Déficit externo é recorde desde 1947

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Segundo o BC, saldo negativo é o maior para os meses de abril; investimento estrangeiro direto cobre apenas 47,1 % do rombo

 

Fabio Graner, Adriana Fernandes - O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA

 

Refletindo o forte ritmo da atividade econômica e o câmbio valorizado, o saldo das contas externas, incluindo operações de comércio, serviços e transferência de rendas entre o Brasil e o exterior em abril, foi negativo em US$ 4,58 bilhões.

 

O valor do déficit na chamada conta corrente do balanço de pagamentos foi recorde para o mês de abril na série iniciada em 1947, segundo informou ontem o Banco Central.

 

Mês após mês a conta corrente brasileira tem registrado déficits recordes. Com isso, no acumulado de janeiro a abril, o saldo negativo somou US$ 16,73 bilhões, mais de três vezes (246,4%) acima do déficit verificado no primeiro quadrimestre de 2009. Dessa forma, somas cada vez mais elevadas de dólares têm deixado o País por meio dessa conta.

 

Mas o que realmente preocupa nas contas externas brasileiras é que esse crescente saldo negativo tem cada vez menos sido financiado por dólares voltados para a produção, os chamados investimentos estrangeiros diretos (IED). Por exemplo, nos quatro primeiros meses deste ano, o IED foi suficiente para cobrir apenas 47,1% do déficit externo. Em igual período de 2009, a situação era bem diferente: os investimentos produtivos foram quase duas vezes superiores ao déficit na conta corrente.

 

Ações e renda fixa. Assim, a tarefa de suprir os dólares perdidos pela conta corrente brasileira foi cumprida ? com folga, diga-se de passagem ? pelo investimento em carteira (ações e renda fixa), que nos quatro primeiros meses do ano somou US$ 16,63 bilhões. O ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas ressaltou que neste ano, somente pela renda fixa, entraram US$ 8,05 bilhões, refletindo a atratividade dos juros em alta no Brasil.

 

As transações correntes pioram em 2010 com o superávit comercial menor e o aumento das despesas com o pagamento de serviços externos, como aluguel de equipamentos, transportes e viagens internacionais. As despesas com serviços saltaram de US$ 4,42 bilhões de janeiro a abril de 2009 para US$ 8,69 bilhões em 2010. As remessas de lucros e dividendos das empresas para as suas matrizes no exterior também pressionam as contas externas e já somam no ano US$ 7,93 bilhões, um crescimento de 50,5%.

 

Déficits preocupantes. "O que tem salvado a lavoura é o investimento em carteira", afirmou o professor de economia e especialista em contas externas, Antônio Corrêa de Lacerda. Segundo ele, a situação de déficits externos crescentes é preocupante porque cada vez mais o País depende desse capital volátil para se financiar. O economista argumentou que para este e o próximo ano, apesar da evidente piora no quadro das contas externas do País, não enxerga problemas de financiamento. Mas ele alertou que o próximo governo terá que atacar esse problema.

 

"Medidas estão aí". O governo tem atuado também para segurar a atividade econômica, com medidas como a alta nos juros básicos pelo BC e o aperto na política fiscal em curso no Ministério da Fazenda. Com o freio que o governo pretende colocar na economia, o País deverá importar menos produtos e serviços, o que tende a reduzir o déficit na conta corrente.

 

Financiamento é mantido, mas com menos qualidade

 

Análise: Fernando Dantas - O Estado de S.Paulo

A divulgação ontem do resultado das contas externas de abril, e de uma prévia de maio, reforçou duas constatações que já estão claras há algum tempo. A primeira é que o Brasil está entrando numa era de déficits em conta corrente, e precisa de poupança externa para financiar um nível de investimentos que garanta o crescimento sustentável na faixa de 4,5% a 5% ao ano. Assim, o déficit em conta corrente em 12 meses já chegou à marca de 2% do PIB, e pode, segundo algumas projeções, atingir um nível próximo de 4% em 2011.

 

A segunda constatação é que o mundo continua demonstrando apetite para financiar o Brasil. No difícil mês de maio, quando subiu a aversão global ao risco, o Brasil teve um saldo positivo de investimentos em carteira de US$ 1,2 bilhão, composto por saída líquida de US$ 463 milhões em ações, e entrada líquida de US$ 1,73 bilhão em títulos de renda fixa.

 

Embora represente uma queda em relação a abril, essa entrada líquida mostra como o investidor estrangeiro sente-se seguro em relação ao Brasil. Como nota Darwin Dib, economista sênior do Unibanco, a conta dos investimentos em carteira não ficou negativa em nenhum mês deste ano, apesar das agruras dos mercados globais.

 

Um ponto preocupante, porém, é que o investimento estrangeiro direto, a melhor forma de financiar o déficit em conta corrente, está desapontando. Os US$ 7,9 bilhões acumulados até abril são inferiores aos US$ 8,8 bilhões do mesmo período do ano passado. "Isso reflete, sem dúvida, uma piora da qualidade do financiamento", diz Maurício Molan, economista do Santander.

 

Veículo: O Estado de São Paulo


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