A indústria brasileira enfrentou queda da produtividade e aumento do custo do trabalho nos últimos meses do ano passado, apesar dos resultados positivos registrados no acumulado de 2010. O quadro do fim do ano indica um avanço dos salários acima dos ganhos de eficiência das empresas no momento em que o setor industrial sofre forte concorrência dos importados e elevação expressiva das cotações de insumos. A competição do importado tende a limitar repasses de alta de custos para os preços, mas há quem acredite que os gastos mais altos com a folha de pagamento podem incentivar reajustes.
No quarto trimestre, a produtividade recuou 0,46% em relação ao mesmo período de 2009, decorrente de um crescimento da produção industrial de 3,3%, inferior ao aumento do número de horas pagas aos trabalhadores, de 3,8%. Como resultado, o custo do trabalho subiu 4,43% no quarto trimestre, refletindo a combinação de uma alta de 3,95% dos gastos com a folha de salários por trabalhador, já descontada a inflação, e da queda da produtividade.
O quadro ruim do quarto trimestre contrasta com o bom desempenho do ano fechado, quando a produtividade registrou aumento de 6,1% e o custo do trabalho recuou 2,65% em termos reais.
A forte alta da produção industrial no ano passado, de 10,5%, explica o salto da produtividade no acumulado do ano. Um ponto importante, contudo, é que o aumento da produção se deu em cima de uma base de comparação fraca, já que a indústria recuara 7,4% em 2009, como lembra o economista-chefe do Instituto para Estudos de Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rogério César de Souza. De qualquer modo, em comparação com a alta de 4,1% das horas pagas aos trabalhadores, a produtividade cresceu 6,1%.
Ao longo do ano, porém, a indústria perdeu força. No primeiro trimestre, por exemplo, a produção cresceu 18,2% sobre igual período de 2009, taxa que se reduziu para 3,3% nos últimos três meses do ano. Como a folha de salários por trabalhador teve aumentos reais (descontada a inflação) consideráveis na segunda metade do ano - 4,7% no terceiro e 3,95% no quarto trimestres -, acima da variação da produtividade, o custo do trabalho subiu ao longo do ano.
Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, esse quadro é sinal de uma economia aquecida em processo de aceleração inflacionária. "Tudo o que a indústria ajudou durante certo tempo, com aumento da produção e crescimento moderado de emprego, agora começa a ser revertido", afirma ele, observando que o custo do trabalho também incorpora uma dificuldade de se encontrar trabalhadores qualificados, o que engorda a folha de pagamento. "Com a indústria de lado e os custos aumentando, é inevitável considerar que as empresas vão repassar alguma coisa para o preço do produto final".
Em janeiro, os preços de bens duráveis (como automóveis e eletroeletrônicos) subiram 0,3% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), depois de meses de deflação. Para Vale, essa alta pode ser em alguma medida reflexo das pressões salariais recentes. "A indústria ajudou a inflação por um bom tempo, por conta de um forte incremento da produtividade e uma competitividade acirrada com o produto importado. Agora, o câmbio está relativamente estável, o produto importado está com alguma alta de preços aqui dentro, e a indústria começa a sofrer pressão de custos de todos os lados", afirma ele. Nesse cenário, seria natural tentar reajustar preços.
Souza, por sua vez, vê pouco espaço para esses repasses, já que a concorrência externa é muito pesada, num cenário de câmbio valorizado. A primeira reação tende a ser o estreitamento de margens, para tentar preservar mercado, com a busca de outros ganhos de eficiência.
O economista Edgard Pereira, sócio da Edgard Pereira & Associados (Edap), vê um momento delicado para a indústria. As negociações salariais de 2010, ocorridas num ambiente de economia aquecida, deixaram uma folha de pagamentos mais pesada num momento em que a economia deve crescer menos, os insumos estão em alta (pelo aumento dos preços de commodities) e a concorrência dos importados vai seguir incômoda.
Ele espera um crescimento de 2,7% da produção industrial em 2011, e um avanço das horas pagas a um ritmo menor que esse. Com isso, a produtividade ainda cresceria, mas a um ritmo mais lento que os 6,1% de 2010. Pereira observa que, no ano passado, os ganhos de eficiência foram obtidos de modo "virtuoso", com aumento simultâneo da produção e do emprego na maior parte dos setores - dos 17 setores acompanhados pelo IBGE, apenas quatro tiveram queda do número de horas pagas em 2010. Neste ano, o quadro para o emprego pode ser menos benigno. O nível de emprego na indústria, por exemplo, já mostrou fôlego mais fraco nos últimos meses do ano passado.
Veículo: Valor Econômico