O impacto da valorização do dólar na inflação diminuiu nos últimos anos, segundo opinião de especialistas ouvidos pelo Valor. Para eles, a estabilização da economia brasileira, o aumento da concorrência e a variação do preço praticado no mercado externo são fatores que fazem contraponto à influência do câmbio no aumento dos preços. A tese de menor repasse das oscilações cambiais aos preços domésticos tem sido defendida pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.
Nos seis meses posteriores à quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, fato que foi um dos principais combustíveis para a crise que atingiu o mundo a partir daquele ano, a moeda americana se valorizou 24,47%. No mesmo período, entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou alta de 2,13% e o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) avançou 1,05%.
Esses números sugerem que os movimentos do câmbio já não atingem mais a economia brasileira - nem chegam ao consumidor final - como em outros tempos de crise. Em 1999, quando o Banco Central (BC) abandonou o regime de câmbio fixo, e também, em 2002, quando a eleição de Lula para a Presidência causou temores no mercado, cada 10% de valorização do dólar provocou um aumento de até dois pontos percentuais na inflação, segundo cálculos de Salomão Quadros, da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Ainda que os economistas acreditem ser muito cedo para confiar que a moeda americana encontrou um novo patamar, a estimativa hoje é que a inflação cresça no máximo até um ponto percentual a cada 10% de valorização do dólar. Alguns economistas projetam efeitos ainda menores.
Na tentativa de estimar o quanto a escalada de 15% do dólar em setembro pode afetar a inflação, a LCA Consultores prevê que, mantendo-se todas as demais variáveis constantes, cada 10% de desvalorização do real vai representar 0,4 ponto de aumento nos preços ainda este ano.
Bráulio Borges, economista-chefe da LCA, ressalta que o país está mais protegido contra a flutuação cambial do que antes, favorecido por outras variáveis do cenário internacional e pela expectativa de diminuição do crescimento do PIB brasileiro no ano que vem. "O petróleo saiu de US$ 100 há dois meses, quando o real estava mais valorizado, para os atuais US$ 80, que compensam a alta de agora. O índice de preços gerais das commodities também vem caindo, ajudando a segurar os preços. Mas uma mudança no cenário internacional pode alterar tudo."
A Tendências Consultoria também refez suas contas. Considerando o dólar no patamar de R$ 1,80, o impacto na inflação no próximo trimestre será de 0,53%. O acréscimo dos preços virá principalmente no setor de bens comercializáveis, especialmente agrícolas, e eletroeletrônicos. Para os três primeiros meses do ano que vem, espera-se um aumento de mais 0,2% no IPCA em virtude do cenário atual. De acordo com a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências, o setor de serviços demora mais para sentir o impacto. "Como temos mais empresas competindo, a tendência é de que parte da elevação dos custos sejam absorvidos", afirma. Para ela, o índice de pass through no Brasil está mais eficiente do que antes.
"O momento é de aversão ao risco que a crise internacional trouxe. É um cenário diferente daquele em que a desvalorização da moeda nacional foi influenciada por problemas domésticos. Nesse caso, a influência do câmbio na inflação tende a ser menor", diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, que não aposta em relevante influência do dólar no preço dos produtos no Brasil.
Quando um país está com as contas em ordem, ele fica mais protegido diante dos suspiros de qualquer crise externa, que tendem, assim, a afetá-lo em menor escala. Essa é a opinião de Fábio Ramos, economista da Quest Investimentos, que mantém uma projeção de inflação de 5,6% para 2012. "Aprendemos com a crise de 2008 que é menor a importância do câmbio em um país sem dívida externa relevante."
"Vivemos em um regime de inflação mais baixo do que há dez anos e o BC reage às pressões inflacionárias. O cenário mudou e o impacto do dólar, com isso, caiu", diz Quadros, da FGV. Para o economista, esse controle da autoridade monetária segura por um tempo maior o repasse no aumento dos preços decorrente da valorização do dólar.
O preço das commodities, fixado em dólar, está entre os fatores que podem atenuar o efeito da desvalorização do real. Apesar da forte alta da moeda americana, a queda no preço dos produtos agrícolas deve atenuar a pressão inflacionária do grupo de alimentos. "O preço das commodities está caindo e a estabilidade do dólar na casa de R$ 1,90 não deve durar [na última sexta-feira, a moeda fechou em R$ 1,83]. A resultante entre esses dois termos é ligeiramente inflacionária, mas poderia ser bem maior se não fosse a deflação das commodities", diz Quadros.
O brasileiro nunca viajou como hoje e os economistas já alertam sobre um dos setores que sentirão mais cedo a pressão do dólar. Armando Castelar, também da FGV, acredita que o repasse ao preço das passagens aéreas deve ser rápido. "As empresas de aviação têm algumas ferramentas para se proteger de significantes variações cambiais, mas a tendência é que elas repassem esse custo ao consumidor se o dólar continuar em alta".
Veículo: Valor Econômico