Câmbio facilita regra de conteúdo local

Leia em 4min 10s

A desvalorização da moeda chinesa frente ao dólar facilita o cumprimento dos índices mínimos de nacionalização e os percentuais de regra de origem, o que pode favorecer ainda mais a oferta de mercadorias com alto conteúdo de insumos chineses ao Brasil.

 

Estimada em pelo menos 20%, a depreciação do yuan em relação ao dólar permite atingir com menos esforço os índices de nacionalização previstos em acordos regionais, como o do Mercosul, para aproveitar a troca sem imposto de mercadorias entre os países sócios. A desvalorização também afeta a aplicação do percentual mínimo de valor agregado local previsto na recente medida editada pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) para evitar a fraude na importação de produtos por meio da triangulação de mercadorias chinesas submetidas ao direito antidumping. A resolução espera regulação da parte operacional desde agosto. Hoje a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) deve aprovar as últimas medidas pendentes para que a medida entre em vigor.

 

"A manipulação do câmbio torna inútil a nova resolução da Camex", diz Vera Thorstensen, coordenadora do Centro do Comércio Global e do Investimento, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ela se refere à Resolução nº 63 da Camex, que fixa em 25% o nível de agregação local mínimo para que a triangulação de uma mercadoria não seja considerada como uma violação ao direito antidumping. O percentual mínimo também é exigido caso haja a importação brasileira de partes e peças para a montagem local de produtos protegidos.

 

No caso de importações da China, diz Vera, a desvalorização do yuan estimada em pelo menos 20% frente ao dólar acaba fazendo com que a exigência desses percentuais mínimos seja mais facilmente cumprida. Ela acredita que isso pode viabilizar o uso de países do Mercosul para a importação de produtos chineses para o Brasil. No caso, diz, o percentual mínimo aplicado caso o Mercosul fosse usado seria o do acordo regional do bloco. "Uma calça de jeans vinda da China, por exemplo, pode passar pelo Uruguai e cumprir a regra de origem do Mercosul."

 

Na regra geral, diz a advogada Priscilla Bevilacqua, do Nasser Sociedade de Advogados, o índice de nacionalização previsto no bloco para Uruguai, Argentina e Brasil é de no mínimo 60%. Com o cumprimento desse percentual, as trocas entre os países ficam livres do imposto de importação.

 

José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que um dos efeitos da desvalorização do yuan é a maior facilidade no cumprimento dos índices de nacionalização. Um segmento que poderia ser beneficiado com isso, diz, é o da indústria uruguaia de automóveis que usa partes e peças importadas da China.

 

De acordo com dados do sistema de informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), o Uruguai importou de janeiro a julho deste ano US$ 28,4 milhões em partes e acessórios de veículos automotores da China. No mesmo período do ano passado, foram apenas US$ 2,7 milhões. As importações brasileiras de automóveis uruguaios foram de US$ 17,5 milhões de janeiro a julho deste ano. O valor corresponde a mais da metade das exportações uruguaias da mesma classificação de veículos a todos os países do Mercosul.

 

A Chery, montadora de origem chinesa com fábrica instalada no Uruguai, informa que atualmente a indústria monta em território uruguaio os modelos Face e Tiggo para venda ao Chile e Argentina. Para o Brasil, desde junho, a empresa tem trazido os importados diretamente da China ao Brasil, juntamente com o modelo Cielo. Como as importações brasileiras passaram a ser diretas, não há retirada do imposto de importação.

 

Paulo Butori, presidente do Sindipeças, que reúne as indústrias de autopeças, diz que o segmento já notou o efeito do yuan sobre a concorrência e sobre os índices de nacionalização. "A balança comercial com a China ainda não nos deixa de cabelo em pé", explica ele. Os chineses, porém, diz, já deslocaram muitas indústrias brasileiras dedicadas ao mercado de reposição e a qualidade dos seus produtos aumenta rapidamente.

 

Milton Cardoso, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), diz que o setor vem sendo alvo de comercialização triangulada de calçados esportivos chineses, protegidos por direito antidumping definitivo desde março. Ele acredita que a relação entre yuan e dólar agrava todos os casos, mas especialmente a montagem no Brasil de partes e peças de calçados importados da China como forma de burlar a proteção. "Nesse caso temos a combinação do movimento inverso do yuan e do real." Segundo a Abicalçados a importação de partes de calçados cresceu 219% de janeiro a setembro, na comparação com o mesmo período do ano passado. Do volume total importado, 78,7% vem da China.

 

Veículo: Valor Econômico


Veja também

Inflação foi puxada por alimentos e subiu mais em São Paulo, aponta FGV

A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) diminuiu em quatro das...

Veja mais
Fipe eleva previsão para alta da inflação ao consumidor a 0,8%

O coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe, Antonio Evaldo Comune, elevou de 0,58% para...

Veja mais
Criação de emprego formal desacelera

Segundo o Caged, em setembro foram gerados 246.875 postos, número menor que o de agosto (299 mil) e o de setembro...

Veja mais
Câmbio ameniza alta mais forte de preços no atacado

O câmbio entrou em cena no controle da inflação. Depois de passar os primeiros oito meses do ano osc...

Veja mais
Para segurar cotação do dólar governo volta a subir o IOF

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou no começo da noite de ontem um novo aumento na alíquota do ...

Veja mais
Brasil flerta com China na guerra cambial

Emergentes mantêm discurso parecido ao criticar política americana; indústria brasileira diz que Chi...

Veja mais
O preço caiu

Estabilidade econômica, aumento da renda e maior competição entre empresas fazem com que muitos bens...

Veja mais
Restituição do IR estimula crescimento do varejo

A restituição do Imposto de Renda deve garantir um Natal gordo para o varejo. Ontem, mais de 2,7 milh&otil...

Veja mais
Mercado eleva estimativa para inflação em 2010 e 2011

Analistas também alteram o patamar esperado para o dólar no fim do ano, de R$ 1,75 para R$ 1,70   O...

Veja mais