Centenas de embarcações usadas na captura da lagosta deixaram de ir ao mar. Os barcos estão parados e o motivo mais recente é a queda no preço. Para pescadores de seis comunidades, nunca a crise no setor foi tão grave
A pesca da lagosta no litoral cearense está praticamente parada e prestes a entrar em colapso. A cena é a mesma em seis comunidades visitadas pelo O POVO: dezenas de barcos a motor encostados nos portos pesqueiros e na beira da praia e centenas de pescadores em terra firme lamentando a falta de trabalho. Os que vivem do mar garantem que a crise no setor atravessa o seu pior momento. Os principais motivos são a queda no preço do crustáceo e a pouca quantidade de lagosta no mar por causa da pesca predatória.
No Litoral Leste, O POVO percorreu as praias do Canto Verde e de Parajuru, em Beberibe, além de Fortim. No lado oeste, foram visitadas duas comunidades em Acaraú e uma em Itarema. A situação mais crítica é no distrito de Parajuru, onde todos os barcos a motor deixaram de ir ao mar e a grande maioria dos pontos de venda de lagosta fecharam as portas. A crise começou em agosto e tem prejudicado a comunidade inteira. "Todos aqui vivem da lagosta. Sem a pesca até o comércio pára porque o pessoal fica sem dinheiro pra comprar comida. Tem colegas meus passando fome", lamenta José Leonardo, pescador há 30 anos.
Assim como a maioria dos pescadores cearenses, Leonardo não tem embarcação própria. Ele trabalha para um armador, como é conhecido o dono de barcos. No caso de Leonardo, o "patrão" é Cícero João da Costa, proprietário de dez embarcações no porto pesqueiro de Parajuru. O motivo que fez Cícero suspender as viagens ao mar é o mesmo apontado pelos armadores das outras comunidades: a queda no preço da lagosta, reduzido quase à metade em relação ao ano passado. Em 2007, o quilo da cauda era encontrado por R$ 70. Hoje, a média é R$ 38.
"Os barcos pararam porque não compensa mais pescar lagosta. Os gastos que a gente tem com a viagem superam o dinheiro da venda (do crustáceo)", explica Cícero. O presidente da Colônia de Pesca de Itarema, José Ribeiro Torres, coloca as despesas na ponta do lápis. "Primeiro, você tem de abastecer a embarcação. O litro do óleo está custando R$ 2 e para uma viagem no mar é preciso cinco mil litros de combustível, ou seja, R$ 10 mil só de óleo. Tem mais R$ 1 mil de gelo e R$ 2 mil de alimentação para os tripulantes. Fora a isca. Com a quantidade de lagosta que estão trazendo do mar, é prejuízo na certa", enfatiza.
A queda no preço da lagosta é o fator mais recente que contribuiu para a crise no setor, mas não é o único, como lembra René Schärer, fundador do Instituto Terramar e membro do Comitê de Gestão para o Uso Sustentável da Lagosta no Brasil. Os barcos voltam com pouca produção, por exemplo, porque a quantidade do crustáceo no mar diminuiu. É o resultado da pesca predatória, que, aos poucos, vai esgotando o estoque natural de lagosta.
"O principal problema é a pesca ilegal. É o mais difícil de resolver. Se continuar assim vai acabar com o estoque de lagosta", alerta Schärer. O pescador Manoel Bezerra, que mora em Beberibe, lembra com saudade dos tempos de fartura. "Tenho 41 anos de mar. Antes, tinha muita lagosta pra todo mundo. Agora, tem um bocado de vez que a gente chega sem nenhuma pra contar história. É triste", diz.
Em Acaraú, a produção também é fraca. Os pescadores agora passam as tardes no bar perto do porto pesqueiro reclamando da falta do que fazer. "O negócio está feio. Estou (há) dois meses parado. Depois do defeso (período em que os pescadores não podem pescar lagosta), a gente foi ao mar e trouxe menos de 200 quilos (do crustáceo). Trabalhei 19 dias e ganhei nem R$ 100. O dono do barco disse que ficou no prejuízo e agora só Deus sabe quando vai ter outra viagem", desabafa o pescador Raimundo Nonato.
Veículo: O Povo - CE