Se algum freio foi aplicado à economia brasileira, seu efeito é muito mais forte na produção industrial do que na demanda de consumo. A renda dos consumidores continua em alta, o nível de emprego é elevado e ainda há crédito disponível para quem deseja ir às compras. Não surpreende, portanto, o resultado da nova pesquisa divulgada nesta quinta-feira pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O indicador de intenção de consumo das famílias cresceu 2,5% de julho para agosto. O movimento no varejo deve continuar bom neste semestre, disse o economista Bruno Fernandes ao apresentar o relatório à imprensa.
É preciso levar em conta esse dado, quando se avaliam as novas estimativas de expansão do PIB. O indicador de atividade produzido pelo Banco Central (BC) caiu 0,26% de junho para julho. Essa queda, a primeira desde o fim de 2008, foi interpretada como mais um sinal de esfriamento da economia brasileira, tendência já observada em meses anteriores. Esse é mais um argumento para quem defende a interrupção da alta de juros ou até uma redução a partir de setembro. Mas, antes de pensar em afrouxamento da política monetária, convém olhar com cautela o quadro geral da economia.
Há uma sensível diferença entre as condições da oferta e as da demanda interna. Vários segmentos da indústria enfrentam dificuldade para competir tanto no exterior quanto no mercado interno. A crise internacional e a forte valorização do câmbio ampliam as desvantagens do produtor brasileiro - impostos excessivos, custos logísticos muito altos, etc. - diante de seus concorrentes de fora. Esses fatores têm afetado a produção nacional muito mais que as medidas adotadas pelas autoridades monetárias e financeiras. Do lado fiscal, a política de austeridade anunciada no começo do ano pouco afetou a expansão do gasto público. O esforço de ajuste econômico sobrou quase totalmente para o BC. Até agora, o efeito desse esforço foi muito limitado.
Até agora a criação de emprego foi suficiente para garantir uma boa elevação de renda para os trabalhadores. No primeiro semestre, 84,4% das negociações entre patrões e empregados terminaram com elevação real do salário. Foi um pouco menos que nos primeiros seis meses de 2010, quando 86,7% das negociações propiciaram ganho real para os assalariados. Esses números foram levantados pelo Dieese.
A tendência para bons acordos para os trabalhadores deve manter-se na segunda metade do ano, segundo o coordenador de Relações Sindicais da instituição, José Silvestre Prado de Oliveira. Categorias poderosas - petroleiros, bancários e metalúrgicos - devem negociar acordos neste semestre e suas conquistas deverão balizar as demandas salariais de outros grupos.
O comportamento dos consumidores dependerá em boa parte desses acordos. Disso dependerão também a evolução dos preços internos e o equilíbrio das contas externas. A inflação recuou nos últimos meses, mas parece ter batido no fundo do poço e a expectativa, agora, é de uma nova fase de elevação de preços. A intensidade da alta será determinada principalmente pela disposição das famílias e pelo ritmo de gastos do governo. Se o dólar continuar muito barato, parte importante dessa demanda será coberta com importações.
Segundo o discurso oficial, o vigor e o tamanho do mercado interno permitirão ao Brasil atravessar sem recessão a nova fase da crise internacional. Esse otimismo é só parcialmente justificável. Para garantir um pouso suave e seguro, o governo deveria de fato conter seus gastos e proporcionar à indústria um apoio mais efetivo e mais pronto que aquele prometido no fraquíssimo Plano Brasil Maior. Sem isso, o risco de um pouso acidentado será considerável. O desajuste entre a demanda interna e as condições de produção da indústria poderá criar problemas tanto nos preços quanto nas contas externas. Se isso ocorrer, o governo terá dificuldade para enfrentá-los e a presidente Dilma Rousseff gastará parte importante de seu mandato corrigindo os efeitos da imprudência cometida neste ano.
Veículo: O Estado de S.Paulo