? “No mesmo período, vivemos uma crise econômica”, lembra Rodrigo Lanari, diretor da Wine Intelligence no Brasil. “Quem já comprava passou a comprar um pouco menos.”
Apesar de ter crescido, a base de consumo era e continua sendo muito pequena. Apenas cerca de um sexto da população adulta do país passa perto de uma garrafa de vinho. “Muitos consumidores nem sabem o que é vinho”, diz Márcio Manson, da MManson Wine Consulting, idealizador da Pró-Vinho.
Em Portugal, por exemplo, onde o consumo é o mais alto do mundo, consomem-se 50,5 litros per capita ao ano. “Na minha casa sempre teve vinho em todas as refeições”, diz Dominic Symington, da tradicional família de produtores do vinho do Porto Graham’s. “Mas não só na minha casa, na casa de todo português. Antes era no almoço e no jantar. Agora, por causa da Lei Seca, é apenas no jantar. Mas o português consome só o vinho que produz, da região em que vive, não se interessa por outras coisas. Já nos Estados Unidos e na Inglaterra, por exemplo, não existe tanta tradição, mas a população local é grande consumidora e conhecedora. Toma vinhos de várias procedências, procura aprender tudo. Esse é o caminho para o Brasil.”
Colonizados pelos portugueses, no início consumíamos da mesma forma que eles, apesar de todas as dificuldades de transporte. O livro Presença do Vinho no Brasil, um Pouco de História, de Carlos Cabral, conta que o vinho era considerado artigo de primeira necessidade entre os itens trazidos de Portugal. A Vila de Piratininga, onde hoje está a cidade de São Paulo, era uma região vinícola, com grandes vinhedos. Esse vinho nacional, feito com castas portuguesas, era comercializado até na Bahia. Mas, então, o que houve? A produção de São Paulo foi abandonada na época do Ciclo do Ouro. E é bom lembrar que a tradição do consumo era restrita aos brancos. Então, não é de estranhar que, ao longo da história, os hábitos portugueses tenham sido diluídos.
“Existe uma barreira cultural”, diz Adilson Carvalhal Júnior, diretor da importadora Casa Flora e presidente do conselho da Abba. “O brasileiro ainda associa o vinho ao inverno, a uma série de rituais. Vamos tentar mudar essa imagem. Mas a principal barreira é o preço. Vinho é muito caro no Brasil, a carga tributária é enorme.” Fato. Na Europa, um vinho razoável pode custar 4 euros, menos que uma garrafa de Coca-Cola. “Por isso, unidos como setor, vamos trabalhar também para tentar baixar os preços e aumentar o consumo.”
Fonte: Exame