Com pacote de R$ 133 bi, União reduz presença em transportes

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Em gesto sem precedentes nas administrações petistas, a presidente Dilma Rousseff anunciou ontem pacote de concessões de rodovias e ferrovias que prevê investimentos privados de R$ 133 bilhões nos próximos 25 anos, dos quais praticamente R$ 80 bilhões serão desembolsados nos primeiros cinco anos de contrato. O pacote engloba a transferência para a iniciativa privada de 7,5 mil quilômetros de rodovias, com novas regras para o início da cobrança de pedágio, e a construção ou modernização de 10 mil quilômetros de linhas ferroviárias.

"Meu governo reconhece as parcerias com o setor privado como essenciais à continuidade e à aceleração do crescimento", disse Dilma, em cerimônia no Palácio do Planalto, aplaudida por dez governadores e um batalhão de grandes empresários. Sem fazer referência explícita aos governos do PSDB, acusados constantemente de "privatistas" em campanhas eleitorais, a presidente buscou acentuar uma diferença no discurso que fez. "Não estamos desfazendo de patrimônio público para acumular caixa ou reduzir dívida. Estamos fazendo parceria para ampliar a infraestrutura do país, para beneficiar sua população e seu setor privado, para saldar uma dívida de décadas de atraso em investimentos em logística", afirmou.

Para amarrar todos os projetos e dar uma visão "integradora" às necessidades de transportes, o governo resolveu criar um novo órgão: a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), que será presidida por Bernardo Figueiredo, ex-diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e alçado à condição de principal conselheiro de Dilma na área de infraestrutura.

A estatal fará estudos e conduzirá o planejamento não só de rodovias e ferrovias, mas também de portos e aeroportos, à semelhança do extinto Geipot - criado no regime militar, quando o país vivia um período inédito de investimentos em transportes.

O Programa de Investimentos em Logística, nome oficial do pacote anunciado por Dilma, lançou 7,5 mil quilômetros em concessões de rodovias - são 5,7 mil quilômetros em sete lotes novos e 1,8 mil quilômetros em dois lotes, a BR-040 (Brasília-Juiz de Fora) e a BR-116 (Minas Gerais), que já estavam com a licitação em andamento. Os trechos novos ganharam um cronograma bem definido: realização de audiências públicas em janeiro, publicação dos editais em março, leilões em abril e assinatura dos contratos até julho de 2013.

O ministro dos Transportes, Paulo Passos, ressaltou uma diferença básica das novas concessões: as empresas que assumirem a administração das rodovias só poderão iniciar a cobrança de pedágio quando 10% das obras tiverem sido executadas. Da malha total que será leiloada, 5,7 mil quilômetros requerem investimentos em duplicação de pistas, como os trechos da BR-101 entre Porto Seguro e Salvador (na Bahia), da BR-050 entre Cristalina e Uberlândia (Goiás e Minas Gerais) e quase todo o caminho entre Anápolis e Palmas pela BR-153 (Goiás e Tocantins). Ao contrário de concessões feitas antes, o tráfego nessas estradas é principalmente de cargas, e não de veículos de passageiros.

"A seleção do vencedor se dará pela menor tarifa de pedágio", disse Passos, explicando que o critério de disputa no leilão continuará sendo o mesmo. Logo em seguida, ele deixou claras algumas diferenças. Uma delas é que o investimento está concentrado nos cinco primeiros anos de contrato. "Não será cobrada tarifa na área urbana e os concessionários responsáveis pelos trechos somente poderão começar a cobrar pedágio quando tiverem concluído pelo menos 10% das obras de concessão em suas respectivas áreas de responsabilidade", acrescentou.

Com isso, o governo busca evitar as dores de cabeça que teve, por exemplo, com a OHL, vencedora de cinco dos sete lotes de rodovias concedidas em 2007 - incluindo Fernão Dias e Régis Bittencourt. Até hoje, a regra para o início da cobrança de pedágio era a execução de "serviços iniciais" nos seis primeiros meses de contrato, um trabalho que se resumia a pouco mais do que a poda de vegetação e um tapa-buracos. Os principais investimentos da empresa espanhola ainda não saíram do papel.

Na parte de ferrovias, o programa de concessões foi dividido em duas fases. A primeira etapa tem 2,6 mil quilômetros de extensão, leilão em abril e assinatura dos contratos até julho do ano que vem. Ela contempla seis trechos. Estão na lista um prolongamento da Norte-Sul - com administração privada - até o porto de Vila do Conde (PA), desobrigando os usuários da atual ferrovia a usar os trilhos da Vale, que seguem até o porto de Itaqui, no Maranhão. Está prevista ainda uma nova linha que corta a fronteira agrícola do Centro-Oeste, ligando Uruaçu (GO) a Lucas do Rio Verde (MT), principal região produtora de soja do país.

Nenhum outro anúncio teve o simbolismo do Ferroanel de São Paulo. Imaginado como obra pública desde o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e com conclusão prometida para 2010, com inúmeros atrasos, o projeto jamais conseguiu ir para a frente. Agora, numa só tacada, o governo anunciou a concessão dos trechos norte e sul. "É o maior gargalo que temos hoje na malha brasileira", disse Rodrigo Vilaça, presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Hoje, as composições que chegam à região metropolitana de São Paulo precisam esperar horas paradas, até que se abram "janelas" de operação na malha usada também para o transporte de passageiros.

A segunda etapa de concessões de ferrovias, com 7,4 mil quilômetros de extensão, tem leilões previstos para junho e assinatura dos contratos até setembro de 2013. Envolve trechos como Rio-Vitória e Belo Horizonte-Salvador, além da modernização da linha São Paulo-Rio Grande (RS). A Valec, conforme antecipou o Valor, deixará de construir as malhas, que serão concedidas. Caberá à estatal comprar essas ferrovias prontas e depois vender a capacidade de carga de transportes das linhas, remunerando, assim, a manutenção das vias.

O papel do BNDES será relevante na implantação do pacote, mas envolve condições diferentes, dependendo do setor. Nas rodovias, o financiamento prevê juros TJLP mais 1,5% ao ano, no máximo. Há três anos de carência e amortização do empréstimo em até 20 anos. Nas ferrovias, a previsão é de TJLP mais 1% ao ano, no máximo. Os demais prazos são maiores: cinco anos de carência e até 25 anos de amortização. Em ambos os casos, o BNDES financiará até 65% do investimento.



Veículo: Valor Econômico


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