Classe C puxa novo padrão de consumo

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Classe média baixa inclui nas compras mais itens supérfluos, além de uma variedade maior e mais sofisticada de bens duráveis

Dados da Kantar Worldpanel indicam que a classe C aumentou em 17% o valor consumido de bens não duráveis em 2009

 

Primeiro, Dalva trocou o sabão em pedra pelo detergente em pó. Depois, começou a perfumar suas roupas com amaciante. Passou a ir à feira toda semana para comprar frutas e verduras e a comprar galões de água mineral direto da distribuidora. A doméstica, conhecida como Dalva e batizada de Maria Mendes da Silva Dias, acaba de quitar o financiamento de 36 meses do seu carro, um modelo sedã ano 2004, e começou a pagar parcelas de uma TV de LCD, presente para a filha.

 

Como mensalista registrada em São Paulo, Dalva, que tem 50 anos, recebe salário de R$ 550. "Sem carteira assinada você não faz crediário em lugar nenhum." E, com as faxinas extras que faz nos dias de folga, consegue mais R$ 480 mensais. "Hoje já consigo assumir uma prestação de R$ 500 por mês."

 

O dinheiro dela ajuda a aumentar o conforto da família. O do marido, que tem um bar em comunidade do Jardim Itapura, zona sul da capital, garante o arroz, o feijão, a carne e o aluguel do ponto comercial. "Em vista do que era, estou rica."

 

Segundo pesquisas de consultorias de varejo, o consumo da classe C tem sido alavancado pela expansão do mercado de trabalho, pelo avanço do crédito e pelo maior poder de compra dos salários, decorrente da inflação controlada já há 15 anos, da política de valorização do salário mínimo e da queda recente no preço de alimentos.

 

Mas agora não só o iogurte e o frango são símbolos do acesso aos bens de consumo, como ocorria no início do Plano Real, quando o quilo da ave passou a custar R$ 1 e a representar os benefícios da estabilidade econômica para a vida cotidiana -eram os "heróis do real", posto que mais tarde foi ocupado também pela dentadura.

 

Sofisticação
O fenômeno mais recente no varejo é a diversificação das compras da classe média baixa, que tem incluído no carrinho mais produtos supérfluos, além de uma variedade maior e mais sofisticada de bens duráveis.

 

Segundo pesquisa da consultoria Nielsen, sopas instantâneas, fraldas descartáveis, água mineral e chás estão entre os itens cujo aumento no número de lares consumidores mais se beneficiou pelo consumo da nova classe emergente.

 

Especialistas dizem que esses produtos, que permitem ao consumidor economizar tempo de trabalho em casa, ou itens que transmitem a ideia de vida saudável têm ganhado apelo entre as famílias da classe C.
Marcos Senine, executivo de atendimento da Nielsen Brasil, afirma que essa sobra no orçamento do estrato de renda intermediário da população começou a aparecer em 2009.

 

"Apesar de os indicadores estarem bem em 2007, a cesta de compra de bens duráveis crescia, com aumento da venda de celulares e da linha branca, mas o consumidor acabava endividado e não conseguia elevar o consumo na cesta de alimentos, de produtos de higiene e de limpeza."

 

A Abima, associação que representa a indústria de massas alimentícias, de pães e de bolos industrializados, relata a mesma tendência. "Tem mais gente provando ravióli e capelete", brinca Claudio Zanão, que preside a entidade.

 

Cestas semelhantes
Pesquisa recente da consultoria Kantar Worldpanel mostra que a variedade de produtos consumidos pelos mais pobres e pelos mais ricos começou a se aproximar em 2009 -embora a quantidade e a marca dos produtos sejam bem diferentes.

 

O estudo, feito em 8.200 lares no país, mostra que famílias com renda média de R$ 846 compraram, ao mês, 37 tipos de produtos de alimentação, higiene e limpeza ou bebidas. As que recebem em média R$ 1.500 consumiram 38, e as que ganham média de R$ 3.000, 42.

 

O perfil das compras é diferente, afirma Christine Pereira, diretora comercial da Kantar Worldpanel no Brasil: os mais pobres compram menos unidades que os mais ricos, optam por marcas mais baratas e por embalagens menores.

 

Os dados da Kantar Worldpanel indicam que a classe C aumentou em 17% o valor consumido de bens não duráveis no ano passado. Em unidades, o consumo cresceu 13%.

 

A diretora da consultoria afirma que, no segundo semestre, a tendência de elevar o consumo dos itens não básicos cresceu com mais força.

 

Desejo de compra é universal, diz executivo

 

Na rede de hipermercados Extra, os vendedores estão aprendendo a lidar com o novo perfil da classe média baixa, que sempre frequentou as lojas do grupo. "O consumidor da classe C agora está procurando outros produtos", diz Leonardo Paganotti, gerente do Grupo Pão de Açúcar, dono da rede Extra.

 

Segundo ele, o novo hit das famílias emergentes é a TV de LCD. A comercialização de máquinas digitais também foi alavancada por elas: as vendas do produto dobraram de 2007 a 2009.

 

"A classe C tem os mesmos desejos de consumo que todas as outras classes. Também está atrás de TV, de notebook, de máquina digital. Não tem essa de "vou começar equipando a cozinha e depois a sala"", afirma.

 


O economista Rudinei Toneto Junior, da USP, destaca que a disponibilidade de crédito é primordial para entender o avanço do consumo.

 

A oferta de crédito no país passou de um nível inferior a 30% do PIB (Produto Interno Bruto) no início do governo Lula para mais de 40%.

 


"E essa maior oferta de crédito se fez em um contexto de queda da taxa de juros real, que estimulou ainda mais o endividamento das famílias", diz o professor.

 

Aproximação
Enquanto o varejo investe em opções de financiamento, marcas de bens não duráveis tentam se aproximar dos consumidores emergentes.

 

Para estreitar o relacionamento com esse público, a Nestlé começou a vender seus produtos no sistema porta a porta em 2005. Então, eram 800 revendedores -hoje, são 7.000. A empresa informa que, em alguns casos, as porções ou as embalagens são diferenciadas para que a empresa possa cobrar um preço mais acessível.

 

A Unilever também passou a desenvolver produtos específicos para as famílias que ocupam a base da pirâmide social. Priya Patel, diretora de marketing da área de limpeza da Unilever, diz que, depois de fazer uma pesquisa de hábitos que revelou como essas donas de casa lavam roupa, a empresa notou que as mulheres reaproveitam a água e os produtos em levas de roupas no tanquinho. Lançou, então, produtos que se adaptam melhor a esse reaproveitamento. (VF)

 

Veículo: Folha de São Paulo


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