Varejo olha crise com cautela e revê estratégias

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Indústrias de bens de consumo e redes varejistas já adotaram maior cautela na condução dos negócios por causa da crise nos mercados financeiros. O temor dos empresários é de que a turbulência nos mercados e o desaquecimento das economias na Europa e nos Estados Unidos reforcem a tendência de desaceleração sentida nas vendas do comércio no primeiro semestre. Um conjunto de fatores - maior endividamento, alta da inflação e aumento da taxa básica de juros - reduziu o crescimento do comércio nos últimos meses, mas poucos setores sentiram, até agora, uma retração adicional associada à crise.

 

Existe hoje um desaquecimento visível no varejo de eletroeletrônicos e eletrodomésticos e sinais de aumento de estoques de produtos não-duráveis, como itens de higiene e beleza. Em outros segmentos, como shopping centers, vestuário e calçados, a desaceleração ainda não foi percebida.

 

O varejo de eletroeletrônicos e eletrodomésticos passou a identificar um menor ritmo de expansão há dois meses. Segundo a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), o faturamento do setor eletroeletrônico na região (em dólares) cresceu 14,3% até maio, em comparação com um aumento de 78,5% no ano passado. A base elevada ajuda a explicar a alta mais tímida, mas essa não é a única explicação. "Há um ambiente macroeconômico bem diferente neste ano", diz Valdemir Colleone, diretor da Lojas Cem.

 

Há sinais claros de alta de estoques de produtos não-duráveis nas indústrias de consumo. Essa observação está no relatório mundial de uma das maiores fabricantes brasileiras do setor, a Unilever. Na mesma linha, o presidente do conselho do Pão de Açúcar, Abilio Diniz, afirmou a analistas, no fim de julho, que "à medida que os meses passam percebe-se maior dificuldade em fazer vendas".

 

Os dados do IBGE até junho mostram que o bom desempenho do comércio varejista no primeiro semestre foi impulsionado especialmente pelo mercado de trabalho aquecido e pela confiança elevada do consumidor. As condições de financiamento pioraram nos últimos meses, com aumento dos juros e o fim do alongamento dos prazos, mas não a ponto de prejudicar as vendas dos bens mais dependentes do crédito.

 


Comércio monitora crise, mas ainda não foi afetado por ela

 


Para Solimeo, da Associação Comercial de São Paulo, incerteza externa elevará rigor da concessão de crédito para o varejoA recente turbulência nos mercados internacionais ainda não afetou diretamente o comportamento do consumidor brasileiro, mas já acendeu o sinal de cautela entre as empresas. Enquanto os dados da pesquisa de vendas do varejo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram leve desaceleração das vendas até junho, relatos dos empresários indicam que esse movimento continuou em julho de forma díspar entre os setores e as regiões, mas ainda mais influenciado por fatores internos.

 

O maior endividamento das famílias, o aumento da inflação, a elevação da taxa básica de juros e as medidas do Banco Central para reduzir a oferta de crédito são os principais responsáveis pela desaceleração do comércio, segundo empresários e economistas do setor.

 

O varejo eletroeletrônico e de eletrodomésticos passou a identificar uma perda na velocidade de expansão há dois meses, além de registrar vendas menores que as do ano passado. "Há um ambiente macroeconômico bem diferente neste ano. Percebemos a desaceleração em maio, mas já era algo esperado", diz Valdemir Colleone, diretor da Lojas Cem. "Há uma outra crise aí, e o que podemos fazer agora é um acompanhamento de perto para anteceder efeitos maiores."

 

Com 105 lojas espalhadas pelo Nordeste, a rede pernambucana de móveis e eletrodomésticos Laser Eletro observou uma pequena desaceleração em junho e julho, mas os primeiros dias de agosto já trouxeram sinais de retomada do crescimento. Ricardo Uen, proprietário da companhia, diz que até o dia 10 deste mês as vendas estavam cerca de 15% maiores que em igual período do ano passado. "O cenário macroeconômico mundial tem uma influência menor no Nordeste, pelo momento que a região passa", diz.

 

Há sinais mais claros de aumento de estoques de produtos não duráveis nas indústrias de consumo. Uma das maiores fabricantes brasileiras do setor, a Unilever (dona de marcas como Omo, Seda e Dove) informou dias atrás, em seu relatório mundial, que acumulou estoques nas fábricas no Brasil nos últimos meses. Entre abril e junho, o desempenho local "foi refreado por ações tomadas para diminuir os estoques no comércio", de acordo com o relatório da empresa, que não citou números.

 

Na mesma linha, o presidente do conselho de administração do grupo Pão de Açúcar, Abilio Diniz, afirmou no fim de julho, para um grupo de analistas, que "à medida que os meses passam percebe-se uma maior dificuldade em fazer vendas".

 

A crise, contudo, não alterou a rotina do empresário Pedro Joanir Zonta, dono da rede de supermercados Condor, com 30 lojas no Paraná e outras três previstas para serem abertas até o fim do ano. Também presidente da Associação Paranaense dos Supermercados (Apras), Zonta afirma que o comportamento do consumidor não mudou nos últimos dias. "É mais uma crise de bolsa." O cronograma de encomendas da rede para o fim do ano não foi alterado, conta ele.

 

No segmento de artigos têxteis e calçados, as varejistas também não percebem sinais claros de desaceleração. Na Marisa, rede de vestuário, se a crise se aprofundar, o foco será brigar pelos recursos que sobrarem no bolso para o consumo. "A nossa mercadoria tem um preço médio mais baixo e tem um custo benefício muito bom para ele [comprador], então nós não temos visto isso [efeito da crise nos resultados]", disse Paulo Sergio Borsatto, diretor da Marisa, quando questionado por analistas.

 

O economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Marcel Solimeo, estima que o volume de vendas do varejo ampliado do país termine 2011 com crescimento entre 6% e 7%, abaixo dos quase 11% em 2010. Para ele, essa desaceleração, que será lenta, está mais relacionada com a alta dos juros e com as medidas do Banco Central do que com a crise vivida por Estados Unidos e Europa. "O efeito que vamos sentir é um rigor maior na concessão do crédito, em função das incertezas."

 

Além disso, diz Solimeo, as turbulências ainda não "mexeram" com o consumidor. "Quem compra vai dançando conforme a música: enquanto tiver renda e emprego, as vendas continuam. Esperamos pente-fino no crédito, os financiadores serão mais cautelosos e exigentes, devendo encurtar os prazos. Só aí o consumidor começará a fazer contas, porque o valor da prestação vai ficar mais alto."

 

Luiz Rabi, gerente de indicadores de mercado da Serasa Experian, concorda. Para ele, os rumores de crise têm pouco impacto sobre o consumo nacional. "A intensidade do impacto vai depender do que acontecer com o crédito. O varejo brasileiro vai sofrer se tivermos o mesmo estrangulamento do crédito externo de 2008, quando as linhas de financiamento mais baratas sumiram do mapa. Mas o grau de contágio do sistema financeiro nessa crise é mais limitado, não mudará as condições do varejo."

 

No segmento de shoppings, não foi verificado sinal de retração no ritmo de expansão, segundo informaram o Sonae Sierra Brasil e a BR Malls. Há um efeito compensatório no segmento, relatam as empresas. Se um grupo de lojistas percebe perda de vigor, outro grupo de varejistas dentro do mesmo shopping pode compensar esse encolhimento.

 

"Temos mantido contato com nossos lojistas, e em julho e agosto não percebemos queda na velocidade de crescimento. No nosso caso, lazer e alimentação também ajudam muito a segurar o desempenho", disse ao Valor José Manuel Baeta Tomás, presidente da Sonae Sierra Brasil, dona de dez shoppings no país, focado nas classes B e C. (Colaboraram Marli Lima, de Curitiba, e Murillo Camarotto, do Recife)

 


Veículo: Valor Econômico


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