Exótica, de sabor irregular e cheiro forte. Não faz muito tempo, essas eram as características da carne de cordeiro produzida no Brasil e as razões que impediam o avanço de seu consumo no país. Às voltas com a baixa oferta de animais adequados para a produção de carne e uma expressiva participação dos abates clandestinos, a cadeia de ovinos não parecia ter vocação para ser explorada em escala industrial pelos grandes frigoríficos.
Mas o cenário começou a mudar nos últimos anos. Tradicional importadora de carne de cordeiro do Uruguai para as churrascarias que se aventuravam a vender o produto "exótico", a Marfrig decidiu fomentar a produção nacional de ovinos em 2005, com a importação da genética de duas linhagens próprias para a produção de carnes originárias da Nova Zelândia, segundo maior exportador mundial. No Brasil, as raças mais comuns para esta finalidade são sulffok, santa inês, texel, entre outras.
Para agradar ao paladar do consumidor, a Marfrig definiu também padrões de qualidade e, em 2009, quando o rebanho das neozelandesas primera e highlander ganhou corpo, inaugurou sua produção própria de carne de cordeiro, com a estreia dos abates no frigorífico de Promissão, no interior do Estado de São Paulo.
A aposta da companhia coincidiu com o crescimento da renda das famílias brasileiras e com o movimento de profissionalização da ovinocultura, que acabou por elevar a qualidade da carne de cordeiro, impulsionando a demanda.
"Até então, o produtor não sabia o que produzir e o consumidor não sabia qual era o parâmetro de qualidade da carne de cordeiro", relembra o gerente de ovinos da Marfrig, Gustavo Martini. Nesse processo, conta o zootecnista, os pecuaristas compreenderam o principal obstáculo que o setor enfrentava para produzir uma carne de qualidade: a idade do animal abatido.
Na maior parte dos casos, o ovino que chegava ao mercado era considerado velho. "Há dez anos, só se abatia com dois anos, dois anos e meio de idade", afirma o presidente da rede de churrascarias Fogo de Chão, Jandir Dalberto, uma das principais compradoras de carne de cordeiro do país.
Expedito Cesário, pesquisador da Embrapa Caprinos e Ovinos, explica que o abate tardio era o grande responsável pelo gosto e cheiro fortes da carne, que nem mesmo poderia ser considerada de cordeiro. "Abatia-se animal de qualquer jeito e vendia-se como cordeiro, mesmo que não fosse ", diz.
Por cordeiro, entende-se o ovino com até um ano de idade. Quando atinge a fase reprodutiva - basicamente acima de um ano -, o animal é chamado de carneiro. Nesse período, os hormônios liberados pelo corpo acabam por modificar o sabor da carne. "Por isso, dificilmente alguém voltaria a pedir essa carne novamente", afirma Martini.
No entanto, o melhor padrão fez a demanda disparar. Nos últimos quatro anos, o consumo per capita de carne ovina saltou de 300 gramas per capita anuais para cerca de 700 gramas, segundo estimativas de Cesário, da Embrapa. "O aumento do consumo é resultado da melhora da qualidade", afirma. Na rede Fogo de Chão, o consumo mensal pulou de 3 toneladas para 18 toneladas.
Na Marfrig, o trabalho de fomento à produção e padronização da carne deu resultados. Com capacidade de abate diária de 4,5 mil cabeças, a empresa foi responsável por mais de 40% dos abates de fiscalizados no Brasil. No ano passado, foram 118,5 mil cabeças.
Os abates de ovinos da Marfrig no Brasil tiveram início em 2009, quando a empresa adaptou a linha de produção de bovinos da unidade de Promissão (SP) para este fim. No mesmo ano, os abates também começaram a ser feitos em Capão do Leão e Alegrete (RS). A companhia opera, ainda, com ovinos em duas unidades no Uruguai e uma no Chile.
Antes concentrada em restaurantes e churrascarias, a carne de cordeiro da Marfrig chegou aos supermercados. Nos últimos dois anos, a empresa lançou 61 novos cortes resfriados e congelados, com as marcas Bassi, Seara e Palatare. "As churrascarias despertaram o interesse do consumidor em preparar a carne em casa", afirma Pedro Henrique Pereira, diretor de carnes do Grupo Pão de Açúcar.
Mas a disseminação da carne de cordeiro ainda deve levar tempo. Dependente do Uruguai - o país importa 80% do produto consumido - o Brasil tem um rebanho de pouco mais de 17 milhões de cabeças. "Nossa produção não atende sequer a cidade de São Paulo", diz Martini. Para fazer frente a esse crescimento, a Marfrig tem estimulado o uso das raças primera e highlander, pois elas ampliam o rendimento de carne por carcaça e tem maior aptidão para reprodução, de acordo com Martini.
Para fomentar a produção, a Marfrig paga até 17% mais pelo cordeiro formado a partir da combinação entre as duas raças, além de prestar assistência técnica aos produtores. A empresa conta com a parceria de 39 ovinocultores, no Sudeste e Centro-Oeste, e rebanho que chega a 15 mil cabeças.
Com esse vínculo, a Marfrig espera elevar a participação de suas raças "preferidas" no abate. "Vislumbramos um crescimento de 20% ao ano", revela Martini. Em Promissão, unidade que abate ovinos uma vez por semana, 40% dos animais já pertencem às raças neozelandesas.
Além de estimular o rebanho de primera e highlander, a Marfrig incentiva a terminação dos animais em confinamento, incrementando assim a produtividade. Com esse intuito, a empresa inaugurou, em 2011, um confinamento em Coroados (SP), com capacidade para 6 mil cabeças, e um semi-confinanento em Alegrete (RS), que comporta 4 mil animais.
Apesar do estímulo, o segmento é pouco expressivo para o porte da empresa, que em 2011 faturou R$ 21,8 bilhões, abateu 3,5 milhões de cabeças de bovinos e mais de 1 bilhão de cabeças de aves. "Nessa fase de incentivo, achatamos a margem em alguns momentos para estimular a produção. Mas é um segmento que opera com uma margem melhor que o bovino", diz James Cruden, CEO da Marfrig Beef, divisão de ovinos e bovinos.
Veículo: Valor Econômico