Os indicadores de consumo industrial de eletricidade começam a mostrar desaceleração em setembro, de acordo com o levantamento divulgado ontem pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia. Além de registrar uma queda nominal de 168 gigawatts-hora (GWh) no consumo, a taxa de crescimento de 4,6% verificada no mês é a menor do ano para o segmento industrial, depois de ter alcançado o teto de 5,6% em abril. O Nordeste registrou a menor taxa de crescimento entre todas as regiões (2,4%), devido a uma parada técnica realizada por uma grande indústria de soda-cloro.
Para a EPE, o resultado do levantamento traduz os "primeiros sinais" de desaceleração do ritmo da produção industrial brasileira, devido à crise financeira internacional, apesar de o consumo nacional de eletricidade ter registrado recorde de 33,3 GWh no mês, um crescimento de 4,8% em 12 meses. A demanda foi puxada pelos setores comercial e residencial e acumula crescimento de 4,3% (292.925 GWh) no ano.
A EPE evitou fazer estimativas sobre o comportamento do mercado para os próximos meses, por temer impactos da crise financeira internacional. Para a empresa, entretanto, as turbulências também devem impactar as demais classes de consumo, porém em menor escala. A estatística da EPE se baseia em dados fornecidos por consumidores livres, cativos e todos os que usam a rede elétrica de transmissão e distribuição de energia.
Paulo Mayon, presidente da Associação Nacional de Consumidores de Energia (Anace), avalia que o cenário de queda no consumo industrial por energia poderá ser ainda mais drástico do que o apresentado pela EPE. "A percepção do impacto da crise e mudanças de hábito no consumo tem efeito quase nulo para a análise da EPE. "Isso porque os números do governo englobam todo o setor de energia e a maior parte das indústrias está no mercado livre (ambiente em que não há vínculo com uma distribuidora)", afirma o executivo. "O impacto no consumo de energia será percebido fortemente nos próximos meses", destaca.
Marcelo Parodi, presidente da comercializadora Comerc, afirma que estes são os primeiros sintomas da turbulência econômica na indústria. "O grosso da crise começou em outubro, portanto, só na próxima divulgação da EPE veremos a expectativa dos industriais se transformar em realidade", afirma o especialista. Parodi garante que há uma semana sua empresa, que atua no mercado livre (ambiente em que só participam grandes consumidores de eletricidade como Vale, Votorantim e Sadia), ainda não sentia os efeitos da crise. "O cenário mudou. Há uma semana sentíamos apenas uma dúvida das empresas em relação ao volume que desejavam contratar", diz Parodi para completar: "Agora, sentimos que há um adiamento dos projetos de expansão industrial e, além disso, há uma queda na demanda por diversos produtos, o que também prejudica a indústria", explica o executivo. "O ritmo das empresas está mudando", enfatiza.
Ambiente de insegurança
Para Ricardo Lima, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), ainda é cedo para dizer se haverá forte redução no setor produtivo. "É cedo para dizer se o consumo de eletricidade pelas indústrias vai continuar caindo, mas os sinais vão nessa direção", analisa. "O fato é que há uma insegurança no setor, que foi gerada pela crise e, por isso, é natural que a indústria segure os investimentos", completa.
Segmentos como construção civil, automobilístico e de linha branca (geladeiras, freezer) são apontados pelos especialistas como os que terão mais retração no consumo elétrico. "Há uma desaceleração econômica", afirma Lima, da Abrace.
Levando em conta os setores comercial, residencial e industrial, segundo a EPE, a demanda por eletricidade no País cresceu 4,8% em setembro sobre agosto, totalizando 33.362 GWh. No ano, o consumo de energia registra alta de 4,3%, ou 292.925 GWh. As classes residencial e comercial tiveram os desempenhos mais expressivos em setembro. As residências consumiram 4,9% a mais em setembro. O aumento do número de consumidores foi o principal motivo do desempenho, afirma a EPE. O segmento comercial ampliou a demanda em 6,8% no período. "Em termos gerais, o comportamento do consumo no mês de setembro ocorreu dentro das expectativas, não tendo sido registrado nenhum fato que pudesse justificar alteração da dinâmica típica da demanda neste mês", arremata a EPE.
Melhor terceiro trimestre
Para a EPE, os dados confirmam o terceiro trimestre como o melhor do ano em termos de consumo. A EPE informou que o consumo residencial registrou aumento do número de consumidores, em ritmo acima da média recente. Nos últimos 12 meses, foram 1,93 milhão de novas ligações, ou 3,8% a mais que o mesmo período anterior, contra uma média anual, registrada entre 2003 a 2007, de 1,7 milhão de ligações por ano. No Nordeste, a média de ligações residenciais tem sido de 55 mil por mês, crescimento em torno de 5% ao ano.
O avanço no número de consumidores deve-se, segundo nota da EPE, ao programa federal Luz para Todos. Da população total beneficiada pelo programa, 55% encontra-se na região Nordeste, de acordo com informação do Ministério de Minas e Energia. Já o mercado comercial registrou avanço de 8,1%, recuperando a dinâmica de expansão do crescimento ocorrido recentemente.
Veículo: Gazeta Mercantil