A alta nos preços dos alimentos verificada no mercado internacional e repercutida no atacado brasileiro desde o fim de agosto aterrizou no varejo em setembro. A elevação nos preços de alimentos e bebidas representou mais da metade da variação de 0,45% registrada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mas não o fim da inflação em torno de zero - onde estava desde junho. Os dados de setembro mostram que no mês passado, 62,5% dos itens pesquisados subiram de preço, o maior percentual desde março. No trimestre junho-agosto, esse percentual ficou entre 48,7% e 57,2%.
Mesmo com a maior participação de outros itens, os alimentos isolados responderam por 0,24 ponto percentual da inflação de setembro. Os outros produtos e serviços, portanto, explicam 0,21 ponto percentual da alta do mês passado, mas ainda assim não existem claros sinais de preços subindo por alta da demanda. Excluídas as elevações dos preços administrados e dos serviços, a alta nos bens industrializados só representou 0,07 ponto percentual no mês passado.
"E a alta foi toda concentrada em vestuário e artigos para residência", diz Laura Haralyi, analista do Itaú Unibanco, que explica que a alta de 0,45% de vestuário foi sazonal. "A nova coleção de roupas que entrou chegou mais cara. Um pouco graças à alta nos preços do algodão e um pouco devido a demanda, que continua aquecida", diz. No mês passado, os preços do algodão tiveram elevação de 31% no atacado. Os artigos de residência, como móveis e eletrodomésticos, também passaram por alta de preços, segundo a economista, devido a demanda elevada dos consumidores.
Os alimentos inverteram o sinal, ao passarem de menos 0,24% em agosto para 1,08% em setembro. Por representarem a maior fatia do IPCA - cerca de 22,1% do índice - os alimentos acabam tendo um peso ainda maior na inflação. Os grandes responsáveis por esse resultado foram as carnes, cujos preços subiram 5,1%, entre agosto e setembro, o açúcar, que deixou o terreno negativo de agosto (-0,06%) para uma alta de 5,6% em setembro, e os grãos, que subiram muito contagiados pelos problemas externos.
A elevação de preços no trigo, devido a maior estiagem em 150 anos em países exportadores como Rússia, Ucrânia e Cazaquistão, produziram um efeito em cascata. Substitutos imediatos, como soja e milho, estão em alta, o que impacta o preço de aves - o frango ficou 3,1% mais caro em setembro. Além disso, fatores climáticos internos ampliaram o choque de preços. O inverno mais rigoroso reduziu a precipitação, diminuindo o tamanho do pasto disponível para o gado, que passou a ser alimentado com milho - cujo preço subiu 16% no atacado em setembro.
Segundo Tatiana Pinheiro, economista do Santander, o índice de preços das commodities, o CRB, subiu 17% do início de julho até o final de setembro, em reais. "Essa alta foi mais forte em dólares, pois a valorização do real acaba por amortecer um pouco a internalização dessas elevações", diz ela.
Para as economistas consultadas pelo Valor, os alimentos representarão a maior parte da elevação do IPCA até o fim do ano - para Laura, responderão por 0,90% dos cerca de 1,8% que o IPCA acumulará no quarto trimestre. Excluídos os alimentos, as elevações verificadas em setembro, de vestuário e artigos para residência, serão fonte de pressão nos últimos três meses do ano. "De certa forma, o mês de setembro mostrou onde estará a alta de preços para o consumidor até dezembro, quando as festas de fim de ano pressionarão ainda mais os preços de comida, roupa, eletrodomésticos e eletroeletrônicos", diz Tatiana. Para Laura, o consumo das famílias "acaba chancelando o repasse de preços".
Veículo: Valor Econômico