A combinação entre a valorização da moeda brasileira em relação ao dólar e a desvalorização do yuan chinês em relação à moeda americana faz as tarifas médias de proteção aplicadas pelo Brasil nas importações ficarem negativas. A conclusão é de um estudo apresentado ontem no painel sobre a política externa brasileira no 8º Fórum de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Segundo o levantamento, as tarifas médias de proteção aplicadas no Brasil variam de zero a 35%. Levando em conta um real valorizado em 30% em relação ao dólar e a moeda chinesa desvalorizada em 30% em relação à moeda americana, as tarifas médias aplicadas pelo Brasil nas importações são praticamente neutralizadas. Com a combinação das cotações cambiais das duas moedas, diz o estudo, as tarifas médias aplicadas pelo Brasil ficam com variação efetiva entre -32% e -50%.
Para Vera Thorstensen, professora da FGV e uma das autoras do estudo, feito em conjunto com Emerson Marçal e Lucas Ferraz, também professores da FGV, isso mostra o quanto a questão cambial não afeta apenas o comércio, mas também todos os instrumentos de regulação da Organização Mundial do Comércio (OMC), como medidas antidumping, regras de origem e salvaguardas. Com o efeito cambial, o Brasil, na verdade, diz, está oferecendo acesso a seus mercados de forma muito mais aberta do que negociou na OMC. Já para a China, diz Vera, a desvalorização do yuan representa um subsídio do país asiático às suas exportações. E, em relação às tarifas médias aplicadas de importação da China, que variam de 0% a 33%, a desvalorização do yuan em 30% tem efeito diverso ao brasileiro: as tarifas aumentam e passam a variar de 30% a 70%.
Para ela, o Brasil deve manter a iniciativa de discutir o câmbio no âmbito da OMC. Ela lembra que o Brasil conta com um precedente técnico favorável para isso: uma decisão no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), de 1980. vinculada à base jurídica da OMC e que estabelece que, caso haja desalinhamento cambial acima de 20%, podem ser aplicados mecanismos de compensação para as tarifas. Segundo ela, na época a decisão do GATT estabeleceu o cálculo do desalinhamento ao Fundo Monetário Internacional (FMI) com uma taxa de câmbio ponderada relativa a um período de seis meses e levando em conta uma cesta de moedas relativas a 80% das importações do país.
A aplicação do mecanismo estabelecido no precedente, diz ela, deve ser discutido na OMC. "Isso precisa ser negociado e o Brasil precisa buscar apoio dos parceiros que também estão sofrendo os efeitos do câmbio no comércio."
Para especialistas, porém, a atuação externa do governo brasileiro não de se restringir à questão cambial. Para alguns, a liderança brasileira na América do Sul também deve ser uma prioridade estratégica do país, embora não haja consenso sobre a avaliação de como essa política tem sido conduzida nos últimos anos.
Matias Spektor, coordenador de relações internacionais da FGV, acredita que, com o crescimento e a estabilidade econômica alcançados na última década, o Brasil tem um papel - e um desafio - maior na liderança da América do Sul. Ele chamou a atenção para as escolhas que a diplomacia brasileira deve fazer para consolidar a estabilidade e integração na região. "Se algum país quebra, quem vai sentir mais vão ser as empresas brasileiras e não os Estados Unidos ou os bancos espanhóis."
Spektor avalia que os acordos multilaterais e o fortalecimento de instâncias regionais como a União das Nações Sul Americanas (Unasul), que integra as alfândegas de dez países no continente, permitem ao Brasil aumentar sua participação e cooperação com os vizinhos, expandindo os negócios.
O consultor e ex-embaixador Rubens Barbosa concorda que a criação da Unasul é um dos resultados da tentativa do Brasil de ser um líder na América do Sul. Ele acredita, porém, que a iniciativa teve pouco impacto na prática. Para Barbosa, a política externa do Brasil nos oito anos do governo Lula em relação à América do Sul ficou sem agenda, baseada na "bilateralização" das relações e não numa liderança ampla e regional.
Barbosa acredita que a relação com países como Bolívia, Venezuela e Argentina foi excessiva em concessões que não interessavam ao Brasil. Do ponto de vista comercial, também não houve resultado. "O Mercosul não andou. O que era um tratado de liberalização comercial se transformou num acordo social e político."
Ele criticou ainda as relações com o principal sócio do Mercosul, a Argentina. O país, lembra, adotou várias medidas protecionistas que acabaram sendo aceitas, mesmo prejudicando setores produtivos brasileiros.
Veículo: Valor Econômico