O governo aciona hoje, pela primeira vez, uma arma inédita de defesa comercial no país, com poder de barrar imediatamente nos portos importações danosas à indústria brasileira. O "Diário Oficial da União" de hoje traz portaria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) com a comprovação de que importadores brasileiros vinham comprando ímãs da China de forma fraudulenta - com declaração de origem apontando Taiwan como o local de fabricação da mercadoria, para contornar as sobretaxas antidumping aos produtos chineses. Com a prova da fraude, a portaria proíbe todas as importações de ímãs de Taiwan.
"Essa medida é um avanço, um passo além das que adotávamos até agora", explicou a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres. "Com ela simplesmente impedimos a entrada, no país, do produto com fraude na importação." O diretor do Departamento de Negociações Internacionais da Secretaria de Comércio Exterior, Daniel Marteleto Godinho, disse que há mais dez investigações sobre mercadorias diferentes suspeitas de fraude, que poderão sofrer a mesma sanção, algumas neste ano.
Até então, casos como os de circunvenção, em que produtos chineses são montados em outros países para fugir ao antidumping, por exemplo, levavam apenas à aplicação de sobretaxas punitivas.
Sem revelar detalhes da decisão sobre os ímãs chineses com informação fraudulenta sobre a origem da mercadoria, que ainda não estava oficializada ontem à noite, Godinho confirmou, porém, que, com a constatação da fraude, qualquer importação de ímã proveniente de Taiwan está, a partir de hoje, impedida de entrar no país. O mesmo acontecerá com os outros produtos em que for constatada fraude de origem. "No caso dos ímãs, o efeito é mais simbólico do que em valor; mas, outros casos vão ter relevante dimensão econômica", adiantou.
Embora ele não queira revelar que mercadorias estão sujeitas às mesmas barreiras, Godinho afirma que o ministério vem abrindo investigações sobre todas as denúncias. Os setores de calçados e de têxteis acusam importadores de trazer mercadorias chinesas por meio de fraude ao país.
O governo espera que, com a divulgação do caso dos ímãs, mais empresários ameaçados apontem suspeitas de fraudes ao ministério. Os técnicos pretendem, também, investigar por conta própria, quando as estatísticas de comércio exterior, em tempo real, mostrarem comportamentos suspeitos. Depois da denúncia, o governo impede a entrada da mercadoria nos portos e envia um questionário cobrando do exportador estrangeiro informações como detalhes do processo de produção e desempenho econômico da empresa.
O caso dos ímãs chineses importados como sendo de Taiwan foi descoberto já nessa fase. "Ficou claro que não eram fabricantes, eles até deixaram perguntas em branco", disse Godinho. Os técnicos usam até fotografias do serviço Google Images para conferir as fotos de instalações fornecidas pelas empresas e checam dados disponíveis nas páginas das companhias na internet. É um métodos aprendido com a Receita Federal, diz uma especialista do ministério.
Caso as respostas do questionário deixem dúvidas, o governo envia ao local declarado como origem do produto uma missão técnica para comprovar a fabricação do produto. Essa fase deve exigir maior prazo do que no caso dos ímãs, concluído após quatro meses de investigação. As importações afetadas pela portaria publicada no "Diário Oficial" representam apenas 1,5% dos US$ 7,7 milhões importados em ímãs de ferrite no ano passado, mas a extensão dessas investigações deve levar à suspensão de licenças de importação para cerca de metade das importações do produto. A Super Gauss, único fabricante de ímãs de ferrite no Brasil, que denunciou o caso, considera a medida vital para a sua sobrevivência.
A portaria publicada hoje foi possível com a edição, ainda no ano passado, da resolução 80 da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que permitiu investigações sobre importações com o que os técnicos chamam de "regra de origem não preferencial".
O governo tinha meios para investigar importados que fraudavam declarações de origem para se beneficiar de acordos de comércio (chineses com documentos que diziam ser do Paraguai, de quem o Brasil é sócio no Mercosul, por exemplo), mas estava limitado em outros casos. Se um importador conseguia obter uma declaração de uma empresa de Taiwan, ou outro país asiático, com a afirmação de que vinha daquela origem um produto fabricado, na verdade, pela China, os fiscais estavam de mãos atadas.
Agora, os fiscais podem até reter as licenças de importações de mercadorias afetadas por alguma denúncia de que um produto não tem a origem declarada, mesmo que o documento de origem apresentado seja oficial.
Veículo: Valor Econômico