Governo vai endurecer regras para entrada dos bens importados

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Comércio exterior: Produtos deverão ter os mesmos certificados de qualidade dos nacionais, diz ministro

 

O governo pretende endurecer as regras de controle de entrada de produtos importados no país, exigindo, para o desembaraço nas alfândegas, os mesmos certificados de segurança e especificações técnicas hoje cobrados apenas nos produtos encontrados no varejo.

 

A informação foi dada pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, em entrevista ao Valor, pouco antes de partir para uma viagem a China, onde terá, nesta semana reuniões com autoridades daquele país. Com os chineses, ele quer discutir um acordo para tornar a Embraer fornecedora de jatos executivos ao país, visto como um dos mercados em expansão para esse tipo de avião.

 

"Não temos de ter uma estratégia de enfrentamento, mas de convivência com a China", argumenta o ministro, que pretende propor aos chineses acordos para maior participação em obras de infraestrutura no Brasil, em troca de facilidades para venda de produtos de consumo brasileiros no mercado chinês. A compra de jatos executivos pela China, diz, "compensaria" a frustração, por falta de encomendas das empresas locais, do projeto da Embraer de manter uma fábrica de aviões comerciais no país.

 

Pimentel confirmou que o governo mantém o plano de reduzir gradativamente os tributos cobrados sobre as folhas de pagamento e deve baixar medidas, possivelmente em abril, para antecipar a devolução de impostos cobrados indevidamente dos exportadores. As medidas de proteção contra importados devem sair também em abril, com a nova a Política de Desenvolvimento Produtivo, que trará novidades em matéria de inovação e patentes. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

Valor: Os chineses se incomodaram com suas declarações, e de outros membros de governo, defendendo medidas contra invasão de produtos da China. O que o governo pretende fazer contra a competição chinesa e o yuan subvalorizado?
Fernando Pimentel: Não vamos tomar medidas contra a China, especificamente. Estamos estudando o que pode ser feito para criar equidade, igualdade, na competição entre produtos brasileiros e importados, que hoje não há. O câmbio já desequilibra muito, mas é um dado que está fora da política comercial, da política industrial, uma variável como a política monetária.

 

Valor: O que o sr. chama de equidade?
Pimentel: Que as exigências para comercialização de produtos brasileiros cheguem a produtos importados. Hoje, não há as mesmas regras sanitárias, de segurança, de metrificação ou de embalagem.

 

Valor: A venda de produtos importados não está sujeita às mesmas regras cobradas do bem fabricado no país?
Pimentel Bem menos que os nacionais. Estamos examinando. A ideia é garantir que haja equilíbrio entre o produto brasileiro e o importado. À primeira vista, parece que não, que se cobra e se exige mais do fabricado no país.

 

Valor: Pode dar um exemplo?
Pimentel: Dá, mas não estou querendo falar muito para não gerar expectativa. Depois aplicamos uma medida e vão dizer que era premeditada, que é pretexto. Tem muita coisa a se fazer. Em segurança, por exemplo, que é normatizada e fiscalizada pelo Inmetro, o controle é feito na ponta do consumo, depois de internalizada a mercadoria, na loja. Um brinquedo, por exemplo, é testado depois de já estar na loja.

 

Valor: O Inmetro passará a exigir certificado de testes e qualidade?
Pimentel: Na hora do pedido de licença de importação, por que não? Estamos estudando. Mas não é nada contra a China, é uma medida a favor do Brasil, para proteção da indústria, para que tenha condições de competir em condições de igualdade. A China é um grande parceiro comercial nosso, temos de tratá-la com o maior respeito. Agora, o mundo é competitivo, temos de dar condições à nossa indústria de competir.

 

Valor: O sr. teve uma conversa com o embaixador chinês no Brasil. O que disse a ele?
Pimentel: Falei o que queremos, uma conversa mais geral, e ele, claro, concordou que o Brasil e a China são hoje grandes parceiros, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Dada a importância estratégica da China para nós, e de nós para eles, como grandes fornecedores de matérias-primas, insumos básicos para a economia chinesa, é tempo de começarmos a pensar em ultrapassar essa fase em que somos parceiros meramente comerciais. Nossa relação está limitada à compra e venda de mercadorias. Temos de começar a construir relações estratégicas, de mais longo prazo. Dentro disso, começaríamos a superar esses pequenos contenciosos, que sempre vão existir. O que nosso caminho aponta é que podemos construir um caminho de economias mais complementares, uma parceria mais estratégica.
"Não temos de ter uma estratégia de enfrentamento, mas de convivência com a China. Tenho falado isso. "

 

Valor: Como seria essa parceria?
Pimentel: A China vem usando essa complementaridade para exportar manufaturados ao Brasil e comprar commodities. A China não precisa exportar tudo que bem entende de produto manufaturado ao Brasil. Podemos estabelecer algumas linhas, alguns canais, negociar com eles.

 

Valor: Por exemplo...
Pimentel: Está cedo para dar exemplos, teremos tempo para construir isso, saber se a China se interessa por uma construção de longo prazo. A construção desses acordos pode ser vantajosa para a China. Penso que é o que os Estados Unidos também estão tentando com os chineses. Não temos de ter uma estratégia de enfrentamento, mas de convivência com a China, tenho falado isso com os industriais brasileiros, que se queixam muito. O comércio é livre, vamos conviver com os chineses. Se querem proibir importação da China, não vai ter. Agora, criar condições de competição igual, isso acho justo.

 

Valor: Como assim?
Pimentel: Se o empresário me mostra que, para vender seu produto, está submetido a dois testes do Inmetro, um do Ministério da Saúde, outro do Ministério da Ciência e Tecnologia, e o importado chega e entra sem ser testado, então está desequilibrado e vamos fazer alguma coisa.

 

Valor: O governo pensa em apertar a aplicação dessas medidas de normas técnicas para os produtos importados?
Pimentel: Para igualar com os brasileiros, é isso. Exigir a mesma qualidade.

 

Valor: Alguns empresários, como os fabricantes de óculos, se queixam de que produtos chineses alvo de medidas antidumping estão entrando no país de maneira fraudulenta, como peças para montagem e artifícios semelhantes.
Pimentel: Essa é uma questão séria, que a Secretaria de Comércio Exterior está estudando com muita atenção, porque é uma prática desleal. Não queremos também fazer nada fora da regra da Organização Mundial do Comércio. O que a regra pedir nós vamos fazer. No caso de calçados, está aparecendo também a triangulação. Fizemos a sobretaxa ao calçado chinês e está aparecendo venda desses produtos via Malásia, Indonésia. Vamos tomar medidas contra isso. Não é nada contra a China, mas essas ações podem atingir alguns maus chineses, o sujeito que não coopera com a relação sadia entre os dois países. Não creio que o governo chinês vá defender um exportador de origem chinesa que esteja burlando as regras do comércio internacional, assim como não defenderemos um falsário brasileiro preso no exterior.

 

Valor: O sr. já definiu alguma proposta que pretenda levar aos chineses como parte da agenda positiva dos dois países?
Pimentel: Temos de ouvi-los, ver como estão pensando essa relação também. Isso não foi feito até agora, propor algo mais estratégico, de longo prazo. Há desafios enormes na China, nós temos os nossos aqui. Eles têm de absorver quatro ou cinco Brasis inteiros no mercado de consumo e nós precisamos construir uma China de infraestrutura. Quem sabe uma coisa não complementa a outra?

 

Valor: As construtoras brasileiras não têm muito interesse em dividir o mercado com estrangeiros...
Pimentel: Em alguma coisa pode ser que os chineses tenham experiências para nos ajudar. Desde que sigam nossas regras.

 

Valor: Como evitar casos como o da Embraer, que negociou associação com os chineses e não foi bem-sucedida?
Pimentel: Vamos falar claramente com eles sobre Embraer, sim. Foi um compromisso assumido lá, que não obteve resultado. A Embraer fez um investimento grande, não dá resultado, a fábrica da companhia aparentemente vai fechar. Vamos dizer para eles, que, na visita da presidente Dilma, até como gesto de boa vontade, eles poderiam anunciar algo em relação à empresa. Há uma compra grande de jatos executivos, que só depende de uma autorização. A China parece ter feito a escolha de entrar no mercado de jatos médios, mas não deve entrar no mercado de jatos executivos, nós podemos ser grandes fornecedores deles. Uma coisa acaba compensando a outra. Está aí um belo exemplo do que chamo de projeto de longo prazo.

 

Valor: Pode explicar melhor?
Pimentel: Não mexer com eles na questão dos jatos de tamanho médio e eles se tornarem clientes nossos nos jatos executivos não pode ser uma boa saída? Temos de sair do varejinho, que sempre terá contencioso aqui ou ali, para a grande estratégia, no atacado. Vamos ver se é possível fazer isso. Ou se eles preferem continuar tratando a gente como cliente de balcão. Para um país do tamanho do Brasil, não é bom negócio, devemos ser o cliente que chega e o dono da loja chama para subir para a sala dele, para conversar lá em cima.

 

Valor: Quando o sr. pretende anunciar as decisões sobre medidas para exigir dos importados normas e regras aplicadas a produtos fabricados no país?
Pimentel: Acho que pode sair mais ou menos junto com a Política de Desenvolvimento Produtivo, em abril mesmo. Essa coisa tem de ser feita com muito apuro técnico para não levantarmos lebres que não se materializam. A defesa comercial é uma forma de garantir equidade. No caso da PDP, a competitividade tem tantas variáveis, como a busca de inovação. Tem um plano de fundo geral que é o anátema do custo Brasil, tem a ver com tributação, com burocratização, excesso de regras.

 

Valor: Com o câmbio...
Pimentel: Hoje em dia, com o câmbio. O governo tem tentado fazer sua parte, ainda que com restrições. Agora, por exemplo, o juro vai subir. Nada atrapalha mais o custo Brasil que subir a taxa Selic, mas vai subir, fazer o quê? A inflação está subindo, tem de ter remédio. O pano de fundo está aí, mas o personagem principal para dar competitividade é a inovação. Essa discussão tem de ser feita diretamente com o setor produtivo. A inovação sai de um encontro fecundo entre pesquisa de laboratório e desejo do mercado.

 

Valor: Os empresários se queixam de que as linhas de apoio à inovação não apoiam inovações fundamentais, como as melhorias de processo industrial, por exemplo.
Pimentel: Tem de ter. A discussão da segunda etapa da PDP tenta justamente chegar nisso. A primeira etapa foi mais genérica. Não quero avançar muito, porque há aí uma zona de sombra com outros ministérios, entidades empresariais. A grande novidade seria dar apoio àquela inovação aplicada, que gera resultado quase imediato, pode ser aí a grande novidade da segunda etapa da PDP. Mas estamos agora avaliando o potencial de financiamento do BNDES. Ainda não temos o volume definido.

 

Valor: E o que o governo pensa em fazer para desonerar, reduzir os impostos, do setor produtivo?
Pimentel: Não é segredo, a presidente quer, o líder do governo no Congresso, Romero Jucá, já começou a trabalhar com nossos articuladores no Parlamento... Ela continua trabalhando muito forte com a ideia de desonerar a folha de pagamentos. Gradativamente, não dá para chegar de uma vez só.

 

Valor: Mas pode ser possível reduzir em dez pontos percentuais os encargos sobre a folha?
Pimentel: Não vi o número fechado, a ideia é ter uma coisa significativa nesses quatro anos. Dez por cento significaria a metade do que hoje pesa sobre a folha. Não sei se vamos conseguir. Com a economia crescendo, e vai crescer em torno de 4,5%, é viável, não reduzir à metade, mas uma queda significativa. Não sabemos o total ainda. É uma área que envolve muitos interessados.

 

Valor: E o que está sendo planejado em redução de tributos sobre investimento?
Pimentel: Já tem um bocado. No ministério, o que podemos trabalhar, e estamos fazendo, é tornar efetiva a ideia de que não se tributa exportação. Hoje não é efetiva. Estamos buscando um mecanismo factível, está começando a ser discutido, há uma boa vontade grande da área econômica toda em examinar a questão, pelo menos reduzir o prazo para usar o crédito [no abatimento de impostos].
"Ela [a presidente Dilma] continua trabalhando muito forte com a ideia de desonerar a folha de pagamentos"

 

Valor: Reduzir em quanto?
Pimentel: Tem várias ideias, temos de estudar alternativas de usar o crédito em pagamentos ao Tesouro.

 

Valor: Quando sai o conjunto de medidas tributárias para aliviar a produção?
Pimentel: Não quero falar, porque essa discussão, diferentemente da PDP, tocada no âmbito dos ministérios, está diretamente coordenada pela presidente. Deu um intervalinho para discutir salário mínimo, agora vai voltar. Ela faz isso, chama os ministérios, cobra estudos. Ela quer que, em meados deste semestre, pode ser abril, se tenha um conjunto já pronto. Mas isso tem de ser visto à luz dos trâmites legislativos, não podemos dar prazo.

 

Valor: E o câmbio do real em relação ao dólar, não ameaça a sobrevivência das indústrias, como dizem os empresários?
Pimentel: Aí tem de perguntar ao [ministro da Fazenda] Guido Mantega.

 

Valor: O governo pensa em aplicar algum imposto de exportação sobre commodities, como há em outros países, mas que é algo considerado pelo mercado um retrocesso?
Pimentel: Não vi essa discussão no governo, ainda. O que não significa que não possa surgir. O mercado acha que qualquer imposto é retrocesso. É cedo para falar disso, não temos ainda uma projeção do que vai acontecer, embora o preço das commodities possa subir muito. Há essa crise no Oriente Médio, não sabemos a repercussão nos preços internacionais. Em princípio não me agrada imposto sobre exportação. Pode ter outras medidas para conter a entrada de dólar no país.

 

Valor: Quais os planos de sua pasta para a vinda do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Brasil?
Pimentel: Acho que a linha com eles é de cooperação, como podemos trabalhar juntos para equilibrar a balança e fazer investimentos conjuntos. Temos essa ideia forte de o Eximbank deles trabalhar com o nosso BNDES, e com o futuro Eximbank, em projetos conjuntos.

 

Valor: Na África?
Pimentel: Em qualquer país, fora do Brasil e dos EUA, até na China, quem sabe. Ainda não estão definidos valores. Eles estão muito interessados nisso, deve ser assinado um acordo. E teremos cooperação na área tecnológica. Estamos tentando também fazer um acordo na área de patentes, o menos polêmico possível e o mais efetivo.

 

Valor: Como é o acordo?
Pimentel: Está desenhado. É o reconhecimento mútuo de uma parte do processo. Os pedidos de patente de um produto fazem os escritórios de patente investigar uma enorme quantidade de detalhes. O Inpi brasileiro e o escritório de patentes americano vão trocar informações sobre o que foi negado nos pedidos, no Brasil ou nos Estados Unidos, e um escritório poderá usar a investigação já feita pelo outro, negar automaticamente aqui o que já foi negado lá. Os EUA também farão isso. Isso elimina quase 50% da fila de patentes que existe hoje, agilizará o processo. Trabalhamos para fechar até a visita. Eles têm esse acordo com o Japão e outros países.

 


Veículo: Valor Econômico


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