Arrefecimento da atividade interna e maior concorrência de importados preocupa setores
Em 2000, o Brasil exportou US$ 1,6 bilhão em calçados e US$ 629 milhões em confecções. Dez anos depois, esses valores caíram para US$ 1,4 bilhão e US$ 550 milhões. Como a perda de mercado externo foi particularmente intensa nos mercados ricos - EUA e Europa - e hoje eles representam uma ínfima parte da exportação brasileira, a perspectiva de nova crise internacional trouxe outra preocupação para os fabricantes nacionais - o arrefecimento do mercado interno e o aumento da concorrência externa no Brasil.
Empresas do setor têxtil, que ainda exportam pequena parcela de seu faturamento, não sentiram redução de encomendas, nem receberam cancelamento de pedidos externos. O momento, dizem, é de cautela. O período de encomendas de calçados de inverno no Hemisfério Norte começa em setembro e as indústrias, ao mesmo tempo em que se preparam para o impacto da crise na Europa e nos EUA sobre as exportações, também veem risco para os negócios no mercado interno.
De janeiro a junho deste ano, US$ 802 milhões foram exportados pelo setor têxtil brasileiro (incluindo confecções, tecidos e fios), enquanto o mercado mundial está caminhando para US$ 400 bilhões, informa Ulrich Kuhn, presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau (Sintex) e membro do conselho da Hering.
Desses US$ 802 milhões, apenas US$ 140 milhões representam embarques de manufaturados. O restante envolve matérias-primas, como fios e tecidos. "Nunca fomos grandes, mas estamos cada vez menores", diz Kuhn.
Segundo ele, a Hering é um exemplo de todas as empresas têxteis de Santa Catarina. As exportações já significaram 30% do faturamento da companhia no início da década de 90, e hoje não são mais do que 1%. Além disso, o pouco ainda exportado se volta cada vez mais para os países vizinhos, onde a empresa tem franquias ou clientes que trabalham com a marca, em detrimento dos mercados americano e europeu, antes os principais destinos das vendas externas. "As exportações são importantes como visão de marca, mas como participação econômica são muito pequenas", diz Kuhn.
"Essa crise, se acontecer, não vai nos afetar em nada", avalia Marcello Stewers, vice-presidente da Teka, fabricante de itens de cama, mesa e banho de Blumenau. A empresa chegou a exportar 40% do faturamento em 2002, e em 2010 embarcou apenas 8,7% dele. Na previsão de Stewers, esse percentual chegará a 6,7% em 2011. "Com o câmbio derretido do jeito que está, não tem como ser mais do que isso."
Desde 2006, a Döhler, de Joinville, também de têxteis para o lar, focou o mercado nacional para driblar dificuldades de exportar. Nas décadas de 80 e 90, mais de 60% da produção era voltada para o mercado externo. Atualmente, menos de 10% vai para o exterior. Após a mudança, o faturamento vem crescendo, e a produção também.
Carlos Alexandre Döhler, diretor comercial da companhia, afirma que a empresa mantém seu programa de investimentos - uma nova tecelagem, tinturaria e fiação na cidade -, com o objetivo de voltar a exportar em cinco ou seis anos, e com a crença de que o mercado interno continuará forte no curto e médio prazos. "Iniciamos um ciclo muito difícil de ser interrompido. A própria necessidade gerada por esses novos consumidores vai exigir investimentos."
Como no setor têxtil, as encomendas de importadores são feitas com três a seis meses de antecedência e ainda não há como apontar mudança de cenário após as turbulências das últimas semanas. "Estamos apenas há alguns dias com mercado incerto. Em um mês, um mês e meio, teremos visão mais clara disso", diz Kuhn. "É muito cedo para falar de crise, temos que esperar", concorda Stewers.
Para Carlos Alexandre, da Döhler, a crise na economia europeia é realidade, mas as vendas da empresa já estão estagnadas no continente, porque quem está consumindo lá é o imigrante, o que seria como a classe D no Brasil. "Ele olha só o fator preço, aí tem que comprar produto chinês mesmo." Nos EUA, para onde a companhia também exporta, houve uma reorientação das vendas da classe B para a classe A, que continua comprando, mas em menores quantidades.
O setor de calçados também ainda não tem estimativas do tamanho dos possíveis danos, mas segundo o diretor comercial da West Coast, Rafael Schefer, as vendas domésticas podem ser afetadas em caso de restrição ao crédito ou de queda da confiança dos consumidores no mercado interno.
Para o diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, com eventual redução do consumo na Europa e EUA, os fabricantes asiáticos também poderão redirecionar para o Brasil parte de suas exportações. Com isso, aumentaria a pressão sobre o fabricante nacional no mercado local.
De janeiro a julho, a importação de calçados do Vietnã, da Indonésia, da China e da Malásia cresceu 36,7%, para US$ 199,6 milhões, e representou 83,3% das compras externas do país no segmento. Em 2010, os importados supriram 3,7% do consumo do produto no Brasil, que totalizou 780 milhões de pares. Para 2011, a Associação Brasileira dos Lojistas de Calçados prevê alta de 10% na demanda doméstica, ante 13% em 2010.
No cenário externo, a crise nos países desenvolvidos vai acrescentar um complicador adicional aos problemas enfrentados pelos exportadores, devido à valorização do real. "As vendas da próxima coleção de inverno para o Hemisfério Norte correm o risco de fracassar", admite o gerente de exportação da West Coast, John Schmidt.
Os pedidos para este período começam a ser feitos em outubro, para entrega em dezembro e janeiro. As encomendas para o verão europeu e americano terminaram em maio e foram atendidas até julho. Por enquanto, os distribuidores europeus e americanos ainda não sinalizaram com possíveis reduções das encomendas, mas o executivo afirma que a situação é de cautela. "A crise é um problema que se soma ao câmbio", diz.
De acordo com Schmidt, a Europa absorve cerca de 30% das exportações da empresa com sede em Ivoti (RS). Os EUA ficam com 4% dos embarques. A maior parte (48%) vai para a América Latina.
"A crise certamente terá algum impacto, porque abala a confiança dos consumidores dos países importadores", reforça Klein. Segundo ele, as empresas começarão a ter alguma ideia do tamanho do estrago a partir do mês que vem, quando começa a temporada de feiras setoriais nos EUA.
As exportações do setor nos sete primeiros meses do ano caíram 25,8% em volume, para 66,1 milhões de pares, e 13,7% em valor (US$ 777,1 milhões), em comparação com igual período de 2010. Os EUA seguem como o principal destino dos calçados brasileiros.
Veículo: Valor Econômico