Em situações macroeconômicas opostas, a União Europeia e o Mercosul voltaram ontem a negociar um acordo de livre comércio, após seis anos de estancamento. Os dois blocos ainda não chegaram à fase de trocar pedidos e ofertas de liberalização de seus mercados. Até sexta-feira, em Buenos Aires, dedicam-se apenas à discussão de regras de origem, salvaguardas e outras normas que precisam figurar em qualquer tratado comercial.
O início das reuniões teve que aguardar o fim da partida entre Espanha e Portugal, países de origem de dois altos funcionários da delegação europeia, e não passou imune pelas provocações de alguns diplomatas sul-americanos, que falavam sobre as possíveis "semifinais do Mercosul" na Copa do Mundo. Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai venceram seus últimos confrontos e disputam, sexta e sábado, as quartas de final.
Os negociadores brasileiros guardaram para si outra provocação, mas comentaram em conversas informais: o contexto político e econômico em que se dão as negociações é bem diferente do que havia em 2004, quando fracassaram as tentativas de chegar a um acordo.
Naquela ocasião, os argumentos do Mercosul para ganhar mais abertura da UE a seus produtos e para conter as exigências europeias giravam em torno da diferença de desenvolvimento econômico entre os dois blocos. Essa diferença, obviamente, continua existindo. Mas a grande novidade de 2004 até o relançamento das negociações, em maio de 2010, é o destaque do Brasil como potência emergente. A Argentina, que ainda enfrentava a ira dos investidores pela moratória da dívida, passou a crescer a taxas superiores a 7% e também deixou a recessão para trás. Além disso, acaba de concluir com sucesso a reestruturação da dívida em moratória e já se entendeu com 92% dos credores que haviam sido prejudicados pelo calote de 2002.
Esse cenário contrasta com o atual marasmo da economia europeia. Países como Espanha e Grécia terão queda do PIB neste ano. Enquanto isso, Reino Unido e França fazem ajustes nas contas públicas para combater seus déficits fiscais. Na avaliação de funcionários graduados do Itamaraty, isso significa que o Mercosul, especialmente o Brasil, ganha importância para as empresas europeias como um mercado promissor. E pode gerar um efeito nas negociações: aumenta o poder de barganha do bloco sul-americano, segundo uma fonte brasileira, permitindo ao Mercosul "vender mais caro" o acesso a seu mercado - ou seja, cobrando mais concessões da UE.
O embaixador Alfredo Chiaradía, secretário de Relações Econômicas Internacionais da chancelaria argentina, disse que esse novo equilíbrio de forças é correto, mas relativiza seus reflexos nas negociações. "A não ser que você esteja no fundo do poço, não vende um bom apartamento por US$ 100 mil. Pelo contrário, quer vender bem seu patrimônio", afirmou Chiaradía.
Em meio à retomada das negociações, os europeus reclamaram das barreiras impostas pelo governo argentino à importação de alimentos processados. O assunto não chegou a ser alvo de discussões na reunião de ontem, mas a Argentina recebeu críticas diretamente de Bruxelas. A direção-geral de comércio da Comissão Europeia informou estar "muito preocupada" com as barreiras e que elas tiveram "impacto negativo em algumas exportações de produtos comestíveis da UE". O governo da Grécia se queixou formalmente à Casa Rosada pelo cancelamento de encomendas de pêssegos em calda no valor de US$ 2,4 milhões. A Argentina tem negado veementemente a existência das travas.
Veículo: Valor Econômico