O Banco Central anunciou ontem que vai liberar até R$ 100 bilhões aos bancos, numa resposta mais forte à crise de liquidez que afeta o mercado bancário. O diagnóstico é que o problema se alastrou nos últimos dias, chegando aos estratos mais altos do segmento de bancos médios e atingindo também uma parcela, ainda que localizada, da indústria de fundos de investimentos.
Uma fonte do BC diz que os novos recursos, que se somam à liberação de R$ 60 bilhões em depósitos compulsórios anunciada antes, devem mostrar que a autoridade monetária irá usar munição de grande porte para combater as turbulências. Os efeitos da medida já foram parcialmente colhidos ontem, com a alta de ações de bancos. Para o BC, a crise mundial se agravou, em grande parte, porque autoridades em outros países anunciaram medidas em conta-gotas.
Seguindo modelo que já vinha sendo adotado, a liberação de compulsórios será dirigida a segmentos específicos do mercado. A intenção, explica a fonte, é agir onde está havendo empoçamento de liquidez, e não simplesmente encharcar o mercado com dinheiro, o que simplesmente aumentaria o tamanho da poça de dinheiro que já existe.
A preocupação maior, agora, são os bancos médios. Ontem mesmo o BC editou circular que aumenta a faixa de isenção dos compulsórios sobre depósitos à prazo. Os bancos têm que fazer recolhimento compulsórios equivalente a 15% dos recursos captados em depósitos a prazos, como CDBs. Dessa obrigação, podiam abater R$ 700 milhões; agora, podem deduzir R$ 2 bilhões. O cálculo do BC é que a medida vá liberar R$ 13,1 bilhões. Na prática, apenas dez bancos, que captam mais do que R$ 13 bilhões em depósitos a prazo, continuarão a cumprir a exigência desse depósito compulsório.
Para injetar dinheiro nos bancos médios, o BC também afrouxou as regras para o chamado compulsório adicional sobre depósitos à vista, a prazo e caderneta de poupança. O limite de isenção para essas operações foi aumentado de R$ 700 milhões para R$ 1 bilhão, o que isenta praticamente todos os bancos médios dessa obrigação. A injeção de recursos estimada com a medida é de R$ 8 bilhões.
Desde setembro o BC vem anunciando o afrouxamento progressivo dos compulsórios, o que poderia sugerir que as medidas falharam. O BC sustenta, entretanto, que as medidas estão tendo o efeito desejado. Mas a crise internacional estaria se agravando, fazendo com que bancos um pouco maiores apresentem problemas de liquidez - o que exige novas respostas.
Há dez dias, o diagnóstico do BC era que sobretudo instituições de pequeno porte enfrentavam uma crise de liquidez. Na ocasião, o BC, explica a fonte, fez a liberação de compulsório no volume necessário para o problema. As medidas estão tendo o efeito desejado, e os bancos pequenos já estão achando soluções de mercado, como a venda de crédito para bancos maiores.
Nos últimos dias, porém, a crise internacional teve uma nova deterioração, com o corte de financiamento para "hedge funds". Esse novo agravamento fez com que o aperto de liquidez atingisse com mais força bancos médios. Como resposta a esse problema, que é novo, foi anunciada uma nova rodada de liberação de compulsórios.
A autoridade monetária identificou outro foco potencial de instabilidade em segmentos da indústria de fundos de investimentos. Alguns fundos estão enfrentando problemas para atender aos pedidos de saques de clientes. É um fato ainda localizado, mas com potencial de criar ainda mais desconfiança.
Esses fundos, explica a fonte do BC, compraram títulos pouco liquidos emitidos por empresas privadas e prometiam aos investidores a possibilidade de fazer saques diários das quotas. A crise dos últimos dias reduziu ainda mais a já restrita liquidez no mercado de títulos privados, deixando alguns fundos, dirigidos a grandes investidores, com dificuldades para atender aos pedidos de saques. Como a maior parte dos fundos de investimentos é atrelada a conglomerados bancários, o BC quis evitar que o fechamento de um fundo provocasse desconfiança em relação ao banco do conglomerado, potencializando a crise atual.
É por isso que, entre as medidas anunciadas ontem, está a permissão para que bancos saquem recursos dos compulsórios para comprar títulos da carteira de fundos de investimento.
Há algumas semanas, o BC já havia permitido que os bancos sacassem recursos dos compulsórios para comprar carteiras de crédito. Ontem, foram ampliados os limites dessa regra. Os bancos, antes, podiam usar até 40% de seus compulsórios sobre depósitos a prazo para comprar carteiras; agora, podem usar até 70%. O BC também permitiu que bancos de maior porte vendam suas carteiras. Inicialmente a regra estava restrita a bancos com patrimônio de referência de R$ 2,5 bilhões; agora, o limite é de R$ 7 bilhões. A liberação potencial de recursos da medida é de R$ 6 bilhões, que se somam aos R$ 23,5 bilhões anteriormente.
O BC ampliou ainda o tipo de ativo que pode ser comprado nessas operações. Inicialmente, a permissão era para carteiras de crédito. Agora, foram incluídos os títulos privados detidos por fundos, quotas de fundos de investimentos em direitos creditórios e operações de leasing. Também foi permitido que bancos comprem cotas de fundos de investimentos criados pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC). A idéia é que o FGC crie fundos de investimentos comprando créditos de bancos que estejam sem liquidez.
O BC incluiu nas medidas anunciadas ontem um incentivo a mais para os bancos que entrarem nos leilões de linhas de recursos externos. Duas semanas atrás, o BC anunciou que iria fazer operações de empréstimo em dólares, como forma de lidar a redução das linhas internacionais de empréstimos anos bancos. A novidade é que quem fizer esse tipo de operação irá ter liberação de compulsórios captações por meio de empresas de leasing. A medida poderá liberar até R$ 18,9 bilhões em compulsórios.
Ontem, O BC também definiu o custo das linhas de redesconto criadas recentemente por medida provisória. A idéia é que a compra e venda de carteiras de crédito entre agentes privados resolva o problema de liquidez. Mas, se os problemas não forem resolvidos pelo mercado, o BC poderá fazer empréstimos de redesconto garantidos por carteiras de crédito. Ficou definido ontem que, nessas operações, os juros cobrados serão equivalentes à taxa Selic mais 4% ao ano. Hoje, na linha tradicional de redesconto, é cobrada uma taxa de Selic mais 2% para operações a partir de 90 dias. Ficou estabelecido também que quem acessar o redesconto terá a liberação temporária de compulsórios, até que a operação se concretize.
Veículo: Valor Econômico