A inflação pressionada está longe de ser exclusividade brasileira. Levantamento do departamento de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco mostra que, num quadro de 45 países, 80% deles têm hoje índices de preços acima do centro das metas de inflação no acumulado em 12 meses, considerando tanto os que adotam alvos explícitos (como o Brasil) quanto implícitos (como os EUA).
A aceleração dos preços ao consumidor ganhou força a partir do segundo semestre de 2010. Um indicador do banco que leva em conta a inflação em 56 países subiu de 1,2% em julho de 2010 para 5,1% em janeiro deste ano, quando se anualiza a média dos últimos três meses. Nos países emergentes, a alta foi mais acentuada, subindo de 2,9% para 7,5%, na mesma base de comparação (ver gráfico).
Grande parte desse aumento se deve à pressão sobre os produtos primários. O índice de commodities agrícolas do Bradesco subiu 49,5% nos 12 meses até janeiro. Há, porém, outras pressões em curso, especialmente nos países emergentes, onde a economia está mais aquecida. Nesse cenário, podem aumentar as pressões sobre os serviços, ao mesmo tempo em que se eleva o grau de contágio das commodities para os outros preços da economia, aponta o estudo, assinado pelos economistas Thomas Schreurs Pires e Fabiana D'Atri.
O quadro de inflação pressionada, porém, não tem se traduzido em elevações fortes dos juros, ressalta o diretor de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, Octavio de Barros. A percepção de que parte da alta da inflação se deve a choques sobre alimentos é um dos fatores que ajudam a explicar a cautela dos bancos centrais, diz ele, apontando outro bastante importante: o receio de que a elevação dos juros atraia mais capitais, valorizando ainda mais as moedas em relação ao dólar, num cenário de ampla liquidez global.
No Brasil, a inflação nos 12 meses até janeiro ficou em 6%, 1,5 ponto percentual acima do centro da meta perseguido pelo Banco Central, de 4,5%. O desvio é maior na Venezuela, de 6,9 pontos acima dos já elevados 22% usados como referência pelo governo, segundo o Bradesco. Na Índia, a diferença é de 4 pontos sobre o alvo de 4,25%. Há desvios fortes também em países desenvolvidos, atingindo 2 pontos no Reino Unido, onde a inflação em 12 meses está em 4%.
O Brasil está no grupo dos países que têm sido prudentes na condução da política monetária, diz Barros. Segundo ele, os casos mais claros são da Turquia e Coreia do Sul - na primeira, o banco central chegou a reduzir os juros para evitar o excesso de capitais. Barros cita também Chile, Colômbia e Peru, observando que os dois primeiros "claramente" têm alegado riscos de apreciação cambial. "Na verdade, todos os países do mundo estão cautelosos em relação a juros neste momento, à espera de que os demais façam o aperto na frente."
A inflação de serviços num ritmo forte também explica as pressões sobre inflação em diversos países, afirma ele. "Os casos que mais chamam a atenção são Coreia, Filipinas, Arábia Saudita e África do Sul, em que a inflação de serviços tem sido sistematicamente mais elevada que a inflação cheia." Para ele, em todos os países que melhoras sociais fortes e abruptas, esse grupo de preços ficou bastante pressionado. "Serviços mais caros expressam em grande medida melhora de renda. A Espanha, no início do euro, teve por cinco anos seguidos inflação de serviços correndo a 5% a 6% ao ano." No caso brasileiro, ele atribui a alta desses preços principalmente a mudança estruturais no mercado de trabalho, mais do que a uma atividade aquecida demais. "A economia brasileira está muito longe de estar sobreaquecida."
O professor Carlos Eduardo Gonçalves, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, atribui a inflação pressionada nos emergentes à combinação de commodities em alta num quadro de pouca ociosidade de recursos. Para ele, a resistência dos BCs em elevar muito os juros se deve em parte ao temor de uma apreciação exagerada do câmbio, assim como ao receio de frear muito bruscamente a economia, preocupações que lhe parecem pertinentes.
Nos países desenvolvidos, os juros não sobem porque a atividade ainda está patinando, afirma Gonçalves. Além disso, lembra ele, uma inflação um pouco mais alta pode ajudar a melhorar a situação fiscal dos governos, ao reduzir um pouco as elevadas dívidas como proporção do PIB - índices de preços mais elevados engordam o PIB em termos nominais. Enfrentar a questão fiscal com aumentos de impostos e cortes de gastos no momento seria complicado, podendo afetar a recuperação, diz ele.
O analista-sênior para a América Latina da Economist Intelligence Unit (EIU), Roberto Wood, diz que a aceleração inflacionária nos emergentes tem como principal motivo a alta de alimentos, mas diz que as pressões já estavam se intensificando porque, em países como Brasil e China, as autoridades esperaram demais para tirar o pé do acelerador e reverter os estímulos para combater os efeitos da crise global. Ele também aponta o medo de valorização do câmbio como uma razão para a cautela na política monetária, o que explica o uso de medidas alternativas, como as de controle do crédito no Brasil.
Veículo: Valor Econômico