Economia com juros no próximo ano pode ser mais modesta que o previsto

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O atual ciclo de redução da taxa Selic deve ajudar a diminuir os gastos com juros como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem, mas quem esperar uma economia muito significativa tende a se decepcionar. Nos últimos anos, o custo efetivo da dívida pública descolou-se da Selic, destacam especialistas em contas públicas como José Roberto Afonso, consultor do Senado.

As projeções atuais das instituições ouvidas semanalmente pelo Banco Central apontam para despesas com juros de 5,5% do PIB neste ano e de 4,8% do PIB no ano que vem, considerando as estimativas para o superávit primário e o déficit nominal (que inclui gastos com juros). Em reais, os valores não ficam muito distantes - R$ 226 bilhões em 2011 e R$ 218 bilhões em 2011 -, por causa da evolução do PIB em valores nominais.

Se houver repetição do que ocorreu em 2009, a economia com juros será mais modesta do que se desenha nessas previsões. Naquele ano, a Selic média ficou em 9,9% ao ano, quase 21% menos que os 12,5% de 2008, mas os gastos com juros pouco se alteraram - caíram de 5,5% do PIB em 2008 para 5,4% do PIB em 2009, um recuo inferior a 2%. Se confirmado o pequeno impacto, os cortes da Selic não abrirão espaço para uma alta forte dos investimentos da União, que consomem pouco mais de 1% do PIB, ou um reforço dos gastos sociais. Uma queda das despesas com juros de 0,7% do PIB, dos estimados 5,5% do PIB em 2011 para 4,8% do PIB em 2012, equivaleria a quase duas vezes os gastos do Bolsa Família (cerca de 0,4% do PIB ao ano).

O descasamento entre a Selic e o custo efetivo da dívida tem sido influenciado pela acumulação de reservas internacionais e pelos empréstimos concedidos pelo Tesouro aos bancos públicos, especialmente o BNDES. Essas políticas aumentaram o fosso entre a remuneração dos créditos e dos débitos do setor público, assim como de seus prazos. Há uma diferença expressiva entre a Selic e a taxa implícita, que mede o custo efetivo da dívida líquida. Nos 12 meses até setembro, a taxa implícita ficou em 16,7% ao ano, bem acima dos 11,5% da Selic (ler ao lado).

"A Selic não é mais a balizadora direta do tamanho e das tendências dos gastos com juros do setor público brasileiro", diz Afonso, observando que, entre 2003 e 2010, a taxa Selic média caiu de 23,36% para 9,75% ao ano, um recuo de 13,6 pontos percentuais, ou 58% em termos relativos. No mesmo período, os gastos com juros caíram de 8,51% para 5,3% do PIB, pouco mais de 3 pontos percentuais do PIB, ou 36%. Para ele, é um erro apostar que as despesas com juros vão cair com força daqui para frente, mesmo com a queda da Selic. Essa conta considera o saldo entre juros pagos e recebidos pelo setor público, formado por União, Estados, municípios e algumas estatais - Petrobras e Eletrobras estão fora.

"No passado recente, houve crescente divórcio entre taxa e gasto. Quando a Selic recuou, anos atrás, o gasto não caiu no mesmo ritmo. Depois, quando a taxa voltou a subir, o gasto cresceu à frente", escreve o economista, no texto "Selic e Gastos Públicos Com Juros: A Taxa Básica Que Cada Vez Menos Baliza".

Afonso diz que considera bem-vinda a queda do juro básico, avaliando que o BC agiu corretamente ao iniciar o corte da Selic em agosto, uma vez que a economia dá sinais de desaceleração significativa. O seu ponto é que o recuo da Selic não vai abrir o espaço fiscal para grandes aumentos de despesas com investimentos ou programas sociais, como muitos imaginam.

As previsões dos analistas quanto aos gastos com juros são bastante díspares. O economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, acredita que eles podem recuar de 5,7% do PIB em 2011 para 4,9% do PIB em 2012, uma queda razoável, ao passo que a MB Associados projeta dispêndios de 6,1% do PIB neste ano e 6,3% do PIB no próximo. Salto vê impactos fiscais favoráveis da queda da Selic no curto prazo, mas, por não ver mudanças estruturais na política fiscal, diz que esses eventuais ganhos tendem a ser limitados. Ele aposta que a Selic, depois de cair dos atuais 11,5% para 10,5% até o começo de 2012, voltará a subir em outubro, fechando o ano que vem em 11,5%.

Afonso ressalta que o divórcio entre a Selic e as despesas financeiras "vai além de uma curiosidade estatística", resultando da combinação de políticas adotadas nos últimos anos. Uma delas é a expressiva acumulação de reservas, que ganhou força a partir de 2006, para evitar uma valorização ainda mais forte do câmbio. Desde o fim de 2005, subiram de US$ 54 bilhões para mais de US$ 350 bilhões.

"Essa acumulação de reservas tem custo fiscal enorme", diz o professor Márcio Garcia, da PUC-Rio. Ao comprar dólares, o BC injeta reais na economia, que são enxugados por meio de operações de venda e recompra de títulos públicos, as chamadas operações compromissadas. As reservas são aplicadas no exterior, a taxas baixíssimas, ao passo que o custo para o setor público tem a Selic como grande referência.

Os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos também contribuem para elevar a taxa implícita e afastá-la da Selic, ressaltam Afonso e Garcia. Em 2007, os créditos ao BNDES eram de R$ 6,6 bilhões, valor que hoje supera R$ 280 bilhões. Para emprestar ao banco, o Tesouro emite títulos corrigidos em grande parte pela Selic, ficando com créditos junto ao BNDES vinculados à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 6% ao ano.

Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), enfatiza ainda que desde 2003 o Tesouro aumentou a venda de títulos prefixados, tornando uma parcela substancial da dívida menos sensível à queda da Selic. Entre 2003 e 2011, a parcela da dívida líquida prefixada passou de 9,8% para 42,8%. Essa alta dos prefixados fez o ritmo de queda da taxa implícita ser menos expressivo do que o tombo do juro básico. Isso ocorre porque a rentabilidade dos prefixados é definida no momento da emissão dos títulos. Almeida, assim como Salto, ressalta o impacto da acumulação de reservas e das operações de crédito ao BNDES para a discrepância entre a Selic e a taxa implícita da dívida.

Afonso diz que todos esses números mostram a necessidade de se discutir a conveniência de se acumular reservas, assim como da política de empréstimos do Tesouro aos bancos públicos. No segundo semestre de 2010 e no primeiro de 2011, a acumulação de reservas custou R$ 92,8 bilhões, nota ele.


Veículo: Valor Econômico


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