Se você provou o caviar servido no restaurante Fasano nos últimos 12 meses, certamente comeu o produto criado numa fazenda uruguaia, a primeira a criar esturjões no Hemisfério Sul. Trata-se da Esturiones Del Rio Negro, que tem conseguido grande sucesso internacional com um produto de boa qualidade, comercializado sob o selo Black River Sturgeons - que passou pela prova-dos-nove do paladar de Rogério Fasano e de Salvatore Loi, o chef da casa.
Esta produção de sucesso começou há 15 anos. Walter Alcalde era um pacato empresário local do ramo da pesca, estabelecido em Montevidéu, quando obteve informações de um capitão de um navio científico russo, que navegava pelo local, de que a antiga União Soviética havia rastreado o globo terrestre, por meio de satélites, visando descobrir possíveis regiões nas quais fossem possíveis a criação de esturjões, para a produção de caviar. O local indicado foi mesmo o Uruguai.
Alcalde chamou seus filhos, entre eles Javier - que neste momento se encontra no Brasil, onde divulga sua iguaria - transmitindo a descoberta russa. "Como o tal capitão não disse onde seria o melhor lugar para criar os esturjões, começamos uma empreitada para descobrir o local de clima mais provável. Nossas pesquisas duraram dois anos, até descobrirmos um lago formado pelo Rio Negro, na Represa de Baigorria, no centro do país", conta Javier.
O local fica a 250 quilômetros da capital, nas águas frias e limpas do Rio Negro, que nasce em Bagé, no Rio Grande do Sul, e que corta o Uruguai ao meio.
Os contratempos dos primeiros tempos foram muitos. Os peixes nascidos da primeira importação de ovas da Rússia morreram todos. O empresário passou então a criá-los em jaulas submersas num sistema canadense que resolvia o problema de oxigenação responsável pela mortandade. Com assistência russa, parte dos esturjões produzidos em incubadora se adaptou. Foram alimentados com uma ração especial formulada pelos próprios russos.
Pouco depois, uma tempestade de vento provocou a fuga de milhares de esturjões, que passaram a viver livremente no Rio Negro, no Rio Uruguai e no Rio da Prata, assustando, conforme Javier, pescadores locais, que nunca haviam visto um peixe tão feio, um animal jurássico, que tem uma morfologia medonha há pelos menos milhões de anos.
Importaram, então, exemplares da espécie Acipenser baerii, que hoje estão nos tanques da empresa. "Não se trata do beluga ou do sevruga, mas é um peixe que dá um dos melhores caviares do mundo". Se em seu habitat natural tal peixe leva de dez a 12 anos para iniciar o processo reprodutivo, as fêmeas incharam com oito anos de vida, quando já tinham 12 quilos. Cada uma delas passou a produzir uma média de um quilo do produto por ano.
Hoje, a fazenda é um dos principais criadouros da iguaria, entre as existentes no mundo - nos Estados Unidos, França, Alemanha, Grécia, Itália, Bulgária e Espanha. Os investimentos da família desde 1992 ultrapassaram US$ 12 milhões e a fazenda se estabilizou sem que Walter pudesse ver seu sonho realizado, pois morreu em 2003, aos 70 anos.
"Hoje nascem no local de 200 mil a 300 mil esturjões por ano. Este ano vamos produzir seis toneladas de caviar", observa Javier. Seus grandes compradores são hoje Europa e Estados Unidos, que têm reconhecido a fazenda como um oásis do caviar no Hemisfério Sul. Um dos clientes mais conhecidos de Javier hoje é Donald Trump - para quem foi criada uma marca especial que leva o nome do bilionário - que comercializa o produto em seus hotéis. "Nosso produto veio como uma alternativa à caça indiscriminada e anti-ecológica do Mar Cáspio, onde a máfia do caviar movimenta US$ 1 bilhão por ano, poluindo as águas deste lugar, e levando o esturjão à extinção, pois o pescam com quatro anos, enquanto o ideal é que se espere até oito anos para que o peixe fique adulto", diz ele. "Se na década de 80 era possível obter do Mar Cáspio até 3 mil toneladas por ano, hoje só é possível conseguir 40 toneladas", conta.
A grande produção e a qualidade de seu produto se deve, conforme diz, ao mix de peixes com morfologia diferente que criou nas águas que passam pela sua propriedade. "Agora queremos aproximar nossa parceria com o Brasil", diz Javier. "O brasileiro precisa comer mais caviar", brinca ele. Hoje, no País, seu produto pode ser comprado na Enoteca Fasano, e em alguns pratos de Salvatore Loi, no restaurante Fasano.
O grupo compra mil quilos por ano, em média, e o estreitamento entre a empresa uruguaia e a nacional aconteceu depois de Loi visitar a fazenda no Uruguai, há um ano e meio. "Nunca havia ido antes a uma fazenda de caviar. Fiquei impressionado como estes homens realizam este ofício com amor. Tratam os peixes como se fossem filhos", brinca Loi. "A seleção das ovas é bem-realizada. Não são muito grandes, mas têm um gosto de nozes que é deliciosamente encantador. O sal que usam vem de Guérande e do Himalaia, um sal totalmente livre da poluição", avalia o chef.
Loi conta que o caviar do vizinho não tem a mesma cremosidade, tamanho e o óleo do original do Mar Cáspio, mas observa que o produto tem qualidade irrestrita. No Fasano ele criou um bacalhau amanteigado com purê de batata e caviar e serve a iguaria de forma tradicional, em blinis e em cima de uma bela gema de ovo.
Veículo: Gazeta Mercantil