A guerra das garrafas, que até o momento estava restrita ao território das cervejas, agora invade o mercado de refrigerantes regionais, das famosas tubaínas. A partir do mês que vem, chegam ao varejo os primeiros lotes de um total de 20 milhões de garrafas de vidro que deverão ser produzidas até o final do ano por encomenda da Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afebras). A investida, segundo Fernando Rodrigues de Bairros, presidente da entidade, é uma resposta dos fabricantes à AmBev - Companhia de Bebidas das Américas, que vem colocando no mercado desde o ano passado as "cervejas litrão", em embalagens de vidro retornáveis com capacidade 1000 ml.
A associação, que representa 122 fabricantes regionais de refrigerante, conseguiu com a Caixa Econômica Federal um empréstimo de R$ 20 milhões para fabricar garrafas de 200 ml e de 290 ml. "Elas já estão sendo produzidas pela Saint-Gobain para os associados. Assim, os fabricantes regionais pretendem vender as bebidas com preços de 20% a 30% inferiores aos praticados pelas gigantes do setor", diz Bairros. Até o final de 2010, segundo ele, serão produzidos 40 milhões de vasilhames. "Se nesses dois anos a experiência der certo, vamos fabricar também cascos de 1 litro", acrescenta.
A estratégia da associação é garantir que os fabricantes regionais tenham garrafas para serem compartilhadas. Independente da marca, o vasilhame será o mesmo para todas as indústrias. "Com o lançamento de garrafas próprias e diferentes, a AmBev quebrou essa cadeia", afirma Bairros. A maioria dos fabricantes de tubaínas, segundo ele, usa as garrafas de 600 ml - as mesmas que também abastecem as cervejarias. "O problema é que as garrafas diferenciadas da AmBev estão tirando as compartilhadas do mercado. Eles recolhem, quebram e reutilizam o vidro para fazer litrão ou cascos de 630 ml com o logo deles no vidro", declara o presidente.
"A AmBev não recolhe garrafas para quebrar. Nem substitui as de 600 ml pelas de 1 litro, só adiciona novos vasilhames ao mercado", rebate Alexandre Loures, gerente de comunicação externa da companhia. As cervejas no "litrão", de acordo com ele, somam 2,8% do volume que a cervejaria vendeu este ano.
A AmBev, que no ano passado começou a vender suas marcas de cerveja no vasilhame de 1 litro, nega que esteja tirando as garrafas de 600 ml da praça para fabricar garrafas proprietárias (nome dado aos vasilhames que não podem ser compartilhados). No Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, a companhia comercializa cerveja em vasilhames de 630 ml e o nome AmBev está em relevo no vidro, com permissão dos órgãos de defesa da concorrência do país.
Quando outros fabricantes recolhem vasilhames de bares e restaurantes e, no meio deles, vêm as garrafas da AmBev, esses cascos são enviados à companhia. Os custos, de acordo com fontes do mercado, ficam a cargo da cervejaria concorrente. Estima-se que hoje circulem pelo país cerca de 100 milhões de garrafas de 600 ml. A AmBev tem hoje quase 70% das vendas em volume no país.
A Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) - que também é contra às garrafas proprietárias da AmBev - publicou ontem nos principais jornais do país um anúncio divulgando o que chamou de "Garrafa Livre". Segundo a assessoria de imprensa da entidade, a Abrabe tem um projeto de garrafa de 1 litro em vidro que pode ser adotado por qualquer cervejaria. A fabricação fica por conta do associado. A entidade, porém, que não tem estimativa de quando ou de quantas dessas garrafas chegarão ao varejo. A Abrabe também divulgou que estuda a possibilidade de pedir à Secretaria de Direito Econômico (SDE) que investigue o uso de garrafas proprietárias pela AmBev. "O assunto é delicado, nenhuma nesse sentido já foi decidida", afirmou a assessoria de imprensa da Abrabe.
Já existem no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) processos iniciados por concorrentes da AmBev contra a companhia. A Femsa, por exemplo, é autora de um deles. A Schincariol também. A Petrópolis não tem nenhum ação contra a rival e, segundo sua assessoria de imprensa, a cervejaria não tem intensão de mover ações individualmente.
Custo pode inviabilizar retornável, diz Apas
As garrafas da Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afebras), de acordo com os planos da entidade, deverão também ser vendidas em supermercados. A Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) também tem a intensão de que sua "Garrafa Livre" da volte a ser vendida em auto-serviços. Mas, dependendo dos 1,1 mil varejistas representados pela Associação Paulista de Supermercados (Apas), isso não acontecerá.
"Cada supermercadista decide o que quer fazer, mas acho difícil que eles voltem a aceitar essa operação. Cada garrafa geraria um custo de aproximadamente R$ 0,30", afirma Martinho Paiva Moreira, vice-presidente da Apas. Segundo ele, além de destinar um espaço físico para troca e armazenamento dos vasilhames, as lojas teriam de arcar com a separação e limpeza desses cascos. "Isso é inviável", afirma Moreira. Ele também não acredita que o consumidor volte a ter o costume de guardar vasilhames em casa. "Nos apartamentos de hoje, nem há espaço para isso. O consumidor sequer vai se lembrar de levar garrafas ao mercado na hora de fazer a compra."
As garrafas de vidro de 1 litro ou de 630 ml que a AmBev utiliza são retornáveis. A maior parte dos grandes supermercados que vendem cerveja nessas embalagens, entretanto, não aceitam a devolução do casco. "Em mercados pequenos, de até quatro caixas, ou em padarias e mercearias, a devolução acontece sem problemas", afirma Alexandre Loures, gerente de comunicação da AmBev. A Coca-Cola Brasil também tem um sistema de venda de refrigerantes em embalagens de vidro reutilizáveis, restrito a alguns bairros de periferia em São Paulo. Os caminhões da empresa recolhem os vasilhames dos consumidores. (LC)
Veículo: Valor Econômico