Ibama abre sindicância sobre multa do Bertin

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Servidores públicos e funcionários terceirizados serão investigados

 

 

Luciana Nunes Leal



O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pediu à corregedoria do órgão, ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal a abertura de investigações para apurar responsabilidades no caso da multa de R$ 3 milhões aplicada ao frigorífico Bertin em 27 de julho do ano passado, mas que só foi desengavetada e formalizada nove meses depois, em 23 de abril deste ano. O Ministério Público e a corregedoria do Ibama vão investigar possíveis irregularidades cometidas por servidores públicos e o inquérito da PF vai apurar envolvimento de funcionários terceirizados. Os pedidos de apuração foram feitos pelo diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Luciano de Meneses Evaristo.

 

A empresa multada é a mesma que, em agosto de 2008, "salvou" o Ministério do Meio Ambiente de um grande fracasso ao arrematar 3.046 bois apreendidos por ordem do ministro Carlos Minc, por serem criados em área da Amazônia desmatada ilegalmente. Em grande estilo, na ocasião, Minc anunciou o leilão do gado apreendido, mas nenhum frigorífico tinha se interessado pela compra até que o Bertin arrematou os "bois piratas" por R$ 1,2 milhão. O engavetamento da multa contra o Bertin foi revelado pelo Estado na edição de domingo. Além da negligência administrativa, as investigações poderão esclarecer se houve ingerência política para beneficiar o frigorífico.

 

A primeira funcionária apontada como responsável pela demora na abertura do processo de cobrança da multa foi Cleonice Aires Pereira , que, segundo Luciano Evaristo, teria esquecido o auto de infração em um armário da gerência do Ibama em Marabá (PA). Cleonice, que trabalha em uma empresa prestadora de serviços - a E.B. Cardoso - , informou ontem, no entanto, que o documento da aplicação da multa só chegou a Marabá no dia 30 de dezembro de 2008, cinco meses depois do flagrante dos fiscais do Ibama.

 

A informação foi confirmada pelo gerente do Ibama em Marabá, Weber Rodrigues Alves. Segundo ele, os documentos referentes à multa de R$ 3 milhões ao Grupo Bertin S/A foram encontrados em março deste ano, quando a sede do Ibama em Brasília (Weber Alves não soube apontar o nome do funcionário) cobrou informações sobre o auto de infração. Estavam em um armário, esquecidos por Cleonice, que tinha entrado em férias em fevereiro. "Minha parte era encaminhar o aviso para a empresa tomar conhecimento da multa. Mandei no dia 9 de janeiro, mas o Correio devolveu no dia 13. Coloquei em uma pasta, mas esqueci de passar para a colega quando saí de férias, em fevereiro. Você também já deve ter esquecido alguma coisa no trabalho", declarou Cleonice ao Estado.

 

O gerente de Marabá defendeu a funcionária. "Não houve a intenção de ocultar documentos ou de conseguir algum tipo de benefício para adiar a abertura do processo", assegurou Weber Alves, funcionário do Instituto Chico Mendes cedido ao Ibama , na gerência de Marabá há quatro meses. Ele informou que deve ser formada uma comissão de sindicância para fazer a investigação interna.

 

O pedido de apuração do caso foi informado pela assessoria de imprensa do Ibama na tarde de ontem. Pela manhã, o instituto divulgou nota no portal da internet, sem mencionar a investigação. A assessoria procurou desvincular os dois episódios - o atraso na cobrança da multa de R$ 3 milhões e o leilão do gado apreendido pelo Ministério do Meio Ambiente, ao qual está subordinado o Ibama.

 

O instituto informou que o frigorífico Bertin, entre 2008 e 2009, sofreu sete multas, somando R$ 4,461 milhões, "antes, durante e depois do pregão" eletrônico que vendeu os bois. A nota informa ainda que o pregão foi organizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Ministério da Agricultura, e não envolveu o Meio Ambiente. Quatro multas aplicadas estão na alçada da gerência de Marabá e as outras três na de Barra do Garças (MT). O Ibama informou que as multas da Bertin estão entre 180 mil processos semelhantes em tramitação no instituto.

 

 

Ministro não quis comentar atraso para cobrança

 

 

Felipe Werneck



O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, afirmou ontem que "não foi nenhum erro", mas não quis comentar o atraso de quase nove meses na aplicação de uma multa de R$ 3 milhões ao Grupo Bertin S/A, uma das maiores redes de frigoríficos do País. O grupo teria salvo a Operação Boi Pirata de um final constrangedor ao arrematar, em 2008, 3.062 bois apreendidos pelo ministro em área desmatada.

 

Segundo reportagem publicada domingo pelo Estado, a multa só saiu da gaveta quando a denúncia de que teria sido "negociada" começou a circular em Brasília. "O Ibama vai lançar uma nota explicando isso. O pregão eletrônico foi organizado pela Conab, que é do Ministério da Agricultura. Quem fala sobre isso é o Ibama. Está tudo certo, a nota vai esclarecer", declarou Minc.

 

Antes, em discurso no Palácio Guanabara, sede do governo do Rio, o ministro fez referência indireta ao anúncio de que poderá ser convocado pela Comissão de Agricultura da Câmara para prestar esclarecimentos sobre o caso Bertin.

 

"Quero dar um recado para todos aqueles que acham que, com gritaria, ameaça e convocação, vão nos desviar do nosso papel de proteger a Amazônia, o Pantanal e a Mata Atlântica. Não vamos nos desviar um centímetro. Quem quiser bater, pede senha. A luta é a defesa do Brasil. Não vão destruir a Amazônia", ressaltou o ministro.

 

Segundo Minc, serão anunciados hoje dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) referentes a fevereiro, março e abril que mostrarão uma "redução acentuada" do desmatamento na comparação com o mesmo período do ano passado. Ele aproveitou a previsão para afirmar que está contrariando interesses no governo e que não cederá à "pressão de desmatadores e ruralistas que acham que vão intimidar o ministro do Meio Ambiente".

 

Minc sublinhou ainda que na sua gestão o País terá "o menor desmatamento dos últimos 20 anos, graças a medidas duras que geraram muita resistência". "A gente contraria interesses. Tem gente querendo meter pecuária em qualquer lado. Essa turminha está atrás de mim. Cada um quer vier com machadinha tirar uma picanha do Carlinhos Minc. Eu já disse que isso não é fácil assim", discursou.

 

LIÇÕES

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu programa de rádio Café com o Presidente, também falou sobre desmatamento. Ele disse que quer "legalizar, definitivamente", a Amazônia. "Quanto mais desmatamento houver, quanto mais queimadas houver, menos qualidade de vida terão os nossos filhos", afirmou.

 

Para Lula, o Brasil "dá lições" ao mundo sobre o que fazer para reduzir as queimadas e o desmatamento. Ele acentuou que os números mostram que o País está no caminho certo.

 

Nos últimos seis anos, garantiu o presidente, o Brasil criou 25 milhões de hectares de áreas de conservação na Amazônia, que fazem parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Esses locais, segundo ele, visam "pura e simplesmente" à proteção da biodiversidade e a manutenção do ecossistema do País.

 

O presidente mencionou ainda, como ações ambientais do governo, a homologação de 10 milhões de hectares de terras de índios, como as da Reserva Raposa Serra do Sol, a sanção da Lei de Gestão de Florestas Públicas e a criação do Serviço Florestal Brasileiro, entre outros. Lula reforçou também o apoio ao Protocolo de Kyoto.

 

Luciana Nunes Leal



Apesar de o Ibama considerar normal o fato de ter mantido engavetada por nove meses a multa de R$ 3 milhões aplicada ao Grupo Bertin, três outras multas emitidas contra o mesmo frigorífico provam que esse não é o tempo que o instituto do meio ambiente leva para processar os autos de infrações.

 

Duas multas ao frigorífico Bertin, que estão na gerência de Marabá (PA), em valores muito menores - de R$ 12 mil e R$ 8 mil -, foram aplicadas em janeiro e abril do ano passado e tiveram os processos abertos pouco mais de um mês depois. Neste ano, uma multa de R$ 100 mil, de 5 de maio, foi transformada em processo de cobrança uma semana depois.

 

Os documentos referentes à aplicação de multa de R$ 3 milhões ao frigorífico Bertin passaram por Mato Grosso, Goiás e Brasília antes de chegar à gerência do Ibama de Marabá, onde o processo deveria ter tido início logo depois de descoberta a infração pelos fiscais do Ibama. Por causa dessas idas e vindas, entre a aplicação da multa e a abertura do processo passaram-se nove meses, quando o prazo normal varia de 7 a 40 dias. Depois da abertura do processo, a empresa multada é notificada, tem prazo para defesa, que passa pela análise jurídica do Ibama, e só então a cobrança é executada na prática.

 

"Eventualmente acontece com algum processo. Os servidores dão entrada (da emissão da multa) no lugar errado. Mas os erros são corrigidos", disse ontem o gerente do Ibama em Marabá, Weber Rodrigues Alves. O problema é que, enquanto a multa de R$ 3 milhões permaneceu engavetada, a Bertin arrematou mais de 3 mil "bois piratas" que o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, não conseguira vender em três leilões anteriores. E a multa só foi cadastrada depois da denúncia de que a empresa que arrematara os "bois piratas" tinha um multa milionária "esquecida". Só em abril deste ano a empresa foi notificada. O Ibama nega qualquer ingerência política para aliviar a multa.

 

Além das multas de Marabá, o Bertin teve três cobranças por infrações, que somam R$ 1,341 milhão, na gerência de Barra do Garças, em Mato Grosso. Todas foram transformadas em processo de cobrança e estão na fase de análise da defesa.

 

EXPLICAÇÕES

 

Segundo o Ibama, o primeiro erro aconteceu quando o fiscal responsável pela multa, lotado em Goiás, mas cedido ao Ibama de Mato Grosso e em operação no sul do Pará, protocolou o auto de infração no município de Barra do Garças (MT) e não em Conceição do Araguaia, que está sob o comando da gerência de Marabá. Segundo o gerente Weber Alves, a multa, uma vez registrada em Barra do Garças, não foi incluída no Sistema de Controle e Fiscalização (Sicafi), um banco de dados acessado por todas as gerências e superintendências do Ibama. "Só recebemos em Marabá no dia 30 de dezembro do ano passado."

 

Segundo ele, a multa seguiu de Brasília para Goiânia, onde está lotado o fiscal, e depois voltou a Brasília porque seria enviado por malote. O gerente não soube explicar o vaivém de cinco meses. "Não é certo, mas é justificável. Pode acontecer um erro. O auto (da multa) não deveria ter sido entregue em Barra do Garças, deveria ter sido incluído no Sicafi", afirmou. "É bom deixar claro que nada foi feito com objeto de atrasar o processo."

 

Uma nova sucessão de erros aconteceu quando a multa chegou a Marabá. "Os funcionários estavam em um momento de incerteza, o Ibama estava trocando a empresa (fornecedora de serviços) e os funcionários terceirizados estavam em processo de seleção para a nova empresa. A funcionária acabou esquecendo o auto de infração no armário. Quando encontramos, estava com outros documentos, não só multas, mas papéis administrativos normais também", contou, acrescentando não ter visto motivos para abrir sindicância quando os documentos foram encontrados. No dia 23 de abril, o processo de cobrança foi aberto e a empresa, notificada."Não houve danos aos cofres públicos, o processo está correndo normalmente", justificou.

 

R$ 3 milhões

 

Aplicação da multa - 27 de julho de 2008

 

Abertura do processo - 23 de abril de 2009

 

Infração - Encontrados 10 mil metros cúbicos de lenha nativa sem certificado de origem

 

Situação atual - departamento jurídico analisa defesa encaminhada pela empresa

 

LISTA

 

As multas ao frigorífico Bertin registradas no Ibama de Marabá

 

R$ 8 mil

 

Aplicação da multa - 4 de abril de 2008

 

Abertura do processo - 9 de maio de 2008

 

Infração - lançamento indevido de resíduos líquidos no ambiente

 

Situação atual - o departamento jurídico analisa defesa encaminhada pela empresa

 

R$ 12 mil

 

Aplicação da multa - 24 de janeiro de 2008

 

Abertura do processo - 3 de março de 2008

 

Infração - lançamento indevido de resíduos líquidos no ambiente

 

Situação atual - o departamento jurídico analisa defesa encaminhada pela empresa

 

R$ 100 mil

 

Aplicação da multa - 5 de maio de 2009

 

Abertura do processo - 12 de maio de 2009

 

Infração - lançamento indevido de resíduos sólidos no ambiente

 

Situação atual - empresa foi notificada, mas ainda não enviou a defesa

 

Veículo: O Estado de S. Paulo


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