Perda de competitividade, influenciada pela taxa de câmbio, explica retração de multinacionais
De janeiro a maio, o fluxo de investimento estrangeiro direto na indústria encolheu 17% em relação ao mesmo período de 2010, atingindo US$ 7,146 bilhões nas operações de participação no capital. Foi o único segmento em que houve queda do fluxo nos cinco primeiros meses do ano - na agropecuária, na atividade extrativa mineral e nos serviços, as inversões aumentaram muito, fazendo o total investido nesse tipo de operação aumentar 70% no acumulado de 2011, para US$ 26,5 bilhões, segundo números do Banco Central.
Agravadas pelo dólar barato, as dificuldades de competir da indústria brasileira tornam o setor menos atraente para o investimento estrangeiro, segundo alguns analistas, que veem no movimento um aumento do risco de desindustrialização do país. Entre os segmentos industriais que mais receberam recursos externos estão os ligados a commodities, como de metalurgia e de coque e derivados de petróleo, ou os mais voltados para o mercado interno, como o de produtos alimentícios.
Quando se incluem os empréstimos intercompanhias, realizados entre a matriz no exterior e a filial no Brasil, o fluxo total de investimentos estrangeiros diretos para a indústria cresceu 8% nos cinco primeiros meses do ano. É um ritmo de alta, contudo, muito inferior ao aumento de 254% registrado no setor de serviços no período, ou de 52% no segmento formado pelo conjunto de agricultura, pecuária e atividade extrativa mineral.
Nesse cenário, a indústria ficou com 32% do total do fluxo estrangeiro para atividades produtivas nos cinco primeiros meses do ano, considerando as operações de participação no capital e os empréstimos intercompanhias, bem abaixo dos 54,9% do mesmo período de 2010.
O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização (Sobeet), Luís Afonso Lima, vê o movimento com preocupação. Para ele, o menor apetite dos investidores estrangeiros pelo setor é um mau sinal, porque o Brasil ainda precisaria de uma indústria forte, dado o atual estágio de desenvolvimento. Em 2004, a indústria de transformação respondeu por 19,2% do valor adicionado, percentual que caiu para 15,8% em 2009 e 2010, segundo números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Lima vê o movimento como resultado da menor competitividade do setor industrial brasileiro. O real forte encarece as exportações brasileiras e dificulta a vida das indústrias de manufaturados que competem no mercado interno com produtos importados. Além do câmbio, problemas como carga tributária alta e problemas de infraestrutura atrapalham.
O economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) e da PUC-SP, também se preocupa com o menor nível de investimento na indústria, por considerá-la o setor mais dinâmico da economia. "Ela ajuda os outros segmentos a crescer mais", afirma ele, que também acha prematuro o Brasil ver a indústria perder espaço no Produto Interno Bruto (PIB), o que seria um sintoma do processo de desindustrialização.
O economista Carlos Eduardo Gonçalves, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, não mostra o mesmo incômodo com o fenômeno que Lima e Marconi. Ele diz que indústria de fato tem sofrido, mas acredita que isso não "deve nos afligir como nação".
O Brasil, segundo ele, está ficando mais rico vendendo commodities. Gonçalves diz ainda não haver nenhuma "relação estatística detectável entre a composição do PIB e a taxa de desemprego" - ou seja, não existiriam evidências de que nos países em que a indústria tem mais peso a desocupação seja menor.
Como seria de esperar, os estrangeiros têm mostrado mais interesse pelos setores mais rentáveis do país. No caso da indústria, são os segmentos como o metalúrgico, que recebeu US$ 3,091 bilhões, nas operações para participação no capital, sete vezes mais que em igual período de 2010. Trata-se de uma área ligada à produção de commodities, como o de coque, derivados de petróleo e biocombustíveis. Em segundo lugar, ficou o setor de produtos alimentícios, com US$ 1,181 bilhão, atraente especialmente por ser mais voltado para o mercado interno, embora haja alguns segmentos que se beneficiam dos preços das commodities. Setores de manufaturados, como veículos, receberam um volume pouco expressivo.
No caso dos empréstimos intercompanhias, o fluxo para a indústria aumentou 68% de janeiro a maio, para US$ 6,045 bilhões. É uma alta inferior, porém, aos 237% regristrada em serviços, por exemplo. Segundo Lima, as operações em participações no capital (que envolvem, compra, subscrição ou aumento do capital da empresa) são um termômetro melhor para medir a tendência de longo prazo do investimento estrangeiro.
Para Marconi, é possível que algumas empresas estejam usando os empréstimos intercompanhias para escapar da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de renda fixa.
Veículo: Valor Econômico