O Banco Central decidiu ontem deixar claro seu desconforto com a alta recente do dólar.
Em raro recado público, o diretor de Política Monetária, Aldo Mendes, disse que "o dólar está acima" e que "há gordura na taxa". As declarações de Mendes, depois de participar de um seminário na Fundação Getúlio Vargas, no Rio, contribuíram para que o dólar recuasse 0,43% ontem, para R$ 2,078. Desde maio, o governo tem atuado para manter a moeda entre R$ 2 e R$ 2,05.
Embora o Banco Central negue a existência de uma faixa de flutuação para o dólar, o mercado vê sinais de uma banda informal de câmbio. Seguidas intervenções e comentários das autoridades do BC têm limitado os preços da moeda. No fim de novembro, o presidente do BC, Alexandre Tombini, havia dito em audiência pública no Congresso que não há banda de variação para o dólar. Mas disse que não deixaria o País "virar uma praça de esvalorização" da moeda.
Depois do resultado fraco da economia no terceiro trimestre, anunciado há 11 dias, a cotação da moeda americana disparou. Investidores apostaram que o governo deixaria o real se desvalorizar para ajudar a indústria. Mas uma desvalorização do real pressiona a
inflação, por causa da alta dos produtos importados.
Na semana passada, um dirigente do BC disse à Agência Estado, sem permitir que seu nome fosse identificado, que "há espuma no câmbio". Agora, Mendes veio a público reclamar da "gordura na taxa". O dólar perdeu terreno depois das declarações.
Para evitar a interpretação de que o governo trabalha com uma meta de banda cambial, Mendes referiu-se a "modelos de câmbio" que, segundo ele, diferem dos adotados pelo mercado.
Nathan Blanche, sócio da consultoria Tendências, chama a atenção para um dos modelos mais utilizados: a comparação do câmbio real (o preço do dólar descontada a inflação dos últimos 12 meses) com o câmbio real de equilíbrio (que compara as cotações com as de uma cesta de moedas). Em outubro, o câmbio real estava 15,2% acima do real de equilíbrio.
No entanto, se a "gordura" citada por Mendes equivaler a essa diferença, Blanche duvida que, na atual política cambial, o governo deixe o BC atuar para permitir um dólar mais baixo nessa proporção. Em sua visão, o câmbio é administrado. Mas, pior que acabar com a flutuação, é a falta de uma política cambial clara, com excesso de intervenção.
Para o economista Sidnei Nehme, diretor executivo da corretora NGO, foram prejudiciais sobretudo as medidas adotadas no início do ano, restringindo a tomada de empréstimos no exterior e o adiantamento para exportações. Nesse contexto, se o mercado de câmbio funcionar por si, sem intervenção do BC, a tendência seria de alta do dólar. Mas é preciso monitorar a inflação.
Veículo: O Estado de S.Paulo