Projeção de receita foi feita com PIB menor

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Contas públicas: Para estimar queda de arrecadação, governo não utilizou previsões de crescimento e inflação


   
A nova projeção do governo para a receita administrada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) neste ano, que mostra uma queda na arrecadação e consta do relatório de avaliação orçamentária do segundo bimestre, não levou em consideração a mudança de alguns parâmetros macroeconômicos, como a elevação do crescimento da economia em 2010 (de 5,2% para 5,5%) e da inflação (de 5% para 5,5%), segundo análise feita por técnicos da área de orçamento.

 

A única mudança que o governo fez na projeção da receita administrada foi excluir a frustração da arrecadação ocorrida nos meses de março e abril, no valor de R$ 2,9 bilhões, mantendo as mesmas estimativas de receita para os meses seguintes a partir de maio, que constam do relatório de avaliação orçamentária do primeiro bimestre.

 
 
No caso das receitas não administrada pela RFB, o governo fez um movimento inesperado: reduziu em R$ 3 bilhões a previsão de receita com os dividendos das empresas estatais, que ele mesmo tinha acrescentado no relatório do primeiro bimestre. Com a mudança do relatório do segundo bimestre, a projeção da receita com dividendos voltou a ser a mesma que consta da lei orçamentária.

 

Isso significa que nos próximos relatórios, quando os novos parâmetros econômicos forem considerados, a estimativa da arrecadação subirá. Nesse momento, advertem os técnicos, é que o governo terá de mostrar se vai mesmo esterilizar a receita adicional, ou seja, se o corte anunciado de R$ 10 bilhões nos gastos públicos é para valer.

 

O primeiro movimento que o governo fez na direção do corte dos gastos foi relativamente fácil. Ao informar que sua previsão de receita (líquida das transferências para Estados e municípios) para este ano está abaixo da estimativa inicial em R$ 9,2 bilhões, a área econômica utilizou-se da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que prevê o equilíbrio entre receitas e despesas, para determinar uma redução dos gastos orçamentários na mesma proporção. Se a receita é menor do que a esperada, o gasto também precisa ser reduzido, como prevê a LRF, pois, do contrário, haverá sacrifício da meta de superávit primário.

 

Mas, até agora, como lembram os técnicos, o corte foi apenas na previsão de gasto e não terá qualquer efeito sobre a demanda agregada da economia, uma vez que, se não existia receita, não haveria mesmo despesa. A contribuição da política fiscal para o desaquecimento da demanda agregada só ocorrerá, segundo esse raciocínio, quando o governo conseguir não gastar o adicional da receita que obterá com o forte crescimento da economia deste ano e com a elevação da inflação.

 

O incremento da arrecadação por conta da expansão econômica acelerada não será pequeno. A Secretaria da Receita Federal do Brasil estima que o aumento de um ponto porcentual do Produto Interno Bruto (PIB) eleva a receita administrada (exceto a arrecadação previdenciária) em 0,63%, o que daria cerca de R$ 3,3 bilhões, em valores deste ano.

 

A projeção da receita que está no relatório do segundo bimestre ainda foi feita com a previsão de crescimento de 5,2% do PIB este ano. Mas os analistas do mercado já projetam uma expansão da economia de 6,3%, de acordo com o último Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central - ou seja, um ponto porcentual acima da previsão que serviu de parâmetro para a projeção de receita do governo. Alguns analistas acreditam que o mais provável é que o crescimento deste ano ficará próximo de 7%, com efeito maior sobre a arrecadação.

 

A RFB estima também que o impacto da elevação de um ponto percentual na inflação é de 0,61% na receita administrada (sem considerar a arrecadação previdenciária), o que significaria, neste ano, algo em torno de R$ 3,2 bilhões. A projeção da receita administrada que consta do relatório do segundo bimestre foi feita com a perspectiva de inflação este ano de 5%. O último relatório Focus mostra que os analistas de mercado esperam que o IPCA, o índice oficial de inflação, ficará em 5,54% este ano. Com maior inflação, a receita nominal do governo também será maior.

 

Há dúvidas ainda, na área técnica, sobre a redução feita pelo governo na previsão de receita com dividendos das estatais no relatório do segundo bimestre, pois a lucratividade dessas empresas, entre elas a Petrobras, está muito elevada. Os técnicos acham que o mais provável é que o governo venha a ter uma grata surpresa nesse item da arrecadação.

 

Os técnicos avaliam que se o governo decidir realmente esterilizar a receita adicional que será obtida nos próximos meses e, com isso, ajudar o Banco Central a desaquecer a demanda da economia, o caminho será destinar o dinheiro para o aumento do superávit primário ou para o Fundo Soberano do Brasil (FSB). Inicialmente, os recursos seriam destinados a uma conta reserva, que só poderá ser movimentada com autorização dos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo. Essa conta já foi utilizada em anos anteriores.
 


Lucros maiores devem ajudar a a aumentar arrecadação em 2010

 

Sustentada pelos balanços positivos das empresas neste ano, a arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) ajudará a Receita Federal do Brasil a registrar recordes na cobrança de impostos e contribuições, reduzindo as chances de frustração de caixa.

 

Entre janeiro e abril, esses dois tributos, diretamente vinculados ao lucro das empresas, responderam, juntos, por R$ 51 bilhões, apenas 0,38% a mais do que o contabilizado em igual período de 2009. No Ministério da Fazenda, porém, a avaliação é de que esse é um resultado que reflete uma imagem vista do retrovisor: a baixa lucratividade ou o prejuízo de várias empresas em uma ano contaminado pelos efeitos da crise econômica global.

 
 
A Receita decompôs a arrecadação do IRPJ e da CSLL e constatou que o baixo desempenho nos quatro primeiro meses foi localizado na declaração de ajuste. É nessa declaração que as companhias que apuram os dois tributos pelo lucro real fazem o acerto de contas com o fisco. Geralmente, quando a economia cresce, essas empresas apuram no momento do ajuste um lucro mais alto. Isso dá origem a um valor de IR e CSLL maior que o pago durante o ano e, por isso, elas recolhem um complemento.

 

No primeiro quadrimestre de 2009 (que refletiu os balanços positivos de 2008, um ano de crescimento econômico), a arrecadação proveniente dessa declaração somou R$ 8,4 bilhões. Já entre janeiro e abril deste ano, o montante decresceu para R$ 5,9 bilhões, representando uma queda de 29,8% sobre igual período do ano passado.

 

Esse efeito na declaração de ajuste, que o fisco classifica como frustração de receita por desvios em relação à sazonalidade prevista, deprimiu a arrecadação conjunta do IRPJ e da CSLL. Os dois tributos são, conforme explica o jurista Ives Gandra, particularmente sensíveis ao resultado das empresas cuja apuração é feita pelo regime do lucro real.

 

Isso anulou o ganho de 11,6% na cobrança do IRPJ e da CSLL feito pelo lucro presumido (cuja receita passou de R$ 10,4 bilhões no primeiro quadrimestre de 2009 para R$ 11,6 bilhões no mesmo período de 2010), da alta de 31,4% na apuração do balanço trimestral e do aumento de 2,1% no montante obtido com a apuração mensal.

 

Se, mesmo com esse efeito negativo, a arrecadação total de tributos registrou aumento real deflacionado pelo IPCA de 12,52% no primeiro quadrimestre, a tendência para o restante do ano, conforme expôs o secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, é de recorde após recorde. A explicação, lembra Gandra, são os balanços positivos do primeiro trimestre e que devem continuar com bons resultados ano longo de 2010.

 

A frustração de receita com a declaração de ajuste do IRPJ e da CSLL foi um dos motivos que levaram a Receita a prever, no segundo relatório bimestral de execução orçamentária, menor arrecadação anual para os dois tributos. No relatório a projeção de receita com o IR passa de R$ 194,8 bilhões para R$ 193 bilhões. Para a CSLL, a estimativa passa de R$ 47,8 bilhões para R$ 47,2 bilhões. Considerando a arrecadação que vai ocorrer a partir dos balanços deste ano, com base em uma economia que avança a um ritmo superior a 5%, Ives Gandra considera tais projeções subestimadas.

 

No Ministério da Fazenda a explicação é que tradicionalmente as projeções de arrecadação possuem um viés conservador porque são calculadas considerando-se os riscos fiscais.
 

 

Veículo: Valor Econômico


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