A aparente contradição entre PIB e emprego

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A economia brasileira parece viver uma aparente contradição. Mesmo com o PIB crescendo no atual biênio bem abaixo do potencial - 2,7% em 2011 e menos de 2% neste ano -, o desemprego continua baixo (5,8%), situação que muitos especialistas classificam como pleno emprego.

Como fazem mensalmente, economistas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV se debruçaram sobre o principal tema da conjuntura para tentar entender o que parece ser um paradoxo. Chegaram à conclusão de que não há explicação fácil nem única. A primeira dúvida sobre o complexo momento que vivemos diz respeito à própria desaceleração do PIB.

Muitos analistas atribuem esse fato ao desaquecimento da demanda, provocado pelo recuo da demanda externa e dos investimentos. O ciclo de estoques da indústria, que chegou ao pico na virada do ano e foi gradativamente sendo eliminado no primeiro semestre de 2012, também seria um indício de demanda fraca.

Não há explicação única para a conjuntura brasileira

Quando se observa a inflação medida em 12 meses, houve recuo de um ponto percentual nos preços dos serviços. Uma parte disso se deve à nova ponderação feita pelo IBGE dos hábitos de consumo dos brasileiros, mas, no geral, a pressão desses preços diminuiu, um sinal de moderação da demanda. Ademais, o aumento da inadimplência, mesmo com o baixo desemprego e a renda elevada, é indicação de que o ciclo do crédito estaria se esgotando. Não se deve subestimar o fato de que as vendas do varejo estão caindo.

É preciso lembrar, ainda, que nos últimos 12 meses o Banco Central cortou a taxa básica de juros (Selic) de 12,5% para 8% ao ano. O processo não acelerou a inflação, mas também não reanimou a economia. O que chama atenção na tese da queda da demanda é o mercado de trabalho, que segue aquecido.

Alguns analistas acreditam que a razão é de natureza demográfica. O mercado de trabalho continua apertado porque o número de entrantes potenciais está diminuindo e não porque a demanda esteja aquecida. Outra visão possível, que confronta a tese do recuo da demanda, é a de que a economia está em pleno emprego e a desaceleração do PIB representa um processo de ajuste estrutural.

Por esse raciocínio, a economia estaria transferindo postos de trabalho do setor industrial para o de serviços. "Na transição, há uma fase em que necessariamente parcelas de capital ficam ociosas na indústria, o que reduz o crescimento pelo lado da oferta. Adicionalmente, como o setor de serviços emprega mais para uma mesma quantidade de capital do que a indústria, a mudança estrutural contribuiu para dar fôlego ao mercado de trabalho. A recomposição setorial explicaria tanto a desaceleração quanto a manutenção de um mercado de trabalho pressionado", diz o diretor do Ibre, Luiz Guilherme Schymura.

A dificuldade dessa tese, aponta Schymura, são os indicadores de desaquecimento da demanda. "Isso torna pouco crível a visão de que os últimos desdobramentos da economia brasileira possam se resumir a um fenômeno apenas do lado da oferta."

Há outras explicações para o suposto descasamento entre PIB e mercado de trabalho. Uma delas, "reiteradamente negligenciada" pelo debate na opinião de Schymura, é a longa defasagem dos efeitos do corte de juros e também do próprio esfriamento da economia.

Do lado do desaquecimento, a indústria, afetada pelo câmbio apreciado, a concorrência dos importados e a alta salarial provocada pelo setor de serviços, foi a primeira a sentir o golpe e está praticamente estagnada há dois anos. Os investimentos não se recuperam por causa da crise de confiança provocada pela turbulência internacional.

Por essa tese, o emprego industrial já estaria sendo afetado e o desaquecimento chegará ao setor de serviços, se espalhando para o mercado de trabalho de forma generalizada. "É precisamente esse passo, que tanto tarda, felizmente, no atual ciclo de negócios, que gera perplexidade entre os analistas", comenta Schymura.

A ideia da defasagem prolongada, acentuada pela mudança estrutural da economia pró-serviços, ganha força. O diretor do Ibre observa que os números do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) revelam que 2012 tem sido o pior ano, desde 2006, em criação líquida de empregos formais. Se isso for uma tendência, haverá problemas mais amplos de emprego nos próximos meses.

Uma outra tese sobre a manutenção do emprego, em meio ao PIB fraco, é a de que, dada a forte absorção de novos trabalhadores nos anos recentes, restaram desocupados com baixa qualificação, desestimulando contratações formais adicionais. Uma outra hipótese seria a de que as empresas estariam retendo empregados, esperançosas de que a "recessão" seja temporária, um sentimento estimulado pelo governo.

As razões da retenção seriam variadas - elevados custos de contratação, treinamento e demissão; custos de manutenção de estoques superiores aos de manutenção de trabalhadores; baixa disponibilidade de mão de obra qualificada. A retenção, em meio ao desaquecimento da economia, tem um efeito colateral, embora temporário: a queda da produtividade, como vem ocorrendo.

O risco, no caso da retenção de mão de obra, é o de uma reversão rápida e brusca, motivada pela desistência das empresas em esperar pela recuperação da economia. Nessa hipótese, a taxa de desemprego subiria rapidamente, podendo jogar o mercado de trabalho num ciclo vicioso.

"Se a razão para o alto nível de emprego for demográfica, e, portanto, fundamentalmente de oferta, nada há a fazer", diz Schymura. "Por outro lado, se consiste num ajuste estrutural da composição dos setores da economia, aceitá-lo ou tentar neutralizá-lo parcial ou totalmente depende da estratégia econômica do ponto de vista mais amplo. Num foco mais imediato, uma mudança desse tipo pode até ajudar a preservar o consumo no ponto mais fraco do ciclo econômico - já que o aumento relativo do setor de serviços é gerador de emprego e, portanto, de renda. Uma vez concluída a transição, no entanto, essa benesse cíclica cessará, e, se esse momento coincidir com um período de economia ainda combalida, pode precipitar uma piora ou até mesmo recessão", adverte ele.



Veículo: Valor Econômico


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