O dinheiro no Brasil custa três vezes mais caro do que no mundo. O abismo que separa o juro nominal nativo da média de 40 países sempre foi grande e segue aumentando. O último tranco foi dado na semana passada, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a Selic a 12,25%. E o colegiado do Banco Central (BC) indicou que o ajuste continua. A Selic avançou 1,50 ponto percentual desde a virada de 2010 para 2011. Isso significa três vezes mais que a média do juro básico dos demais países que ronda 3,50% já contaminada pelo aperto monetário progressivo que vem ocorrendo em algumas partes do mundo, onde a atividade econômica ainda apática não aborta pressões inflacionárias decorrentes, sobretudo, da escalada de preços de commodities.
Os ajustes dos juros nominais, atropelados por abundante oferta de dinheiro e em descompasso com inflação global mais salgada, são insuficientes, porém, para evitar que o juro real médio mundial abandone o território negativo - em contraponto gritante ao robusto juro real brasileiro, mostra pesquisa de Jason Vieira, economista da Cruzeiro do Sul Corretora.
É fato que o Brasil vem reduzindo a taxa de juro no tempo. Mas declínio a patamar mais próximo ao padrão internacional não depende apenas das ações cotidianas de política monetária. "Esse movimento depende também da coerência entre as políticas macroeconômicas, com o auxílio da política fiscal e da contenção do crédito público. É a coadunação dessas ações que garante uma inflação menor, condição necessária para prosseguir com o alinhamento entre as taxas de juros brasileiras e as praticadas em vários outros países", pondera Monica Baumgarten de Bolle, diretora da Casa das Garças e sócia da Galanto Consultoria.
A exemplo do juro, a inflação brasileira - projetada em cerca de 6% para este ano - também é salgada para padrões internacionais. A sua redução é considerada fundamental para a prática de juros menores que levam à maior previsibilidade de cenários. Buscar inflação menor implica em perseguir meta de inflação menor que 4,5% que, em 2012, terá reprise pelo oitavo ano consecutivo.
Os economistas, porém, divergem quanto à possibilidade do governo brasileiro mirar um alvo menor, o que poderia ocorrer no final deste mês quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) deverá confirmar a meta de inflação de 2012 e definirá a meta de 2013. "Politicamente, uma redução da meta seria importante para renovar o compromisso do governo com a estabilidade. Tecnicamente, a redução, ainda que discreta, aumentaria a confiança dos mercados na ação do BC que já assumiu o compromisso com a convergência da inflação para 4,5% em 2012", avalia uma fonte do governo que prefere manter anonimato e lembra que inflação menor ajuda a desindexar a economia. "Inflação alta faz com que a indexação se perpetue. Os prazos dos contratos diminuem e as renovações realimentam a inflação", afirma a fonte.
Ricardo Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp, considera que para ter meta de inflação menor, o Brasil tem que ter outras "características estruturais e institucionais" da economia. "Caso contrário, teremos conflito entre inflação e crescimento", afirma.
Carneiro pondera que economias como a brasileira, com determinadas características estruturais, deve ter meta mais alta ou prazo de convergência muito mais dilatado do que o visto nas economias centrais onde prevalecem metas entre 2% e 2,5%. O professor cita duas características do país que atuam como freio para meta de inflação menor: a estrutura das exportações do país e a indexação.
"Nossa exportação, ancorada em commodities, é muito exposta a choques, e commodities são bens cuja trajetória de preços é muito volátil. Toda vez que ocorre um choque em preços de alimentos ou minérios, a inflação brasileira sofre impacto. Outro problema é que nossa economia é muito indexada. Como vem ocorrendo nos últimos cinco ou seis anos, os choques [de preços] se manifestam no Índice de Preços no Atacado (IPA), utilizado como base do indexador de vários preços administrados e que afeta preços que não se referem a bens transacionáveis no exterior. Como uma economia assim pode trabalhar com meta menor?", questiona Carneiro.
O professor da Unicamp comenta que a estrutura de exportação do país pode ser alterada com o tempo. E lembra que a indexação poderia e deveria mudar, inclusive nos ativos financeiros praticamente atrelados à Selic, por decisão regulatória. "Se esse tipo de mudança ocorresse e também se conseguisse mitigar a indexação cambial informal, a meta de inflação poderia ser menor sem exigir juros maiores, e sem sacrificar as taxas de crescimento."
Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, e Marcelo Kfoury, economista-chefe do Citibank, reconhecem em minucioso trabalho sobre metas de inflação que os países em desenvolvimento tendem a ter uma inflação mais alta e também lembram que no processo de convergência da sua produtividade em direção ao padrão dos desenvolvidos, os preços de bens não comercializáveis [nos países em desenvolvimento] tendem a ficar mais caros, elevando a inflação. Enquanto economias maduras têm meta próxima de 2%, as em desenvolvimento mantém cerca de 3% - nível que o Brasil tem condições de adotar na sua avaliação.
Em "Metas para o regime de metas: completando a transição", Goldfjan e Kfoury consideram que 3% pode ser meta do Brasil no longo prazo, o que viabilizaria a redução dos juros nominais a algo entre 6% e 7% e juros reais próximos de 3% - patamar que os economistas avaliam como coerente com uma economia plenamente estabilizada e com equilíbrio macroeconômico. Esses valores seriam semelhantes aos de outros países com grau de desenvolvimento similar ao do Brasil e levariam a taxa Selic a convergir para a taxa de juros de longo prazo (TJLP) [de 6% ao ano até o final deste mês]. "A economia brasileira poderia conviver com apenas uma taxa de juros que regularia as operações de mercado aberto e empréstimos do BNDES. Os juros fixados pelo BC poderiam afetar todo o montante de crédito da economia, aumentando a potência da política monetária."
A dupla de economistas pondera que tão importante quanto definir a meta de longo prazo (3%) é propor um processo de convergência em direção à ela em quedas contínuas ao longo do tempo. Para 2013, Goldfjan e Kfoury propõem meta de 4%, sendo mantida até 2015, seguida de redução a 3,5%, entre 2016 e 2019 e, finalmente, para 3%, a partir de 2020.
Veículo: Valor Econômico