Argentina ameaça criar novas barreiras a produto brasileiro

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Ação protecionista anunciada pelo ministro de Comércio argentino gera crise diplomática

 

A Argentina ameaça criar barreiras informais contra os produtos brasileiros, o que provocou uma crise diplomática entre os dois países, até agora mantida em sigilo. A ameaça foi transmitida, em tom agressivo, ao embaixador do Brasil em Buenos Aires, Ênio Cordeiro, pelo polêmico secretário de Comércio argentino, Guillermo Moreno, conhecido pelo estilo truculento com que lida com empresários e funcionários do governo local.

 

Na semana passada, a ameaça foi motivo de queixa do governo brasileiro, em reunião do secretário-geral de Relações Exteriores, Antônio Patriota, e o vice-ministro de Relações Exteriores argentino, Alberto Pedro D'Alotto.

 

A disposição de criar entraves à entrada de produtos brasileiros foi anunciada por Moreno a Cordeiro no dia 5 de novembro, em reunião no Ministério da Economia argentino, em Buenos Aires, com a presença do titular da pasta, Amado Boudou.

 

O pretexto foi a importação, por argentinos, de tubos de metal do Brasil, a preços mais baixos do que os encontrados no mercado brasileiro. Moreno disse ao embaixador brasileiro que os argentinos não admitem ser alvo de dumping e que o governo prepara "contramedidas" eficientes e não ortodoxas para deter, em breve, importações de produtos do Brasil.

 

Moreno é especialista em heterodoxias. Responsável pelo controle de preços no país, e, ao mesmo tempo, por iniciativas para dar fôlego à combalida indústria argentina, é ele quem controla, na prática, o Indec, o instituto de estatísticas argentino, hoje acusado de mascarar a real inflação no país vizinho.

 

Foi ele também quem, em maio, expediu uma ordem informal às grandes cadeias de comércio na Argentina, ameaçando de represálias quem comprasse produtos alimentícios estrangeiros concorrentes dos produtores locais, como o presunto europeu ou o chocolate brasileiro. A ameaça, naquela ocasião, levou o governo brasileiro a cobrar explicações da presidente Cristina Kirchner, que desautorizou o auxiliar.

 

A ação do secretário, que só formalmente é subordinado ao ministro da Economia, acontece em um momento delicado no governo argentino, quando ainda é um enigma a recomposição das forças políticas após a morte do ex-presidente Néstor Kirchner, que levou Moreno ao governo e lhe dava sustentação.

 

Uma das motivações para os impulsos protecionistas no país é o crescente superávit do Brasil no comércio bilateral, apesar da desvantagem brasileira com o real valorizado em relação ao dólar e ao peso argentino. Entre janeiro e outubro, as vendas do Brasil ao país vizinho foram US$ 2,9 bilhões superiores às compras feitas pelos brasileiros aos exportadores argentinos, e não há dúvidas de que esse superávit ultrapassará U$ 3 bilhões neste ano.

 

Nos dez primeiros meses do ano, o aumento nas exportações brasileiras à Argentina foi de 54%, o maior crescimento entre os principais sócios do Brasil. As importações cresceram pouco mais de 30%, um desempenho razoável para as vendas da Argentina - o Brasil é um de seus principais clientes -, mas uma das menores variações entre os principais fornecedores do mercado brasileiro. As vendas brasileiras de produtos básicos aos argentinos, principalmente as de minério de ferro e carnes suínas, cresceram impressionantes 210% até outubro, comparadas com os primeiros dez meses do ano passado. O crescimento em semimanufaturados, como produtos de ferro e aço, ultrapassou 120%.

 

Mais de 40% do comércio bilateral é ligado ao setor automotivo. Partes e peças, como motores, e equipamentos agrícolas, como tratores e ceifadeiras, foram os principais responsáveis pelo grande aumento nas vendas brasileiras à Argentina entre janeiro a outubro. Essa característica da balança comercial dos dois maiores sócios do Mercosul foi lembrada por autoridades brasileiras ao vice-ministro D'Alloto e outros funcionários graduados do governo argentino. Mais da metade do superávit do Brasil com a Argentina vem do comércio automotivo, em que o Brasil vende autopeças aos argentinos e eles exportam automóveis ao Brasil, lembra uma autoridade brasileira.

 

Esse comércio sustenta boa parte, cerca de 60%, dos 80 mil empregos do setor automotivo argentino, argumentam os brasileiros. Como resposta aos esforços explícitos de intimidação de Moreno, os brasileiros lembraram aos argentinos que marcas de automóvel, como o Hilux, da Toyota, uma das estrelas da exportação argentina, têm, na Argentina, preços inferiores aos encontrados no Brasil, por motivos de mercado - que, como no caso de mercadorias brasileiras vendidas à Argentina, não podem ser atribuídos a dumping. O Hilux já foi alvo de investigação no Brasil, por suspeita de não cumprir com os requisitos de "conteúdo nacional" - os argumentos dos argentinos foram aceitos, na época.

 

Autoridades brasileiras, conversando reservadamente sobre as ameaças de retenção de produtos brasileiros nas alfândegas argentinas, atribuem a ação de Moreno ao incômodo com o crescimento do superávit, mas lembram que, até agora, não houve nenhuma medida concreta por parte do governo argentino.

 

Há uma disposição de minimizar o episódio publicamente, em consideração pelas incertezas políticas e econômicas no país vizinho. Mas um indício da importância dada ao problema foi sua inclusão na agenda de Patriota e D'Alotto, na semana passada, em uma reunião que se destinava a discutir planos de cooperação e integração, como a usina hidrelétrica de Garabi e a cooperação macroeconômica.

 

O tema poderá entrar também nas conversas que o presidente Luíz Inácio Lula da Silva terá, nos próximos dias, com Cristina Kirchner. Os presidentes devem ter breve contato na reunião da Unasul, na Guiana, no fim desta semana, e, em dezembro, na reunião semestral do Mercosul.

 

D'Alotto limitou-se a anotar a queixa brasileira, mas já está certo que a ameaça de Moreno constará da pauta da comissão de monitoramento de comércio bilateral, no fim deste mês - que deveria ser realizada em Buenos Aires mas, excepcionalmente, será feita no Brasil, em lugar distante do gabinete do polêmico secretário argentino.

 

Veículo: Valor Econômico


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