Os desafios das empresas que crescem demais

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Depois de um ano com forte expansão na economia, companhias se preparam para enfrentar gargalos de mão de obra e infraestrutura e continuar crescendo em 2011

 

Poucas empresas têm refletido tão claramente o desempenho da economia brasileira como o Grupo Pão de Açúcar, maior rede varejista da América Latina. Com mais de 60 anos de trajetória, a companhia floresceu no Brasil velho do mercado fechado para a competição estrangeira. Nos anos 90, quase quebrou em uma crise de liquidez detonada pelo Plano Collor. Agora, a varejista que já experimentou o pior do Brasil é a que mais se aproveita da fase de bonança. No ano passado - quando o PIB cresceu 7,5%, um recorde em 24 anos -, o Pão de Açúcar aumentou suas vendas em quase 40% e tornou-se, segundo os cálculos da própria empresa, o maior empregador do País.

 

Em 2011, a taxa de expansão da economia brasileira deve desacelerar, mas se manter em um patamar alto, ao redor de 4%. E há um indicador ainda mais favorável. "Esperamos que a renda dos brasileiros cresça acima do PIB até meados de 2015, como vem acontecendo nos últimos sete anos", diz Adriano Pitoli, analista da consultoria Tendências. Diante desse cenário, a intenção do Pão de Açúcar é contratar o número recorde de 15 mil funcionários. "Estamos em vários segmentos de negócios no varejo para capturar os efeitos positivos da distribuição de renda e ascensão da classe média", diz Enéas Pestana, presidente do grupo. Segundo previsão da corretora Link Investimentos, o Pão de Açúcar deve crescer uma média de 17% ao ano até 2014.

 

Para que essa taxa seja atingida, porém, a companhia terá de enfrentar o enorme desafio de preencher o número de vagas em aberto - a maioria de nível operacional, em que a qualificação exigida é baixa. "O apagão de mão de obra não é folclore", diz Sylvia Leão, diretora de RH do grupo. "Hoje, é um pesadelo encontrar padeiros, açougueiros e peixeiros no País." Como praticamente não há profissionais no mercado com experiência, a varejista forma quase todos os seus funcionários por meio de uma parceria com o Senac e treinamentos em cerca de 79 lojas-escola espalhadas pelo País. Um exemplo do esforço recente para encontrar candidatos é o programa "indique um amigo": os empregados que trouxerem um conhecido para trabalhar no Pão de Açúcar ganham cestas com produtos da rede.

 

Do padeiro ao PHD. A situação enfrentada pela rede de supermercados é comum a uma série de outras companhias. A GE, empresa que tem de serviços financeiros a fábricas de turbinas para aviões, anunciou no fim do ano passado que investirá US$ 550 milhões em um centro de pesquisas no Rio de Janeiro. Entre os mais de 100 países onde a multinacional opera, o Brasil está no grupo de quatro que mais receberão investimentos da matriz americana nos próximos dois anos. "A GE Brasil vive sua melhor fase em 91 anos no País", diz Alexandre Alfredo, diretor de relações institucionais.

 

O novo centro deverá trabalhar no desenvolvimento de produtos nas áreas de energia renovável, extração de petróleo, tratamento de água e gerenciamento de malhas ferroviárias. "Queremos atuar com empresas e governo para eliminar os gargalos de infraestrutura do País. O Brasil pode crescer a taxas chinesas", explica Alfredo.

 

Para operar, porém, o centro precisará de 200 PHDs. A busca por cientistas começará ainda neste mês com um ciclo de palestras, que passará por 17 das principais universidades brasileiras, para atrair doutorandos antes mesmo que eles terminem os estudos. Instituições como USP, Unicamp, UFMG e UFRJ estão no cronograma de visitas. Em outra frente, o RH da empresa está selecionando profissionais que trabalham em órgãos públicos e universidades. Outra alternativa já analisada é trazer especialistas brasileiros que, por falta de oportunidade, acabaram migrando para o exterior.

 

Caos. Ter de treinar a própria mão de obra e trazer gente da concorrência é apenas parte da história. Para empresas em fase de crescimento acelerado, o desafio não é só atrair gente, mas organizar o caos. O grupo imobiliário LPS, dono das marcas Lopes e Pronto!, aproveitou como poucos o boom do setor (só na cidade de São Paulo, a venda de imóveis movimentou R$ 14,2 bilhões no ano passado). Em pouco mais de dois anos, o grupo fez 14 aquisições - metade delas nos últimos seis meses de 2010. E, segundo o Estado apurou, outras vinte estão em análise.

 

O clima na sede da empresa é o reflexo da estratégia de expansão. As recepcionistas já não dão conta de atender o telefone e de controlar o entra e sai de corretores. Atrás da recepção, fica uma sala onde corretores com crachá no pescoço trabalham apertados, cotovelo com cotovelo. Em dezembro, tudo foi reformado na tentativa de acomodar mais gente no mesmo espaço.

 

A LPS foi obrigada a desenvolver um mecanismo de aquisições em série para manter esse ritmo. "Virou um processo", diz Marcello Leone, vice-presidente financeiro do grupo. Com uma equipe destacada apenas para cuidar das compras, a empresa consegue fechar negócio num prazo de três a seis meses, entre a primeira conversa e a assinatura do contrato.

 

O problema é criar um sistema depois que as empresas foram compradas. O responsável pela integração é o gerente comercial e de expansão, Igor Freire. É ele quem mergulha no dia a dia da imobiliária que acabou de entrar no portfólio: acompanha a atividade do departamento financeiro e fica no pé do antigo dono, que passa a ser sócio com uma participação minoritária. "É um processo lento, porque não posso chegar ditando regras", diz. Freire já não está dando conta de cuidar da integração pessoalmente. O gerente teve de montar uma equipe e agora está atrás de profissionais que possam dividir a tarefa com ele.

 

Infraestrutura. Por fim, o desafio da infraestrutura - ou, mais precisamente, a falta dela - está na lista de preocupações das empresas interessadas em crescer no mesmo ritmo da demanda dos consumidores. Em 2009, a fabricante de cosméticos Natura deu início a um plano de investimentos que, espera-se, deve dar conta das ambições globais do grupo. Por meio de parcerias, a empresa passou a fabricar na Argentina, Colômbia e México. No Brasil, já inaugurou dois novos centros de distribuição e praticamente dobrou a capacidade de outro. Até o fim do ano, mais dois centros entram em operação. Ao mesmo tempo, o sistema de TI passa por aprimoramento para permitir a expansão.

 

Esse tipo de investimento é crucial para o negócio de venda porta a porta. A cada 21 dias, a Natura entrega 950 mil caixas de produtos para mais de um milhão de consultoras. Um erro na sincronia dessa cadeia pode ter efeitos catastróficos. Na segunda metade do ano passado, a gigante americana Avon viu seu ritmo de crescimento cair abruptamente no Brasil por causa de problemas na logística de entrega de seus cosméticos. "O crescimento da Avon Brasil entre 2007 e 2010 ultrapassou nossas expectativas e nossos planos de infraestrutura", disse Andrea Jung, a presidente mundial, em teleconferência com analistas no mês passado. Diante das atuais taxas de expansão da economia brasileira, problemas como esse tornaram-se uma possibilidade cada vez mais real.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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