Impacto de Fukushima sobre economia pode ser maior que o previsto

Leia em 6min 20s

O poder de recuperação do ser humano é notável. Os japoneses, que já reconstruíram algumas estradas que foram desmanteladas pelo terremoto de 11 de março, são apenas os últimos a comprovar essa tese.

 

"O que muitas vezes despertou admiração [é] a grande rapidez com a qual os países se recuperam de um estado de devastação", escreveu o filósofo e economista inglês John Stuart Mill no século XIX. No espírito de Mill, os técnicos em previsões estão atualmente antecipando que a economia japonesa vai sofrer apenas um, ou dois no máximo, trimestres de queda da produção, seguidos por um surto de crescimento quando a reconstrução entrar em marcha acelerada. O resto do mundo, dizem eles, praticamente não sentirão nenhum tremor.

 

"Não estamos mudando nossa previsão de crescimento para os EUA", diz Augustine Faucher, diretor de macroeconomia da consultoria Moody's Analytics.

 

A história está do lado dos otimistas. O Sul da Califórnia se recuperou rapidamente depois do terremoto de Northridge de 1994, o que também ocorreu com a China depois do abalo de Sichuan em 2008 e com o próprio Japão depois do tremor de Kobe de 1995.

 

Mesmo assim, há duas assustadoras diferenças entre esta catástrofe natural e as anteriores. Uma é o vazamento de radiação atômica, que, ao pôr em risco a saúde das equipes de salvamento e dos cidadãos comuns, tende a aprofundar o desaquecimento e desacelerar a recuperação. A outra é a vulnerabilidade da indústria de transformação mundial à interrupção do fornecimento por parte das fábricas japonesas, entre as quais as localizadas em regiões distantes da devastação, que, apesar disso, são afetadas por cortes escalonados de energia e tremores secundários.

 

O fato é que ninguém sabe ainda o tamanho do problema ligado à radiação e à quebra da cadeia de suprimento. Essa incerteza é, por si só, motivo de preocupação.

 

"São os fatores desconhecidos do desconhecido que estamos enfrentando", diz Michael Robinet, diretor de previsões de produção mundial da IHS Automotive (IHS). Stephen S. Roach, presidente do conselho de administração do Morgan Stanley, e atual professor da Universidade Yale, está mais preocupado do que a maioria de seus colegas economistas. "Há uma predisposição de ignorar tudo até ser tarde demais", diz ele.

 

As economias avançadas continuam fracas, após a crise financeira. Os preços do petróleo dispararam devido aos levantes no Oriente Médio e no norte da África. As crises dos títulos soberanos europeus não acabarão. "Nenhum desses fatores, isoladamente, poderia ser considerado uma fase de crise", diz Roach, "mas eu me preocupo com a conjugação entre eles. Simplesmente considero importante ser cauteloso em meio a esse clima."

 

O caminho da prudência visa preparar para um resultado pior que previsto. Para o mundo empresarial, isso significa pôr pessoas e dinheiro para trabalhar em planos contingenciais que, no melhor dos casos, se mostrarão desnecessários. As montadoras já estão fazendo isso em certo grau - analisando se peças que estão faltando poderão ser encomendadas ou projetadas em outro lugar.

 

Para os governos fora do Japão, o planejamento conforme o cenário significa preparar intervenções emergenciais no âmbito fiscal e monetário para o caso de a catástrofe se recusar a ficar restrita ao território japonês.

 

Quando Stuart Mill se maravilhou com o "desaparecimento, num curto período, de todos os vestígios dos danos causados por terremotos, enchentes, furacões e pelos estragos da guerra", ele não pensava em millisieverts. Atualmente essa medida da dose de radiação é presença constante no Google News. O Institut de Radioprotection et de Sûreté Nucléaire da França estimou a 22 de março que a usina nuclear de energia elétrica da Fukushima Dai-Ichi já tinha liberado 90 quatrilhões de becquerels de iodo-131 radioativo. Se confirmado, esse volume é maior que 100.000 vezes o que foi liberado pela fusão parcial de material radioativo de Three Mile Island em 1979, segundo o Institute for Energy and Environmental Research.

 

A radiação está levando a uma paralisação tanto física quanto psicológica. Até fábricas e escritórios que não foram danificados pelo terremoto ou pelo tsunami foram interditados devido ao risco de radiação. E a situação não se estabilizou. Por outro lado, os tremores secundários são exasperantes. Segundo cálculo da Bloomberg Businessweek a partir de dados da U.S. Geological Survey, houve 397 tremores de 5,0 graus ou mais da escala Richter ao largo ou perto da costa leste da principal ilha do Japão de 11 a 23 de março. Isso corresponde a quase um terço dos que ocorrem no mundo inteiro num ano típico.

 

A análise econômica convencional pressupõe que os problemas do Japão continuarão localizados. O país não é o motor do crescimento de outros países desde a década de 80. Para os EUA, as exportações para o Japão responderam por apenas 0,4% do PIB, diz Faucher, da Moody's. Os economistas supõem que a interrupção não será suficientemente grave para causar demissões e desbaratar a demanda do consumidor, portanto as vendas perdidas agora serão compensadas no futuro.

 

Mas essa perspectiva grandiosa desconsidera o que pode acontecer aqui no chão se o mundo ficar sem componentes cruciais fabricados no Japão. Um estudo do U.S. Business and Industry Council descobriu que os produtos importados do Japão responderam por 33% dos capacitores comercializados nos EUA, por 26% dos meios de gravação magnéticos e ópticos e por 21% das máquinas-ferramentas para corte de metal em 2009.

 

Um automóvel moderno tem cerca de 15.000 peças, contando-se o mais ínfimo parafuso. Se uma única peça faltar, o carro não pode ser concluído. Na Europa, a General Motors suspendeu temporariamente o trabalho nas unidades de Zaragoza, Espanha, e Eisenach, Alemanha, que montam o Corsa. A Ford Motor determinou às revendedoras que deixassem de encomendar veículos preto-smoking e está restringindo a produção de três tons de vermelho devido à falta de um pigmento chamado Xirallic, normalmente fornecido por uma fábrica instalada na zona de exclusão de Fukushima. A IHS Automotive prevê que a produção automobilística mundial cairá de 15% a 30% dois meses depois do terremoto.

 

Esse é o maior abalo sísmico a atingir uma importante zona exportadora em todos os tempos. Quem é que sabia antes de 11 de março que uma empresa japonesa chamada Kureha detinha 70% do mercado mundial de fluoreto de polivinilideno, ou que esse composto é necessário como substância aglutinante nas baterias de íon de lítio? A única fábrica da Kureha que produz a resina está na região administrativa de Fukushima e suspendeu a produção por ter sofrido danos e por não conseguir obter matéria-prima. Má notícia para a Apple, que emprega essas baterias flexíveis em produtos como o iPod. A Apple preferiu não comentar o assunto.

 

Em muitos casos as empresas sequer imaginam a extensão de sua exposição, diz Kevin Tynan, analista do setor automobilístico da Bloomberg Industries em Nova York. Elas sabem quem são suas fornecedoras, mas não as fornecedoras de suas fornecedoras.

 

No longo prazo, a recuperação que surpreendeu Mill vai acontecer. As empresas vão improvisar e contornar os obstáculos. Mas voltar à normalidade exigirá criatividade e determinação. O melhor forma de obter uma recuperação rápida pós-Japão é se preparar para uma recuperação lenta.

Veículo: Valor Econômico


Veja também

Inflação ajuda exportador a recompor preço

O poder de recuperação do ser humano é notável. Os japoneses, que já reconstruí...

Veja mais
Varejo mantém ritmo forte, apesar das medidas oficiais

O primeiro trimestre terminou e o comércio varejista praticamente não sentiu os efeitos da desacelera&cced...

Veja mais
Governo tenta conter preço de alimentos

Com a disparada dos preços das commodities no mercado internacional, o governo federal mudou de estratégia...

Veja mais
Produção industrial cresce 1,9%, a maior expansão desde março de 2010

IBGE diz que calendário influenciou resultado de fevereiro, pois carnaval caiu nesse mês no ano passado; an...

Veja mais
Cai diferença entre salários de São Paulo e resto do país

Renda de outras regiões cresce mais rapidamente que a dos paulistanos Investimentos em infraestrutura, reajus...

Veja mais
Alta nos alimentos prejudica principalmente os mais pobres

O aumento dos preços dos alimentos no mercado internacional, nos últimos seis meses, fez com que os valore...

Veja mais
BNDES tem 60% do crédito para investimento

Para o crescimento da economia brasileira, o maior desafio do sistema bancário nacional é o desenvolviment...

Veja mais
Corrente de comércio do Brasil acumula US$ 405 bi em 12 meses

Com os recordes de US$ 51,233 bilhões em exportações e US$ 48,060 bilhões em importaç...

Veja mais
Preços ao consumidor pode acumular taxa de 5,8%

O coordenador do Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), Paulo Picchetti, elevou na sexta-feira pa...

Veja mais