Guerra cambial e OMC

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O governo brasileiro propôs uma discussão na OMC sobre os efeitos do câmbio nas condições de competição das diversas economias. O governo e os empresários têm motivos especialmente fortes para se preocupar com a questão. A forte valorização do real tem prejudicado severamente os produtores nacionais, dificultando suas vendas ao exterior e ao mesmo tempo facilitando o acesso dos estrangeiros ao mercado nacional. Real valorizado significa, em termos comerciais, produtos brasileiros mais caros e maior dificuldade para concorrer globalmente. Pouca atenção se deu, no entanto, às questões cambiais na elaboração das normas internacionais de comércio. Isso torna pouco eficiente - e inútil, na maior parte dos casos - qualquer esforço para combater a manipulação cambial ou para limitar as oscilações de valor das moedas.

O governo sabe disso, mas há algum tempo insiste em levar a discussão sobre o câmbio ao principal fórum do comércio internacional, a OMC. Em abril, a representação do Brasil fez circular entre os membros da organização um documento sobre a questão cambial, chamando a atenção para os efeitos das políticas fiscais e monetárias adotadas em vários países a partir de 2008/2009, na fase inicial da crise.

Algumas dessas medidas afetaram fortemente os fluxos internacionais de capital e produziram efeitos no mercado de câmbio. O governo brasileiro tem mostrado especial preocupação com a política monetária americana. Como os estímulos fiscais foram insuficientes para reativar a economia dos EUA, coube ao Federal Reserve (Fed, o banco central americano) uma responsabilidade extra na tentativa de impulsionar os negócios e criar empregos.

Os juros foram mantidos perto de zero e, além disso, houve duas etapas de "afrouxamento quantitativo" - compras maciças de títulos do Tesouro em circulação no mercado. Para comprar os papéis, o Fed emitiu enorme volume de dinheiro. Para a segunda rodada, concluída em junho, foram emitidos US$ 600 bilhões.

Essa estratégia resultou numa inundação de dólares no mercado internacional. Parte foi destinada a especulações com produtos básicos. Outra parte foi aplicada em operações financeiras e em investimentos em economias emergentes, como a brasileira. O efeito sobre o câmbio de várias economias foi muito forte e a valorização do real foi um entre vários casos.

A contrapartida - a desvalorização do dólar - obviamente beneficiou os produtores americanos. Intencional ou não, essa política foi descrita como guerra cambial pelo ministro Guido Mantega. A expressão "guerra" pareceu adequada, em alguns momentos, porque vários governos decidiram reagir com intervenções no câmbio. Mas guerra cambial - se existe alguma - tem sido travada há vários anos pela maior potência emergente, a China. Há muito tempo o yuan vem sendo mantido subvalorizado e, apesar de pressionado pelos governos das maiores potências ocidentais, o governo chinês mantém sua política praticamente inalterada. A valorização do yuan, a partir da anunciada mudança de política em 2005, foi praticamente irrelevante.

A nova fase da crise, com a piora das perspectivas na Europa e nos EUA, trouxe mais insegurança aos mercados de câmbio. No Brasil, a instabilidade no movimento de capitais tem valorizado o dólar, nas últimas semanas, e reduzido o desajuste cambial. Mas qualquer prognóstico sobre a evolução das cotações é muito arriscado. O quadro pode mudar muito rapidamente.

A insegurança cambial permanecerá por muito tempo e a discussão na OMC dificilmente produzirá qualquer efeito prático num prazo razoável para os países mais prejudicados. Os fóruns mais apropriados para o debate são ainda o FMI e o G-20. Mas a eficácia do G-20 como órgão de coordenação de políticas tem sido muito menor, de um ano para cá, do que no início da crise, em 2008/2009. Com maior realismo, o governo brasileiro deveria concentrar-se na solução de outros problemas de competitividade, principalmente aqueles vinculados aos custos internos de investimento, produção e exportação.


Veículo: O Estado de S.Paulo


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