Escalada da inflação muda estratégia das empresas de consumo

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Setores de alimentos, bebidas e vestuário criam alternativas para enfrentar pressão das commodities

 

Tumultos por causa de pão em Moçambique. Controle de preços em discussão na China. Na Coreia do Sul, um corte nas tarifas de importação de repolho, para manter o kimchi, apimentado prato nacional, nas mesas das famílias. E nos países ricos, alertas de companhias de produtos de consumo de que o jantar, a cervejinha no fim de semana e as roupas vão custar, mais ou menos, de 5% a 8% mais no ano que vem.

 

A inflação dos alimentos e do vestuário está de volta com força. O preço do trigo aumentou quase dois terços nos últimos seis meses e o do algodão quase três quartos.

 

"A era dos preços das roupas sempre em queda acabou", disse recentemente Lord Wolfson, executivo-chefe da Next, o grupo varejista de moda do Reino Unido. "Não acho que veremos necessariamente os preços subirem para sempre, mas acredito que a era dos preços sempre em queda acabou."

 

Em outras palavras, uma geração que cresceu com deflação nos preços dos alimentos e do vestuário - cortesia em grande parte da ascensão da China, a potência manufatureira - agora terá que se acostumar a pagar mais pelas camisas que usa e pelo pão que consome. As opções: menos cereais no café da manhã e camisas de nylon indutoras de eletricidade estática, que arrepiam os cabelos, ou um golpe nas margens de lucro para os setores globais de alimentos e vestuário.

 

Os investidores também, como resultado da preparação para um novo cenário de lucratividade reduzida ou maior consolidação. Os bancos centrais dos países ocidentais poderão, enquanto isso, ter de lidar com o dilema que enfrenta o banco central da China: como a política monetária pode ser encurralada para controlar a inflação?

 

O momento não poderia ser pior para os consumidores, cuja renda está sendo corroída por medidas de austeridade e aumento de impostos. Conforme coloca Richard Hyman, consultor estratégico de varejo da consultoria Deloitte: a questão é se os consumidores irão "literal e metaforicamente vestir os aumentos de preços".

 

O vigor da mais recente alta nos custos dos insumos vem pegando alguns de surpresa. John Bason é diretor financeiro da Associated British Foods, que além de seus negócios com açúcar e gêneros alimentícios, também controla a Primark, a varejista de descontos europeia famosa por suas camisas de 2 libras e calças de 5 libras. Isso dá a Bason uma janela de 360º sobre a inflação dos insumos. "É um problema bem maior do que pensávamos no verão", diz ele.

 

Lidar com os maiores preços dos insumos, ao mesmo tempo em que se tenta proteger - ou mesmo ampliar - as margens de lucro sem assustar os consumidores é o enigma que o setor agora enfrenta.

 

Produtores de alimentos diversificados como a Nestlé, da Suíça, e a Unilever, do Reino Unido, gastam cerca de um terço de suas receitas com matérias-primas, incluindo embalagens. Isso significa que eles enfrentam custos cerca de 5% a 6% maiores, segundo estima Michael Steib, analista do Morgan Stanley. Isso está amplamente de acordo com as diretrizes para a inflação dos custos de 4% a 5% da General Mills, dos Estados Unidos.

 

O setor está dividido quanto à gravidade da ameaça. Para alguns, os custos voláteis das commodities são parte integrante de sua atividade: às vezes são favoráveis, às vezes desfavoráveis. De fato, alguns afirmam que os aumentos dos preços do trigo, que estão ganhando as manchetes dos jornais, tornam fácil prever um aumento de 5 a 10 centavos de libra ao preço do pão - o suficiente para o aumento dos custos, com alguns centavos a mais que vão diretamente para os lucros dos varejistas e fabricantes para cada pão que vendem.

 

Unilever trocou óleo por casca de limão na fabricação da maionese e conseguiu reduzir emissão de poluentes

 

Outros afirmam estar visando o longo prazo. "A inflação do momento no mercado de agrocommodities é uma consequência da produção menor e do aumento sem precedentes na demanda da Ásia", diz Pier Luigi Sigismondi, diretor da rede de fornecimento da Unilever. "Além disso, o mundo está perdendo terras cultiváveis a uma taxa de aproximadamente 2,6 quilômetros quadrados por ano. Isso é terra que está sendo usada na produção de biocombustíveis, enquanto as mudanças climáticas provocam erosão nas camadas superficiais do solo."

 

Steib, do Morgan Stanley, pensa a mesma coisa. "No longo prazo, as commodities agrícolas só tem um caminho a seguir, que é para cima", acredita ele. "Isso porque temos uma população em crescimento, consumidores mais preocupados com a saúde e menos terras cultiváveis. A indústria dos alimentos precisa enfrentar essa situação. As empresas terão que continuar melhorando suas bases de custo para lidar com preços estruturalmente mais altos dos insumos no longo prazo."

 

Há várias maneiras dos produtores lidarem com isso. Elas incluem o hedge (proteção) ou compras no mercado futuro, redução de custos, reformulação de produtos, substituição de commodities de preços mais baixos e repasse de aumentos de preços para os clientes. Mas, não importa o que façam, parte dos efeitos inevitavelmente será sentida pelos consumidores.

 

Sozinhas, as operações de hedge não são uma panaceia. "Sejam quais forem seus métodos de hedge, você não pode se opor às tendências do mercado para sempre", afirma Mark Hughes, que como diretor global de logística da Premier Foods supervisiona gastos anuais de 1,1 bilhão de libras (US$ 1,7 bilhão) com ingredientes e embalagens.

 

Conforme observa Trevor Stirling da Bernstein Research, muita coisa vai depender da geografia. Os preços da cevada, usada na fabricação de cervejas, vêm passando por "uma montanha-russa" na Europa nos últimos cinco anos - de € 300 a tonelada para menos de € 100 euros no primeiro semestre deste ano.

 

Mas o impacto vem variando muito. Na Europa ocidental, onde a maioria das fabricantes de cerveja está parcialmente coberta, pelo menos em 2011, os danos estão atenuados. Os Estados Unidos estão em situação ainda melhor. Lá, os contratos de dois a três anos significam que o custo médio da cevada caiu 20% em outubro, sobre o mesmo período do ano passado, apesar da disparada dos preços no mercado spot (à vista). Na Rússia, as carteiras de hedge são menores e problemas no mercado local vêm forçando as cervejarias a importar da Europa ocidental, conferindo ao produto final custos adicionais com transporte.

 

Juntamente com o hedge, companhias como SABMiller, Unilever e Premier Foods estão reforçando a logística. Recentemente, a SABMiller estabeleceu sistemas centralizados que lhe proporcionam mais poder na compra de matérias-primas como o vidro - anteriormente, as negociações eram feitas com o mesmo fornecedor de vidros, a Owen-Illinois, mas em âmbito regional. "Eles sabiam que somos grandes, mas nós realmente nunca usamos essa força", garante o executivo-chefe Graham Mackay. "Agora, temos como conseguir melhores preços junto a eles".

 

De modo parecido, a centralização das compras permite uma maior padronização, e assim aumentar os volumes adquiridos. A Premier, cujos produtos vão do pão Hovis ao feijão Branston, diz que no ano passado comprava 28 tipos de pimenta-do-reino no grupo todo; hoje, esse número foi reduzido para 5. A compra de produtos de fornecedores locais, por razões que incluem a sustentabilidade, também é importante: a mandioca, por exemplo, é usada na fabricação de algumas cervejas na África.

 

Além disso, as empresas estão se esforçando para tornar os processos mais flexíveis, para possibilitar a substituição de ingredientes; algumas chegam a transformar isso em vantagem de comercialização. Tome por exemplo a Unilever: a gigante anglo-holandesa é a maior compradora de óleos e gorduras vegetais do mundo e a alta dos preços dos óleos comestíveis a afetou durante o último repique dos preços em 2007-08. Ao descobrir que a casca de limão a permitiria reduzir o quociente óleo em sua maionese, mantendo ao mesmo tempo o sabor, a Unilever conseguiu reduzir suas contas de óleo, além de ganhar pontos pela redução de suas emissões de carbono e dar sua contribuição para a redução da obesidade.

 

Os varejistas de moda também estão retornando à mesa de projetos, trocando tecidos e mudando estilos. Alguns estão substituindo o algodão pelo nylon ou viscose, um subproduto da madeira normalmente usado em tecidos de malhas. Um varejista experiente afirma que enquanto uma camisa masculina podia ser feita 100% de algodão no ano passado, este ano ela pode ter 80% de algodão e 20% de poliéster.

 

Na ponta mais baixa do mercado, onde a maioria dos comerciantes vem tentando segurar os preços, essa mistura pode chegar perto de meio a meio. "Quanto mais você desce na cadeia de valor, mais tecidos sintéticos vai encontrar", afirma o profissional.

 

Mas a pressa para encontrar alternativas ao algodão está elevando os preços das fibras sintéticas, com a alta para o poliéster estimada em porcentuais de dois dígitos.

 

A geração que cresceu com deflação, agora terá que pagar mais pelas camisas que usa e pelo pão que consome

 

Outro executivo calejado do setor de varejo acredita que os comerciantes vão modificar produtos no ponto do preço de abertura - que o setor chama de a ponta mais barata do espectro. "Se o seu preço de abertura de 18 libras aumentasse para 20 libras, você introduziria o poliéster. Com os jeans, você sempre pode sempre embutir uma lavada a menos. Sempre existe maneiras de você reduzir seus preços". Mas esses ajustes para economizar dinheiro podem ser um jogo. "O risco em se fazer isso é o cliente perceber e assim você estará minando a credibilidade de sua marca".

 

Na outra ponta do espectro, os varejistas podem dar às suas roupas um jeito de peças de moda, o que significa que eles podem cobrar preços maiores por elas. Em uma camisa masculina, afirma o primeiro executivo, isso pode significar colocar do lado de dentro de uma bainha, um tecido diferente do empregado na lado de fora, para que isso vire um diferencial. Por outro lado, pode haver uma faixa mais estreita de tecido em torno da beirada do colarinho, para conferir um aspecto mais detalhado.

 

As roupas femininas podem ser revestidas com tecidos de melhor qualidade ou alinhavadas em uma cor contrastante. Vestidos ou tops podem ser enfeitados com contas ou lantejoulas. Pode haver mais dobras ou pregas, ou mais rendas e adornos. Todos esses detalhes significam que as consumidores poderão se dispor a pagar mais. "Se eu gasto 1 libra, posso colocar o preço de venda em 3 libras, mas a cliente está vendo muito mais", afirma o comerciante.

 

Há sempre varejistas - como a Primark, na ponta mais baixa da escala do vestuário -, que arcam corajosamente com a alta dos custos. Hoje em dia, isso também se aplica cada vez mais ao setor de alimentos. Tome por exemplo o peru, item tão indispensável aos americanos no Dia de Ação de Graças, quanto para os britânicos no Natal. Embora os preços dessa ave tenham aumentado 25% no ano, até agora, a maioria dos comerciantes a estão vendendo abaixo do custo, segundo afirma Meredith Adler, do Barclays Capital.

 

Mas no final das contas, pelo menos parte dos custos extras é repassada para o consumidor. Algumas empresas já fizeram isso, como a Kraft com o café. Três meses atrás, gigante americana dos alimentos respondeu aos preços mais altos do café com um aumento de 11% no custo para os comerciantes de sua marca Maxwell House; algumas lojas repassaram a alta para os consumidores.

 

As fabricantes de cerveja, juntamente com um grande número de companhias de roupas, estão fazendo o mesmo; os preços das roupas deverão aumentar quase dois dígitos no começo do ano que vem. Todos estão observando com nervosismo a reação dos consumidores, tentando garantir a preservação de suas margens mesmo ao custo da queda das receitas nas linhas mais sofisticadas.

 

Evidências iniciais sugerem que os fabricantes estão conseguindo repassar os preços, pelo menos por enquanto. "Saímos do tiroteio e rapidamente respondemos com a demarcação dos preços. Estamos entrando num cenário de consumo fraco, mas até agora estamos muito satisfeitos com a reação de nossos clientes, clientes diretos, parceiros no varejo - e a resposta do consumidor também tem sido boa", disse a investidores no mês passado Tim McLevish, diretor financeiro da Kraft.

 

Mas para a maioria, a questão ainda está em aberto. "O consumidor", afirma Bason: "esta é a questão de US$ 64 milhões. Os consumidores estão muito resistentes hoje, mas se tivermos uma dieta constante de notícias ruins, talvez comecemos a ver uma mudança real no comportamento dos consumidores. Esta é a corda bamba em que os produtores de alimentos e varejistas estão andando". (Tradução de Mario Zamarian)

 

Veículo: Valor Econômico


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