O aumento do custo salarial na China e as medidas de proteção adotadas pelo governo brasileiro contra a importação de produtos chineses geram uma presença mais forte de outros fornecedores do Leste Asiático na pauta de compras externas de produtos têxteis, vestuário e calçados, feitas pelo Brasil. A presença de produtos importados desses segmentos tem se intensificado devido à valorização do real, combinada com o aumento da massa salarial do país.
De janeiro a agosto deste ano, dados do Ministério do Desenvolvimento apontam aumento de compras desses segmentos na Indonésia, Vietnã, Tailândia e Bangladesh. Para analistas, essas economias do Leste Asiático estão ganhando fatias do mercado brasileiro, antes ocupadas pelas importações procedentes da China.
O setor de vestuário é o que registrou maior crescimento de importações com origem nesses países. De janeiro a agosto de 2007, as compras brasileiras no segmento, feitas na Indonésia, Vietnã e Bangladesh, somavam US$ 55,9 milhões, valor correspondente a 10,5% do total no período, e 18,5% do que foi vendido pela China.
Em 2011, até agosto, as importações do segmento com origem nos três países saltaram para US$ 323 milhões, o que fez a participação quase dobrar, avançando para 19,2% do total importado e 37% do fornecido pelos chineses.
A Indonésia foi o país que mais aumentou as vendas (81,6%) em vestuário no período, faturando US$ 92,6 milhões. Vietnã, o segundo maior exportador, com US$ 147 milhões, cresceu 47,5%. As exportações de Bangladesh tiveram alta de 79,5% no período.
Segundo levantamento feito pela LCA Consultores, em julho de 2010 a participação no mercado doméstico do vestuário importado era de 6,3%. No mesmo mês de 2011, subiu para 10,7%.
Em calçados, a Indonésia registrou o maior aumento de vendas para o Brasil no período, se aproximando da China, segunda maior exportadora, com US$ 73 milhões e alta de 18,7%. Os indonésios ampliaram as vendas em 90%, chegando a US$ 68,5 milhões.
O Vietnã, maior exportador de calçados, com US$ 124 milhões e crescimento de 45,4%, também ajudou a diminuir a participação da indústria nacional no mercado interno: de 8,7%, em julho de 2010, o índice de penetração do produto estava em 9,9% em julho deste ano.
De acordo com Fernando Ribeiro, economista-chefe da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), apesar de a China ainda ser a principal fornecedora aos brasileiros, está havendo um deslocamento nesses setores de mão de obra intensiva em direção a economias que conseguem oferecer maiores margens de lucros às empresas. "Esse é um movimento que deve se acentuar, pois são produtos em que os salários são o maior custo. Os chineses e a indústria brasileira devem perder espaço", prevê Ribeiro.
Welber Barral, sócio da M Jorge Consultores, concorda com Ribeiro, mas ressalta que parte dessa mudança é uma forma de as empresas chineses burlarem restrições antidumping que vêm sofrendo. Algumas chegam a falsificar a origem dos produtos. "Em calçados, esse movimento é mais claro. É só olhar os números do Vietnã. Muitas empresas só abrem uma fábrica de fachada no país e colocam o cadarço. Todo o resto é feito na China", diz.
Os chineses, que representavam 67% de todas as exportações de calçados para o Brasil nos oito primeiros meses de 2007, viram o número cair para 21,9% no mesmo período deste ano. Já Vietnã e Indonésia, somados, saíram de 21,3% do total de exportações, há quatro anos, para 58,3% nos dias atuais.
O setor têxtil, que abrange maior variedade de produtos, vê uma penetração maior de países do Leste Asiático, mas uma China também em ascensão. A Indonésia, quarta exportadora, cresceu 19% (US$ 219 milhões), a Tailândia, 29,7% (US$ 66,7 milhões) e o Vietnã 34,7% (US$ 38,3 milhões).
Em comparação com 2007, esses três países somados aumentaram de 17,3% para 29,1% a fatia no total importado pelo Brasil em têxteis. Os chineses, com R$ 1,13 bilhão em vendas ao Brasil, seguem na liderança, com 35,5% do total, ante 27,2% há quatro anos.
Três fatores explicam a entrada dos asiáticos no mercado brasileiro: a estratégia das grandes varejistas, o aumento gradativo da massa salarial e câmbio favorável. Para Bráulio Borges, economista-chefe da LCA, os varejistas se aproveitam da mudança de eixo na produção. "Lojas como Marisa, Riachuelo e Pernambucanas terceirizam a produção, que está migrando para o Leste Asiático", afirmou. "Esses países estão se beneficiando do enriquecimento chinês, que encarece a mão de obra intensiva do país."
A indústria brasileira, segundo ele, não tem como competir com a legislação trabalhista mais frouxa desses países, os salários mais baixos e o real valorizado. "Para esses setores ficarem competitivos, o dólar teria que estar perto de R$ 3,50, o que é impensável", diz Borges.
Domingos Mosca, da Associação Brasileira de Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), se mostra otimista em relação à a recuperação das empresas brasileiras. "O novo patamar que o dólar deve atingir, de R$ 1,80, vai trazer mais competitividade."
Veículo: Valor Econômico