Política industrial com conteúdo nacional

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Determinar a preferência por fornecedores locais faz sentido, se houver prazo de validade para os incentivos e metas de eficiência para as empresas brasileiras.

 
O governo deve anunciar, nos próximos dias, o novo regime automotivo, ansiosamente aguardado pela indústria automobilística, pela cadeia de autopeças e por montadoras que pretendem estrear no mercado brasileiro. Empresas como a JAC Motors, a britânica Land Rover e a alemã BMW, por exemplo, aguardam a divulgação das novas regras do jogo do setor para definir investimentos vultosos no País. Hoje, a indústria automotiva segue um índice de nacionalização de 65%, em média, incluindo custos com publicidade e marketing. O plano da presidenta Dilma Rousseff é eliminar despesas alheias ao chão de fábrica, considerando apenas partes e peças como conteúdo nacional, de modo a privilegiar parcerias com fornecedores locais.

Quem não seguir a orientação terá de pagar 30 pontos percentuais a mais de IPI do que seus concorrentes. A estratégia para o setor de veículos segue a política adotada para a cadeia de petróleo e a indústria naval e pode ser ampliada para as empresas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Não por acaso, são setores que dependem de insumos importados, o que desequilibra a balança comercial brasileira. Dessa forma, a preferência pelo conteúdo local faz sentido, pois resolveria dois problemas ao mesmo tempo: reduzir a dependência de importações e criar uma dinâmica favorável ao setor produtivo brasileiro. Na prática, porém, sua aceitação está longe de ser unânime. A começar pelo setor automotivo.

“A queda de braço entre governo, montadoras e autopeças é pesadíssima”, disse à DINHEIRO um dos empresários que participam das negociações com Brasília. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfanvea) tem argumentado que a indústria de autopeças não está preparada para expandir sua produção. A afirmação é contestada pelos fabricantes. “Os fornecedores brasileiros têm capacidade técnica e estrutura para produzir qualquer peça que atualmente é importada”, diz Antonio Carlos Reinholz, presidente da Click Automotiva, de Valinhos, interior de São Paulo, que fabrica tampas de combustíveis.

 
INVESTIMENTOS

Amargando queda de receita de 13,2%, de janeiro a maio deste ano, as empresas de autopeças enxergam a oportunidade de dar uma guinada e compensar os investimentos que estão sendo feitos nos últimos anos. O Grupo Delga, especializado em estamparia para carrocerias e chassis, está construindo sua sexta unidade em Jarinu, no interior de São Paulo, com inauguração prevista para 2013. Já a Click Automotiva investiu, nos últimos dois anos e meio, US$ 4 milhões na aquisição de máquinas e na ampliação do parque fabril. “O setor nunca parou de desenvolver suas fábricas, mesmo nos períodos de vacas magras”, afirma Reinholz. “Está chegando a hora de colher os frutos.”

Um bom exemplo nessa direção foi dado na indústria de petróleo e gás. A preferência local garantiu o desenvolvimento de centenas de pequenos fornecedores da Petrobras. Criado em 2003, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp) incentiva empresas brasileiras a fornecer para a companhia estatal. O programa conseguiu aumentar a participação dos fornecedores nacionais em projetos importantes. Nas plataformas, o conteúdo local saiu de 52% em 2003 para os atuais 65%. O favorecimento da Petrobras a uma cadeia nacional, porém, tem gerado discussões calorosas sobre a sua real eficiência. A empresa já foi questionada se os atrasos em projetos não seriam decorrentes da política nacionalista.

A presidenta Graça Foster negou essa relação, lembrando que encomendas de sondas de perfuração, feitas no Exterior, tiveram atrasos inaceitáveis, de mais de 600 dias (leia mais sobre a Petrobras aqui). A temperatura dos debates a respeito do assunto sobe cada vez que se recorda que o País já adotou políticas semelhantes, nos anos 1970. Naquela época, o Brasil chegou a ter a segunda indústria naval do mundo. “Mas, quando veio a crise do petróleo, em 1979, os recursos que financiavam os programas de conteúdo local terminaram e o País foi incapaz de continuar competindo”, diz o professor Mauricio Canêdo, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro. A Coreia do Sul e a Noruega utilizaram estratégias semelhantes com sucesso porque tinham um horizonte muito bem definido, incluindo metas de qualidade.

As empresas beneficiadas que não atingiam os parâmetros determinados pelo governo perdiam incentivos. “A boa política industrial tem data para terminar, até que o setor beneficiado caminhe pelas próprias pernas”, afirma Canêdo. Caso contrário, alerta, há o risco de empurrar a indústria nacional para uma zona de conforto, garantindo uma demanda cativa, sem exigir contrapartida de eficiência. O CEO do Grupo Keppel, Choo Chiau Beng, de Cingapura, diz que os incentivos para a indústria naval deveriam durar, no máximo, dez anos. “Caso contrário, as empresas nunca vão se tornar eficientes”, afirma. Beng, em todo caso, elogia a iniciativa brasileira. A Keppel é dona do estaleiro Brasfels, de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e do TWB, de Navegantes, em Santa Catarina, e é fornecedora da Petrobras.

INOVAÇÃO

Até o momento, o governo não sinalizou um prazo de validade para a política de conteúdo local. Mas tem procurado investir em programas que ajudem a qualificar os fornecedores. Foi programado para a segunda-feira 13 o lançamento do projeto Inova Petro, uma parceria entre a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o BNDES, com um orçamento de R$ 3 bilhões para o desenvolvimento de tecnologia nacional para a indústria do petróleo. Já para a indústria automobilística, o novo regime deve estabelecer incentivos a quem investir em novas tecnologias. Os técnicos do governo estudam, inclusive, a criação de linhas de financiamento para investimentos em inovação.

Para Luis Gonzalo Souto, diretor-geral da Metalpó, que fabrica insumos para autopeças, a perspectiva é bem-vinda. “Podemos ter ganhos tecnológicos importantes”, diz Souto. Guardadas a sete chaves pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, as novas regras deverão ser anunciadas logo que a presidenta Dilma sancionar as medidas provisórias do Plano Brasil Maior, aprovadas pelo Senado na semana passada. Segundo a DINHEIRO apurou, o índice de nacionalização de peças deve ficar entre 55% e 65%. Para o diretor da Citroën no Brasil, Francesco Abbruzzesi, o percentual está adequado.“Estamos bem tranquilos, pois fabricamos carros no Brasil com componentes nacionais”, afirma.

A montadora acaba de lançar o novo C3, que tem 76% de conteúdo local. A política industrial de Dilma é ambiciosa ao eleger muitos setores ao mesmo tempo, o que desperta preocupações sobre a capacidade de monitorar os níveis de eficiência das cadeias produtivas. Mas, se bem conduzida, pode induzir os fabricantes brasileiros a darem um salto de qualidade. No entanto, esses incentivos não podem substituir outras políticas horizontais de competitividade. “Se falta mão de obra, se os impostos são altos e se a infraestrutura é inadequada, não adianta pensar em política de conteúdo local como remédio de todos os males”, diz Canêdo. “Se sua gravata está rasgada, não é um sapato novo que vai resolver o problema.”

 
Revista Isto É Dinheiro


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