A campanha publicitária da cerveja mexicana Dos Equis, com o tema "O homem mais interessante do mundo", fez grande sucesso nos Estados Unidos, reforçando as vendas do produto.
Mas no México poucos consumidores já ouviram falar desse gentil cavalheiro e seus conselhos sobre temas como a carreira: "Descubra o que você não sabe fazer bem nesta vida, e não faça" - seguido pelo bordão da campanha: "Mantenham-se sedentos, meus amigos".
A falta de imaginação no marketing em seu próprio país é uma das razões pelas quais a Femsa, a cervejaria que fabrica a Dos Equis, foi ultrapassada no México pelo seu grande rival, o Grupo Modelo SAB, fabricante da cerveja Corona. Mas alguns especialistas do setor também dizem que a Femsa - cujo nome formal é Fomento Económico Mexicano SAB - perdeu seu amor pelo negócio da cerveja, passando a dar prioridade às lojas de conveniência e ao engarrafamento da Coca-Cola.
Nos últimos 20 anos, a Femsa - que no México tem marcas como Sol e Tecate e no Brasil é dona da Kaiser, Sol e Bavaria - viu sua participação no mercado mexicano cair para 43%, ante os 55% que detinha antes. A Modelo detém 57%, sendo 31% só com a marca Corona.
Recentemente, a Femsa reconheceu que está avaliando a possibilidade de vender sua divisão de cerveja, ou fazer uma aliança estratégica com alguma grande cervejaria mundial. Empresas como a SABMiller PLC, que tem sede em Londres, ou a Heineken NV, de Amsterdã, que é parceira da Femsa de longa data, estão em conversações com a empresa mexicana, segundo pessoas a par do assunto. É provável que qualquer negócio seja feito com ações e não dinheiro, segundo uma dessas fontes - ou seja, os donos da Femsa continuariam a conservar uma participação no negócio.
Analistas dizem que um dos principais motivos pelos quais a Femsa está considerando aliar-se a uma cervejaria maior é que o cenário mundial do produto mudou rapidamente. O mercado global é cada vez mais dominado por gigantes como a Anheuser-Busch InBev e a SABMiller, empresas criadas a partir de fusões internacionais, de envergadura muito superior à da Femsa. A Femsa, de controle familiar, tem vendas anuais de cerveja de cerca de US$ 4 bilhões, comparados com cerca de US$ 35 bilhões da Anheuser-Busch InBev e US$ 21 bilhões da SABMiller.
No ano passado, quando a InBev comprou a Anheuser-Busch Cos. por cerca de US$ 52 bilhões, ela assumiu a participação não controladora de 50% que a Anheuser-Busch tinha no Grupo Modelo, dando a essa rival da Femsa um novo "tio" com a carteira bem recheada. Analistas creem que é só questão de tempo até a Modelo ser totalmente adquirida, o que aumentaria ainda mais a pressão da concorrência sobre a Femsa.
A Femsa tem seus próprios parceiros, mas em escala muito menor. Nos EUA, por exemplo, a Heineken USA comercializa e vende produtos da Femsa. (De fato, foi a Heineken USA e sua agência publicitária, a Euro RSCG, da Havas SA, que conceberam a campanha do "Homem Mais Interessante".) Mas a participação total da Heineken USA no mercado americano, incluindo as marcas da Femsa, é de apenas cerca de 4%.
Embora a divisão de cerveja da Femsa esteja ficando para trás, a empresa mostra bons resultados em suas duas outras principais linhas de negócios: refrigerantes e lojas de conveniência. No ano passado ela obteve lucros de US$ 2 bilhões sobre faturamento de US$ 15 bilhões, e nos últimos dez anos tanto o faturamento como o lucro aumentaram sete vezes. Mas 55% do fluxo de caixa operacional da Femsa veio das suas operações de engarrafamento da Coca-Cola, e apenas 31% das vendas de cerveja. Sua rede de lojas de conveniência Oxxo constituiu os restantes 14%. A empresa deve divulgar seus resultados do terceiro trimestre no dia 28.
A Femsa é uma das empresas mais tradicionais do México. A cidade industrial de Monterrey cresceu em torno da antecessora da Femsa, a Cervecería Cuauhtémoc, fundada em 1890. A maioria das modernas empresas de Monterrey deriva da Femsa, cujo nome sugere as ambições e o propósito de seus fundadores.
O ex-presidente do conselho da empresa antecessora da Femsa, o falecido Eugenio Garza Sada, é reverenciado em Monterrey como uma espécie de santo padroeiro. Entre suas realizações está a fundação, em 1943, do Tec de Monterrey, universidade que segue o modelo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. O atual diretor-presidente e presidente do conselho, José Antonio Fernández, veio a Monterrey para estudar no Tec e casou-se com a filha mais velha do então presidente do conselho da Femsa, Eugenio Garza Laguera, filho e herdeiro de Garza Sada.
Fernández, que assumiu o leme da Femsa em 1995, é considerado um executivo pragmático, menos atado às tradições e vínculos familiares da conservadora Monterrey. Sob o comando de Fernández, conhecido por seu apelido de infância "Diabo Fernández", a Femsa vem dando menos ênfase a cerveja."O Diabo está tendo um caso de amor com seus dois novos bebês, a Coca-Cola e a Oxxo", diz Ernesto Canales, advogado empresarial de Monterrey.
A Femsa tem parceria com a Coca-Cola desde 1993. Essa relação se fortaleceu em 2003, quando a Femsa adquiriu a Panamerican Beverages Inc., tornando-se assim a segunda maior engarrafadora mundial da Coca-Cola e a maior fabricante de refrigerantes da América Latina.
Analistas dizem que a Femsa, muito ligada à tradição, nunca teria vendido sua divisão de cerveja enquanto Garza Laguera, o sogro de Fernández, era vivo. Mas a morte de Garza Laguera no ano passado, aos 84 anos, abre caminho para uma venda ou a aliança estratégica com alguma grande cervejaria. "Era óbvio que, no momento em que Don Eugenio não estivesse mais conosco, eles iam tentar vender a coisa", diz um banqueiro de Monterrey.
Fernández pôs muito de seu foco nas lojas de conveniência Oxxo. A receita da rede se multiplicou de apenas US$ 421 milhões em 1998 para US$ 4,2 bilhões no ano passado. É de longe a maior rede de lojas de conveniência do México, com 6.811 unidades, o triplo de todas as concorrentes juntas.
A Oxxo teve um papel importante na defesa de participação de mercado da Femsa, já que oferece pontos de venda para as cervejas da empresa. Alguns analistas temem que a fatia da Femsa no mercado de cervejas teria caído muito mais se não fosse pelo apoio das lojas Oxxo.
No México, a Femsa é conhecida por ser eficiente na produção e venda de cervejas, mas teve dificuldades para desenvolver o marketing. "Eles ainda estão tentando achar a mistura certa de portfólio, que marcas promover em que mercados", diz David Belaunde, um analista da Barclays Capital.
Veículo: Valor Econômico