Perspectivas otimistas para a criação de búfalos no país

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Claudionor Serafim inicia toda semana sempre pensando no fim dela, quando fecha as portas da empresa da família na área de galvanoplastia, em Diadema, região metropolitana de São Paulo, e parte para Pilar do Sul, na região de Sorocaba, a 150 quilômetros de distância. É no sítio MC - iniciais do nome do pai Manoel e a dele - que ele põe de lado a posição de empresário e as operação que recobrem com uma camada de zinco metálico o ferro ou o aço, para evitar oxidação, para fazer o que mais gosta: criar búfalos. "Ainda me mudo para cá de vez", promete para si mesmo.

Mas nem sempre houve essa pressa toda. Há 17 anos, Serafim e seu pai tornaram-se sócios de uma área que era apenas para servir de lazer nos fins de semana. Mas quando compraram o sítio vizinho e passaram a ter uma propriedade de 133 hectares, concluíram que era necessário implantar uma atividade econômica naquelas terras. Até então, ambos não haviam percebido que estavam em uma das mais importantes regiões produtoras de leite de búfala do Estado, um mercado cuja demanda nacional por derivados (muçarelas em barra e em bolinha, queijo frescal, ricota, requeijão, manteiga etc) atualmente aumenta em torno de 20% por ano, conforme estimativas da Associação Brasileira de Criadores de Búfalos (ABCB) - e que está muito longe de ser atendida.

Conforme a entidade, baseada na capital de São Paulo, o país produz 92,3 milhões de litros de leite de búfala por ano e 50% do total é destinado à industrialização. O sudoeste paulista, onde está Pilar do Sul, é responsável por 11% do leite produzido para a indústria no país, por preços ao produtor que têm variado de R$ 1,20 a R$ 1,50 por litro.

Claudionor Serafim descobriu a importância de sua região há oito anos, quando decidiu investir na criação. Devagar. Primeiro, ele queria uma renda apenas para suprir os gastos com o sítio. Agora, não se contenta mais com os 700 litros diários - tem condições de chegar aos 2 mil - vendidos para seis laticínios de São Paulo. A dedicação ao seu rebanho, formado por 230 animais das raças mediterrânea e murrah (no Brasil existem ainda a jafarabadi e a carabao), é a razão que o faz querer voltar para lá todos fins de semana.
Luis Ushirobira/Valor / Luis Ushirobira/ValorClaudionor Serafim, criador em Pilar do Sul (SP): a oferta de leite e carne é crescente, mas não atende à demanda

O plantel é alimentado com capins braquiária e napiê, volumoso e, ainda, ração na hora da ordenha, que permite com que a fêmea aumente em até 4 litros sua produção diária. Para não ficar refém da escassez de leite - em seu estado natural a búfala pare apenas em dias de menos luminosidade, típicos de outono e inverno, Serafim recorre à inseminação artificial para sempre manter fêmeas em lactação. O produtor tem ciência que é um dos poucos a empregar essa tecnologia, além de manejo adequado. "Muitos acreditam que o animal não precisa de cuidados com saúde e alimentação pelo fato de ser resistente a doenças".

Pietro Baruselli, professor de veterinária da Universidade de São Paulo (USP) e membro da ABCB, explica que essa imagem de rusticidade tem relação com a função pela qual o animal começou a ser trazido ao país, no século XIX - "alimentar e servir como tração nas lavouras". De acordo com ele, enquanto a pecuária investiu em tecnologia, permitindo melhoramento genético e produtividade, o mesmo não aconteceu com os búfalos.

Otávio Bernardes, diretor da associação e também criador, reforça que o desconhecimento sobre a importância econômica da criação não tem fronteiras. "Desde 1995, o IBGE não conta mais a população destes animais. Trabalhamos com o último dado, que é de 2 milhões a 3 milhões de cabeças". Segundo a ABCB, 50% delas estão no Norte do país, em especial no Pará, cuja exploração tem caráter extrativista. Mas foi no Sudeste que se estabeleceu a cadeia produtiva de leite e derivados, enquanto no Sul cresceu a de carne.

"Ainda assim, falta matéria-prima", reclama Jorge Narkidi, diretor do Levitari, um dos maiores laticínios do país, localizado em Sete Barras, no Vale do Ribeira (SP). Seus 90 fornecedores conseguem suprir 15 mil litros diários em época de pico, apesar de a empresa ter capacidade para processar 30 mil litros. O Levitari fabrica 40 toneladas de produtos por mês, para atender a uma clientela composta por supermercados, restaurantes, pizzarias e empórios. "Os pedidos aumentam, em média, 30% por ano", informa. Ele adverte que a escassez de matéria-prima tem provocado fraudes no mercado, como aquela que mistura leite bovino ao de búfala, que tem 4% mais proteínas e taxa menor de colesterol.
 

Pietro Baruselli ensina que, para não cair em armadilhas, o consumidor deve buscar um queijo branco e brilhante. A adição de leite de vaca dá coloração amarelada, muitas vezes camufladas com branqueadores. "A massa deve ter aroma de leite fresco, sabor suave e levemente adocicado. A consistência é macia, mas firme, para que não despedace. "Os falsificados costumam esfarelar ", explica. Para proteger os consumidores de fraudes, a ABCB criou há 11 anos o selo de pureza que certifica o produto que leva 100% de leite de búfala.

Assim como os laticínios sentem falta de matéria-prima - no Brasil existem 150 deles, com capacidade para 10 mil litros diários -, a Cooperativa Sulriograndense de Bubalinocultores (Cooperbufalo), de Pelotas (RS), venderia o dobro da produção de mil toneladas de carne, por ano, se tivesse condições de atender à clientela. Segundo o presidente Julio Keltzer, os 50 cooperados garantem apenas o abastecimento do supermercado Záfari, tradicional no Sul do país e que tem avançado no Sudeste.

"O consumidor tem interesse pela carne, que é macia e tem menor teor de gordura do que a bovina", explica. Em São Paulo, a rede é atendida pelo Cowpig, frigorífico situado em Boituva (SP), que também abastece outros supermercados e butiques de carne na capital paulistana. Por semana, são necessárias 12 toneladas, que chegam ao consumidor pelo preço de R$ 25 a R$ 50 reais, por quilo. "Existe público para carnes nobres como esta, mas ele não está sendo atendido plenamente", avalia o diretor Ovídio Sebastiani. Os últimos dados do IBGE, de 1995/1996, registraram que a produção anual de carne atingiu 155 mil toneladas.

A existência de um mercado potencial que não é explorado como merece não surpreende Otávio Bernardes, que lida com búfalos desde a década de 1980. Foi quando seu pai, Wanderley Bernardes, tornou-se um dos pioneiros na criação do Vale do Ribeira - e, depois, no sudoeste paulista. "Os animais sempre estiveram em segundo plano. Ocuparam espaços que não eram do agrado da pecuária e da agricultura".

O sítio de Otávio é próximo ao de Claudionor Serafim e, como o vizinho, produz 700 litros de leite diários. E o diretor da ABCB não perde o otimismo. Na sua própria região já são 350 produtores que lidam com a criação na esperança de que o mercado não hesite mais em atender consumidores dispostos a pagar pelo produto quando encontrado.



Veículo: Valor Econômico


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