A proposta de selar o vinho, como se faz com a cachaça e o uísque, divide a indústria vinícola nacional
Dois dossiês enviados nas últimas semanas para o gabinete da ministra Dilma Rousseff mostram que há algo de azedo nos bastidores da indústria do vinho no Brasil. Em uma pasta estão documentos (incluindo atas de reunião e outros pareceres) favoráveis à criação do “selo de controle fiscal do vinho”. Esse dispositivo, que conta com o apoio da Receita Federal, já é obrigatório para bebidas fortes como a cachaça, a vodca e o uísque. E vem sendo defendido por uma parcela da cadeia produtiva do vinho como um instrumento necessário para moralizar o setor. “O selo tem por objetivo desestimular práticas de comércio desleais e ilegais”, diz Carlos Paviani, diretor executivo do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin). Essas práticas são contrabando, falsificação e sonegação.
Outra pasta endereçada à ministra-chefe da Casa Civil contém um manifesto contrário à criação do selo. Ele lista 22 motivos para que a ministra não o aprove – e conta com 104 assinaturas de pequenos produtores. Para o autor do manifesto, Luís Henrique Zanini, que preside a União Brasileira de Vinícolas Familiares e de Pequenos Vinicultores (Uvifam), o selo vai punir produtores e consumidores com menos recursos e não será capaz de impedir o contrabando, a falsificação e a sonegação. A prova disso estaria nas bebidas fortes, que já contam com o selo e nunca deixaram de ser contrabandeadas ou falsificadas.
Na tentativa de pressionar o governo em defesa de seus interesses, tanto de um lado quanto de outro, surgiram intrigas e até lances de espionagem. Um e-mail supostamente sigiloso circulou entre os interessados na aprovação do selo. Ele teria ido parar por engano nas mãos de quem faz o lobby contrário. “Precisamos agir urgente. Peço a cada um que amanhã, de manhã, envie um e-mail à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pedindo o selo”, diz um trecho da mensagem, que pedia a todos os envolvidos que mantivessem segredo sobre seu conteúdo.
Um suposto e-mail sigiloso, pedindo pressão sobre Dilma Rousseff, vazou para o “outro lado”
O contra-ataque contou com mensagens disparadas não só para a Casa Civil, mas também para a Receita Federal, o Ministério da Agricultura e o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Foi arrolada até uma carta do sommelier Carlos Cabral, fundador da Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho e responsável pelas compras da bebida em duas grandes redes de supermercado. “Devemos lutar para que o governo reduza os impostos, o que fará o preço do vinho cair e aumentar o consumo”, diz Cabral. “O que os produtores querem, mas não têm coragem de dizer, é criar uma reserva de mercado.” Para ele, ao adotar o selo, que atualmente só existe na Rússia, no México e na Polônia, o Brasil vai abrir um precedente perigoso – o que prejudicaria também as exportações.
“É preciso encontrar ferramentas que disciplinem o mercado”, diz Adriano Miolo, que responde por 40% da produção brasileira de vinhos finos. “Não é justo que paguemos 52% de impostos, enquanto outros não pagam nada.” Mesmo que entre em vigor, dificilmente o selo de controle fiscal vai resolver os problemas que afetam a indústria vinícola brasileira.
(1)Segundo a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra). (2) Segundo a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) e a União Brasileira de Vinícolas Familiares e de Pequenos Vinicultores (Uvifam)
Veículo: Revista Época