Varejo pede tempo

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Com o crescimento econômico em marcha lenta, a virtual recessão da indústria, o mercado externo ferido, a banca desconfiada do nível de inadimplência, a renda comprometida com pagamento de dívidas e o emprego crescendo mais lentamente, o surpreendente é que a queda do consumo em maio tenha apanhado de surpresa a maioria dos analistas.

O volume de vendas do chamado varejo restrito, que exclui carros, peças, motos e materiais de construção, segundo o IBGE, recuou 0,8% em maio, a maior queda mensal desde novembro de 2008, vindo de 0,7% de alta em abril. Na comparação interanual, o crescimento do varejo de 8,2% pode ter sido o eco da situação anterior da demanda.

Factualmente, o comércio varejista se contraiu pela queda, no mês, das vendas em três dos oito segmentos pesquisados pelo IBGE: móveis e eletrodomésticos (-3,1%, depois de oito aumentos seguidos, dando uma expansão acumulada de 9,9%); combustíveis (-0,8%); e artigos de uso pessoal e doméstico (-0,2%). Com participação relativa de 47,3% na pesquisa do IBGE, o segmento de super e hipermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo é que freou o varejo, potencializando os resultados ruins das três atividades cujas vendas caíram no mês.

Tal segmento cresceu apenas 0,1%, pouco, mas ao menos positivo, já que o volume de vendas de tais itens de consumo havia recuado 0,7% em abril. Mas, dentro dele, o subsetor de supermercados, que vinha de retração de 0,7% em abril, voltou a perder mais 0,2% em maio. Pela ótica da distribuição dos gastos, não parece saudável que as economias ou cortes recaiam justamente sobre a parte representativa do mix de vendas dos supermercados: alimentos e insumos domésticos. É sinal forte de orçamento familiar apertado, consumido, sobretudo, pelo que não consta da pesquisa do varejo: serviços como internet e TV paga, prestação da casa própria, do carro, dividas diversas etc.

Caroço dos novos gastos

A renda disponível encurtou, mas não porque decresceu em termos de poder de compra (função da inflação, que reflui) e do emprego (cuja expansão diminui nos últimos meses, embora continue a superar as demissões). O caroço da renda doméstica é o aumento da rigidez dos gastos com os componentes de serviços. E esse é um evento que pega, proporcionalmente, mais a nova classe média — que vinha liderando o impulso do consumo —, que os extratos superiores de renda.

Os economistas ainda não dão atenção a tal fenômeno, que deve ser o principal fator da perda de ritmo da demanda das famílias, apesar de não explicar o descompasso da indústria e do investimento — dois dos quatro eventos (os outros são a inépcia do investimento público e as incertezas externas) que esfriam o crescimento desde 2011.

Crescimento aditivado

O comportamento do comércio pelo conceito do varejo ampliado, com os dois outros segmentos que completam a pesquisa, todos com tíquete médio elevado, portanto, sensíveis ao crédito, constata a suspeita do orçamento familiar apertado. O item materiais de construção teve queda de 11,3% em maio, pior resultado desde que o IBGE implantou a atual metodologia, em janeiro de 2003.

Já as vendas do segmento de veículos, beneficiado pela redução do IPI em 22 de maio, cresceram 1,5%, embora continuem a mostrar recuo (-2,5%) na comparação anual. O efeito ficou visível em junho (+14%, diz a Fenabrave). O que virá depois do fim do benefício, em agosto?

O varejo ampliado, consolidando seus componentes, encolheu 0,7% em maio e cresceu 4,2% comparado a igual mês de 2011. No acumulado em doze meses até maio, o volume de vendas do comércio total cresceu 5,3%. Para o ano inteiro, a expectativa nessa métrica é de 7%.

Estagnação, mas no topo

O que se assiste pelo movimento do comércio é o resultado defasado da febre consumista, estimulada a partir de 2009 pelo governo Lula. O governo Dilma Rousseff também apelou ao desconto do IPI de bens duráveis, além do alívio do crédito, para tentar manter a dinâmica do crescimento no entorno de 4% a 4,5%. Já não funcionou como antes. E vai funcionar cada vez menos devido à demografia (uma tendência de longo prazo que já explica a queda relativa do número de jovens ingressando no mercado de trabalho frente aos que se aposentam) e à sincronização do consumo dos produtos de maior valor, como carros, graças aos incentivos temporários. O que tem havido, porém, é mais antecipação de consumo que expansão estrutural do comércio.

Tal cenário será rompido com investimento público, com indução ao setor privado para modernizar suas atividades e abrir novas frentes e mesmo com facilidades à imigração. Com coisinhas comuns, do tipo que se vem fazendo, é que a economia não crescerá a taxas gordas.

Aspiração e realidade

O Estado de bem-estar social, apesar de toda sua precariedade, ao lado da infraestrutura arcaica, inferior à demanda que se faz dela (em termos de transportes, energia, hospitais, saneamento), assim como também da indústria em geral, exceto a extrativa, coloca-nos na estranha condição de termos aspiração de economia desenvolvida, convivendo com a realidade de um país em desenvolvimento.

Esse é um desafio que os últimos governos, embora conhecedores das necessidades, preferiram não enfrentar. Os governos FHC enfatizaram o ajuste das contas nacionais. Lula até começou, ao autorizar o seu então principal ministro, Antonio Palocci, a preparar as reformas a que poria em ação depois de 2007, no segundo governo.

O trauma do mensalão interrompeu esse processo. Lula investiu em resultados sociais e em apoios políticos, relegando o papel do PAC, concebido para ser mais que uma lista de obras. Cabe a Dilma buscar o papel transformador do investimento, sem ter o espaço de expansão da economia desfrutado por Lula. Os próximos movimentos virão daí.

 

Veículo: Jornal do Commercio - RJ


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