Cai diferença entre inflação projetada e registrada

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Diminuição da surpresa inflacionária reduz juro

 

A surpresa inflacionária no Brasil tem sido significativamente menor desde 2005, ajudando a consolidar a queda dos juros nos últimos anos. De meados da década para cá, houve uma expressiva redução da diferença entre a inflação projetada e a efetivamente registrada. No fim de maio de 2002, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estimado para os próximos 12 meses era de 4,4%, um número muito inferior aos 17,2% que de fato se observaram nessa base de comparação, o que contribuía para a necessidade de juros mais altos, por causa da forte incerteza quanto à trajetória futura dos índices de preços.

 

Nos anos seguintes, porém, o quadro mudou. Em 2005, o IPCA ficou em 5,69%, percentual quase idêntico aos 5,7% estimado pelos analistas ouvidos pelo Banco Central (BC) no fim de 2004. É claro que tamanha precisão é rara, mas as surpresas para cima partir de então foram bem menos expressivas, com exceção de 2008 (ver tabela).

 

Esse cenário colaborou para a redução dos juros reais - hoje, a taxa está um pouco abaixo de 6%, na comparação do juro privado de um ano (o swap de 360 dias) com a inflação projetada para os próximos 12 meses. Em fevereiro de 2003, a taxa estava um pouco abaixo de 18%. O aumento da credibilidade da política monetária, com o cumprimento sucessivo das metas de inflação, teve papel decisivo nesse processo, dizem analistas, que ressaltam ainda a importância da queda da inércia inflacionária.

 

O cenário começou a mudar a partir de 2004, quando a meta inflacionária foi atingida pela primeira vez depois de três anos. Ao longo dos anos seguintes, se consolidou. Este será o sétimo ano seguido em que a meta deverá ser cumprida. Os analistas ouvidos pelo BC estimam um IPCA de 4,97% para 2010, um pouco acima do centro da meta, de 4,5%, mas bem abaixo do teto, de 6,5%.

 

Essa sequência tornou mais críveis os alvos perseguidos pelo BC. "Se o BC tem credibilidade, as pessoas sabem que a inflação que ocorreu não é um bom guia para a inflação futura. O bom guia é a própria meta", diz o economista Carlos Eduardo Gonçalves, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP).

 

Além dos ganhos de reputação da política monetária, o consultor técnico da Tendências Consultoria, Marcio Nakane, diz que o fato de o país ter sofrido menos choques nos últimos anos também contribuiu para a redução da surpresa inflacionária. "Parte disso se deve ao fator sorte, com a menor ocorrência de choques de oferta, como uma grande seca numa região produtora de alimentos", afirma ele, para quem o país também ficou mais resistente a turbulências nos últimos anos, por conta de fatores como a acumulação de reservas e o cumprimento das metas fiscais.

 

Em 2008 foi exatamente um choque de oferta sobre os alimentos - em combinação com alguma pressão de demanda - que levou o IPCA a fechar o ano em 5,9%, acima do centro da meta, de 4,5%, e dos 4,3% previstos pelos analistas no fim do ano anterior.

 

A credibilidade da política monetária, contudo, não foi afetada por essa surpresa negativa. Em 2009, o IPCA ficou em 4,31%, abaixo dos 5% estimados no fim de 2008, e neste ano o desvio entre a inflação projetada e a observada tende novamente a ser pequeno.

 

Também ajudou nesse processo a redução da inércia, o mecanismo pelo qual a inflação passada alimenta a inflação futura. Para Gonçalves, a inércia caiu porque hoje a indexação é menor, já que há várias tarifas públicas que não são mais corrigidas automaticamente pelo Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), e também pelos próprios ganhos de credibilidade da política monetária.

 

Para o economista Márcio Garcia, da PUC-Rio, o uso do "tacape do juro real" elevado em anos como entre 2004 e 2005 foi fundamental para estabelecer reputação da política monetária e diminuir a surpresa inflacionária. Com a manutenção das taxas em níveis altos, por muito tempo superiores a dois dígitos, o BC mostrou que devia ser levado a sério na sua tarefa de trazer a inflação para a meta, diz ele. Com isso, o juro real mais baixo que vigora hoje é consequência direta dessa fase de taxas elevadas, acredita Garcia.

 


Veículo: Valor Econômico


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