A visita ao Brasil do primeiro-ministro da Rússia, Dimitri Medvedev, na semana que vem, provavelmente acompanhado pelo ministro da Agricultura daquele país, dificilmente resultará no fim do embargo imposto por Moscou às carnes procedentes de três Estados brasileiros, segundo fontes na capital russa.
O sentimento entre alguns exportadores brasileiros é que o terreno para isso foi pavimentado com a habilitação fitossanitária do trigo russo pelo Brasil e a redução, pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), da tarifa incidente sobre o produto por quatro meses, entre abril e julho. Além disso, o Brasil negocia a compra bilionária de um sistema de defesa antiaéreo russo.
No entanto, do lado russos não foi dada nenhuma indicação de que o fim do embargo possa ser anunciado. O mais provável é que a delegação russa acerte, em Brasília, uma data para o envio de uma nova missão de veterinários ao Brasil. Isso deverá acontecer até abril, e só depois uma decisão será tomada. A presença de Nikolai Fedorov, ministro da Agricultura da Rússia, na delegação, não estava inteiramente confirmada ontem.
Outro problema que não facilita o melhor acesso das carnes brasileiras ao mercado russo é o atraso do Brasil em enviar os documentos exigidos por Moscou sobre o caso do mal da "vaca louca" confirmado no Paraná no fim de 2012. A documentação foi pedida em encontro entre autoridades dos dois países em 16 de janeiro em Berlim e ainda não chegou a Moscou. "Os brasileiros estão brincando com fogo", disse uma fonte.
Em recente comunicado ao governo brasileiro, as autoridades russas advertiram que seu Ministério da Agricultura continuava examinando a possibilidade de impor restrições à entrada da carne bovina brasileira em razão da ocorrência e voltou a cobrar as informações adicionais solicitadas anteriormente.
Enquanto os detalhes não chegarem, uma espada continuará sobre as cabeças dos exportadores que ainda conseguem vender ao mercado russo. Isso apesar da confirmação, nesta semana, pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) do status do Brasil de país com "risco insignificante" para " vaca louca".
A posição russa, na verdade, é idêntica a da OIE: a manutenção do status brasileiro de risco mínimo para o mal é importante, mas não basta e é preciso haver garantias de que o monitoramento deve ser forte.
Com relação à compra bilionária de material militar pelo Brasil, as informações em Moscou são de que em nenhum momento foi acenada uma barganha envolvendo a liberação das carnes brasileiras.
Já a queda da alíquota para a Rússia poder vender pelo menos 1 milhão de toneladas de trigo ao Brasil este ano é algo que Moscou pedia há muito tempo. Só que, agora, os produtores daquele país dificilmente conseguirão se beneficiar da oportunidade. A Rússia amargou uma grande quebra de sua safra de cereais por problemas climáticos, tem dificuldades em exportar e o governo começou a usar estoques de trigo para estabilizar os preços internos.
Paralelamente, a Rússia fechou seu mercado para as carnes suína, bovina e de peru dos EUA por causa do uso de ractopamina, um aditivo de engorda. Isso, a rigor, poderia favorecer exportadores do Brasil, mas também há problemas nesta frente.
No momento, as exportações de suínos de quatro frigoríficos brasileiros estão autorizadas a entrar na Rússia com certificado sanitário e garantias adicionais. Mas o problema é a metodologia dos exames laboratoriais para comprovar que a carne suína exportada não contém betagonistas como a ractopamina.
A exigência russa é considerada "completamente sui generis". O limite de sensibilidade exigido é muito baixo e não tem respaldo em padrões internacionais. A ideia é que em Brasilia, na semana que vem, seja discutido um limite comum. O tema está sendo examinado com lupa, e nesse caso o Ministério de Agricultura brasileiro tem agido com rapidez, enviando todas as informações. Mas, se nada for resolvido, o risco de problemas no futuro tende a persistir.
Na visita do primeiro-ministro Medvedev a Brasilia, a expectativa é que a presidente Dilma Rousseff esteja melhor preparada sobre o tema. Em sua visita a Moscou, em dezembro, Dilma chegou a perguntar a empresários porque o tema da carne era tão importante na relação bilateral. A resposta foi de que é o principal produto de exportação para os russos, junto com açúcar - que não tem problemas, enquanto as carnes são uma dor de cabeça eterna.
A autoridade sanitária da Rússia formalizou o embargo sanitário sobre as carnes de três Estados do Brasil (Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso) em junho de 2011. Desabilitou também frigoríficos em outros Estados. O pior caso é o da carne suína. Ficou com só um frigorífico habilitado em todo o país, em Santa Catarina. No inicio de 2012, Moscou habilitou mais três unidades, de Goiás, Minas e Santa Catarina.
Desde junho de 2011, o Brasil fez várias tentativas de derrubar o embargo. Uma delas partiu do vice-presidente Michel Temer, que na última reunião de alto nível, em 2011, tratou do tema sem sucesso. Os russos voltaram a alegar que o Brasil não tinha apresentado toda a documentação que exigiam e que os atrasos eram enormes.
Em dezembro, pouco antes da visita de Dilma a Moscou, o Ministério da Agricultura do Brasil teria entregue toda documentação solicitada. O secretário de Defesa Agropecuária, Ênio Marques, esteve na capital russa cerca de um mês antes e voltou ao Brasil anunciando o fim do embargo, para surpresa dos russos. Na visita de Dilma, apenas evitou-se o agravamento das travas às carnes.
Na Feira Verde de Berlim, no mês passado, Marques foi acompanhado por seis veterinários para encontrar os russos. Embora prometidas, as negociações sobre o fim do embargo não ocorreram. A autoridade russa só quis tratar de informações sobre o caso de "vaca louca" no Paraná.
Em 2012, as exportações brasileiras de carne bovina para a Rússia aumentaram um pouco e somente os embarques de carne suína registraram leve queda em relação a 2011. Mas os volumes estao bem longe do nivel de 2008, ano em que o Brasil mais vendeu carnes para os russos.
Veículo: Valor Econômico