Historicamente assumindo um papel de vilã no desmatamento amazônico, a pecuária aos poucos começa a inverter esse quadro. Quase três anos depois de iniciado o pacto entre produtores rurais e o Ministério Público Federal, a ideia de regularização da cadeia da pecuária, chamada de Campanha Carne Legal, fez com que houvesse uma redução de 40% no desmatamento no Estado. Os dados, que correspondem ao período entre agosto de 2010 e julho de 2011, mostram que iniciativas sustentáveis não andam na contramão da rentabilidade.
A pecuária não perdeu espaço, ganhou produtividade e desmatou menos. O risco agora é manter essa mesma situação com a mudança do Código Florestal, considerado por especialistas um retrocesso nas questões ambientais brasileiras.
A campanha Carne Legal, que atualmente é um dos carros-chefes na divulgação de iniciativas da chamada economia verde paraense, chegou a receber diversos ataques de lideranças ruralistas, ainda comprometidas com práticas atrasadas de produção, mas acabou tendo o reconhecimento dos consumidores e foi eleita como a melhor campanha publicitária pelo júri acadêmico do prêmio GreenBest, o primeiro concurso nacional para selecionar as empresas, produtos e projetos que mais contribuem para a sustentabilidade no país.
A ideia foi iniciada em 2009 com embargo sobre o gado paraense. Havia uma situação de descontrole e irregularidades tão evidentes que a Associação Brasileira de Supermercados suspendeu a compra de produtos bovinos paraenses, por 40 dias. Um dos maiores abatedouros de Marabá teve de fechar temporariamente as portas. O jeito foi negociar.
Foi feito o primeiro Termo de Ajuste de Conduta do MPF com o frigorífico Bertin, que se comprometeu a fazer uma série de exigências ambientais e sociais aos fornecedores. Atualmente já são 18 frigoríficos e 51 marchantes, curtumes, açougues e varejistas que se comprometeram a cumprir as exigências.
A medida assustou produtores, temerosos das perdas imediatas de lucro, mas houve redução expressiva do desmatamento. O Imazon, responsável pela avaliação dos dados de desmatamento para a campanha, avaliou que a consolidação da tendência de queda no Pará está diretamente conectada aos acordos e compromissos que o Ministério Público Federal obteve de pecuaristas, frigoríficos, varejistas, prefeituras municipais e do Governo do Estado do Pará.
Produtores se adequaram à legislação
Com isso, houve uma mudança gradual de comportamento. Atualmente, as propriedades rurais que pretendam negociar no mercado da pecuária não podem ser flagradas nem processadas por trabalho escravo, invasão de terras públicas e desmatamento ilegal. Também são obrigadas a estar no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e, gradualmente, em prazos determinados pelo MPF, terão que pedir e obter Licença Ambiental Rural para as atividades produtivas, assim como comprovar a regularização fundiária.
O CAR tem sido uma ferramenta fundamental porque permite um raio-x da estrutura fundiária do Estado, algo quase impossível até pouco tempo atrás. Quem quer se regularizar, tem que ter o CAR. E quem não entrar no cadastro sabe que vai ser objeto de fiscalização preferencial e está sujeito a embargo e apreensão de produtos pelos fiscais. Quase 40 mil imóveis rurais, de acordo com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente já possuem o documento. Isso representa mais de 20 milhões de hectares informados. A mudança de comportamento é visível.
Segundo o MPF, até 2009, o Cadastro Ambiental Rural existia no papel, mas das estimadas 150 mil propriedades rurais do Estado, apenas 400 estavam cadastradas. “Não havia interesse dos produtores nem estrutura do estado para promover a regularização. Por causa do descontrole, o Pará exibia os maiores índices de irregularidades ligadas à criação de gado, de trabalho escravo a desmatamento e invasão de terras públicas”, diz o procurador Daniel Azeredo.
Meta é acabar com áreas de desmatamento
O apoio agora é bem maior. Um exemplo é o dado pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e pelas maiores redes varejistas do país – Wal Mart, Pão de Açúcar, Carrefour, que concordaram em fazer um acordo de cooperação técnica com o Ministério Público Federal para estimular os fornecedores de produtos bovinos que se comprometerem com a regularização ambiental. A cooperação é parte do esforço pelo desmatamento zero na indústria da carne em toda a Amazônia.
“A decisão da Associação Brasileira de Supermercados de suspender a compra de carne produzida em área de desmatamento ilegal, em 2009, foi essencial para o avanço do trabalho do MPF e do setor produtivo pela regularização da pecuária na Amazônia”, explica o procurador da República Daniel Azeredo Avelino.
O Ministério Público Federal diz que os supermercados já cumprem várias exigências legais na aquisição de carne e outros subprodutos da pecuária bovina, mas com a cooperação técnica estão aptos a criar sistemas de informação ao consumidor que contemplem a nova etapa da regularização.
Segundo o MPF, o termo de cooperação técnica entre supermercados e MPF está sendo elaborado e deve garantir troca mais rápida de informações entre os varejistas e os procuradores da República nos Estados. O alvo é a fiscalização sobre a clandestinidade na produção de carne.
Veículo: Diário do Pará