O descontrole nos pagamentos faz com que os endividados recorram ao cheque especial e cartão de crédito
Depois da farra de compras que levou o brasileiro a atingir elevados níveis de endividamento, o consumidor agora está recorrendo a linhas de crédito mais caras, porém automáticas, como cheque especial e cartão de crédito, para cobrir outras dívidas.
Entre dezembro de 2010 e maio deste ano, o último dado disponível, as duas únicas linhas de crédito com recursos livres destinados a pessoa física que registraram crescimento na média diária de novas concessões foram o cheque especial e o cartão de crédito, revela um estudo feito pela LCA Consultores.
A análise considera as informações do Banco Central, desconta as influências típicas de cada mês e a inflação do período.
De dezembro de 2010 a maio deste ano, a média diária dos empréstimos no cheque especial aumentou 3,9% e no cartão de crédito, 4%. Em contrapartida, a aprovação de financiamentos para compra de veículos caiu 2,3% em igual período e o crédito pessoal teve retração de 9,4%.
"O aumento do uso do cheque especial e do crédito rotativo são, num primeiro momento, são alternativas usadas para o consumidor não se tornar inadimplente", afirma o economista-chefe da LC A Consultores, Bráulio Borges.
Se o mercado de trabalho está aquecido e a renda é crescente, Borges observa que há uma aparente contradição na maior procura pelas linhas de crédito emergenciais. O que explica esse movimento, segundo o economista, é o endividamento excessivo do consumidor. "Existia um clima de euforia na economia brasileira que fez com que as pessoas assumissem dívidas além do nível considerado ótimo."
Essa também é a avaliação do economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Nicola Tingas. "O problema hoje é o excesso de consumo sem critério", diz o economista. Ele ressalta que o fluxo de caixa do consumidor piorou especialmente porque, na virada de abril para maio, a inflação aumentou e corroeu uma parte da renda.
Descontrole. "Perdi o controle do orçamento", reconhece o professor de matemática, Benedito Calixto, de 59 anos, atualmente funcionário municipal. Com renda mensal de R$ 2.500, ele trocou de carro no ano passado, assumiu uma prestação de R$ 630 e se enganou nos cálculos das despesas rotineiras, que incluíam, por exemplo, uma aluguel de R$ 450.
A alternativa encontrada por Calixto para contornar o problema foi buscar dinheiro no cheque especial e entrar no crédito rotativo do cartão de crédito. Resultado: ele acumula uma dívida de R$ 2.500 com cheque especial e cartão de crédito equivalente a sua renda mensal. "Agora estou tentando renegociar."
A babá Joelma Luiza da Silva, de 36 anos, é outra que se descontrolou nas suas despesas. Entre prestações de roupas e cursos de inglês e informática para as filhas, ela acumula dívidas em atraso de R$ 1.200, o mesmo valor que recebe mensalmente como babá. Na sexta-feira, Joelma foi ao Serviço Central de Proteção ao Crédito para tentar uma negociação das dívidas.
Endividamento. Nas Contas da LCA, tanto o comprometimento da renda familiar para pagamento de dívidas, hoje em 23%, como o endividamento total das famílias, que corresponde a 40% da massa anual de salários e rendimentos da Previdência Social, atingiram os níveis mais altos da série histórica desses indicadores.
Segundo Borges, esse aumento de endividamento e do comprometimento da renda já está levando ao crescimento da inadimplência, efeito que deve piorar nos próximos meses, mas nada em níveis alarmantes, pondera Borges.
A consultoria projeta que o calote do consumidor com prestações atrasadas a mais de 90 dias encerre o ano com alta de 7,3%, acima dos 5,7% registrados em 2010, mas ainda menor do que os 7,7% de 2009.
Dados da Associação Comercial de São Paulo mostram que, na primeira quinzena de julho, o número de carnês inadimplentes cresceu 21,9% em relação a igual período de 2010 e das dívidas renegociadas, 17%. Em junho, o calote havia aumentado 14,2% na comparação anual e a renegociação, 11%.
"A inadimplência está aumentando por causa do descontrole do gasto e do aperto do crédito", afirma o economista da entidade, Emílio Alfieri, fazendo referencia às medidas já adotadas pelo governo para esfriar o consumo, como aumento da taxa básica de juros, a Selic, desde o começo do ano.
"Daqui para frente, vamos começar a ter uma piora nas condições de crédito por deterioração cíclica, associada ao aumento da inadimplência", diz Borges. Isso significa que a Selic pode até parar de subir, como sinalizou o Banco Central, mas os juros cobrados do consumidor devem seguir em rota ascendente. O motivo desse descompasso é a alta da inadimplência, um dos componentes do spread bancário.
Veículo: O Estado de S.Paulo