A Rússia não disse "não", mas tampouco disse "sim" ao Brasil, em reunião ontem em Moscou, para resolver problemas que estão bloqueando o comércio de carnes bovina e suína para o mercado russo, um dos maiores compradores desses produtos brasileiros. No máximo, os russos prometeram fazer os maiores esforços para se chegar a alguma solução que possa ser anunciada até amanhã, quando acaba a visita oficial da presidente Dilma Rousseff a Moscou. A situação está em um momento delicado: o Ministério da Agricultura suspendeu desde sexta-feira toda certificação para a exportação de carnes suína e bovina para a Rússia, por considerar não ser possível cumprir as exigências de Moscou.
O Valor apurou que o principal empecilho agora envolve a Ractopamina, aditivo alimentar polêmico utilizado na produção pecuária nos Estados Unidos, mas proibido na União Europeia. Recentemente, o Codex Alimentarium, que estabelece as regras do comércio mundial de alimentos, aprovou em Roma o uso do produto, especificando limites de resíduos. A Rússia, porém, também passou a proibir o aditivo. E exigiu do Ministério da Agricultura brasileiro certificação de inexistência da Ractopamina nas exportações para seu mercado. Para o Brasil não haveria problemas, até porque já faz isso na exportação para a China, e faria com os russos, seu principal cliente de carnes. A questão é como fazer.
Moscou enviou uma minuta de certificação para o Brasil usando termos considerados inadequados perante a legislação brasileira. Asim, na sexta-feira passada, o Ministério da Agricultura suspendeu a certificação para a exportação de carnes suína e bovina para a Rússia. As negociações se aceleraram em Moscou na véspera da chegada de Dilma para superar o impasse. A tentativa é de dar garantias aos russos de que a carne exportada não terá o aditivo, mas ao mesmo tempo chegar a um mecanismo que seja exequível e auditável pelo Ministério da Agricultura.
Havendo acordo hoje ou amanhã, em Moscou, o que consta de uma carta entregue pelo Ministério da Agricultura a autoridades russas é de que o Brasil retomaria a emissão de certificação para exportar a partir do dia 15, sábado.
Outro problema é sobre o caso da vaca louca que apareceu no Brasil, considerado atípico. Os EUA tiveram caso semelhante, e a União Europeia outros seis, ano passado. Ou seja, é quase rotina. O que gera questionamento por parte dos russos é a demora brasileira no diagnóstico.
O problema ocorreu em dezembro de 2010, quando foi coletada uma lâmina para análise obrigatória, que só teve o primeiro resultado em junho deste ano, confirmado por laboratório internacional no começo deste mês. Quando o Brasil notificou o caso da vaca louca na Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), tentou justificar o atraso com um incidente que teria criado sobrecarga ao sistema laboratorial oficial. Em relação ao número de testes de vaca louca realizados pelo Brasil, os brasileiros retrucaram que foram feitos pelo menos 30 mil em oito anos.
O embaixador brasileiro em Moscou, Carlos Paranhos, e o secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Célio Porto, se reuniram ontem com Sergey Dankvert, o chefe do Rosselkhorznadzor, o serviço federal russo de vigilância veterinária e fitossanitária. As negociações prosseguem hoje.
Continua pendente também o fim do embargo as carnes originárias de três Estados - Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. Foi imposto em junho de 2011, como resultado de uma missão veterinária ao Brasil. Já ocorreram várias reuniões sobre o tema, a última em 23 de novembro. A Rússia continuou a reclamar de documentos. mas o Ministério da Agricultura garante agora ter entregue tudo.
A avaliação em Moscou é de que o anúncio do fim do embargo precisa vir junto com o retorno das habilitações das dezenas de frigoríficos que estavam aprovados para exportação quando ocorreu o embargo no ano passado. Ou seja, não pode ser um anúncio que não represente aumento de estabelecimentos exportadores.
Não está claro quantos frigoríficos poderão de novo pleitear exportar para o mercado russo. Mas não serão os 85 suspensos, segundo Paranhos, porque alguns não corrigiram os problemas apontados por Moscou. A Rússia é o maior importador de carne bovina brasileira, o segundo de carne suína e está entre os cinco maiores compradores de carne de frango, além do maior mercado para o açúcar.
O Brasil exporta carnes para mais de cem países e analistas dizem que somente com a Rússia é que os problemas se repetem, com culpas dos dois lados. Cada visita de presidente da República tem a questão da carne na agenda.
A presidente Dilma Rousseff se prepara para manifestar ao presidente Vladimir Putin e ao chefe de governo Dmitri Medvedev sua expectativa de que o mercado russo seja aberto, "sem nenhum empecilho", conforme informou o embaixador brasileiro em Moscou, Carlos Paranhos. Um acordo poderia coincidir com o aniversário de Dilma na sexta-feira, quando se encontra com Putin no Kremlin.
Veículo: Valor Econômico