Ao atacar o ministro da Fazenda brasileiro, a revista britânica The Economist ignorou seus acertos na condução da economia e ajudou a fortalecê-lo dentro do governo Dilma. Saiba por quê.
Cena 1: Em 5 de dezembro, o ministro das Finanças do Reino Unido, George Osborne, divulgou uma notícia que não ajudou em nada a melhorar o já abalado humor dos britânicos. Durante sessão no Parlamento, Osborne informou que tinha errado suas previsões para o PIB de 2012. Em março, ele previra um crescimento de 0,8%. Na ocasião, sua bússola indicava que o PIB sofreria uma queda de 0,1%. O erro se traduz em mais sacrifício da população.
Cena 2: Em 6 de dezembro, o Bundesbank, o banco central alemão, anunciou que também tinha errado suas previsões para o PIB de 2012. O vetusto BC alemão tinha previsto 1% de crescimento, mas o número será menor, de 0,7%. Para 2013, a projeção era de um crescimento de 1,6%, mas também foi revista para apenas 0,4%. Só daqui a dois anos, em 2014, a economia na terra de Angela Merkel irá crescer 1,9%.
A revista semanal britânica The Economist é um ícone no mundo dos negócios. É lida pelos mais influentes financistas, empresários e políticos do planeta. Sem o risco de cometer exageros, a semanal é tida como a bíblia da economia. Em 6 de dezembro, uma quinta-feira, a tradicional publicação, criada em 1843, estampou um editorial pedindo a cabeça do ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega. O argumento é que os investidores tinham perdido a confiança no País diante de tantas projeções otimistas de Mantega, que não se concretizaram. As críticas giravam em torno do fato de a economia ter crescido 0,6% no terceiro trimestre, a metade do previsto por ele. A poucas quadras da sede da The Economist, em Londres, fica a sede do Parlamento, onde o ministro das Finanças do Reino Unido assumiu o erro de previsão do PIB.
A semanal britânica, que teve a ousadia de sugerir à presidenta Dilma Rousseff a demissão de seu homem-forte da economia, não fez o mesmo com o primeiro-ministro britânico, David Cameron. Não pediu a cabeça de George Osborne por ele ter errado suas previsões para o PIB, nem fez nenhuma referência ao erro do Banco Central alemão. Toda a artilharia está concentrada em Mantega e em Dilma, que a revista chama de intrometida-chefe: “A preocupação é de que a presidenta seja, ela própria, uma intrometida-chefe. Ela insiste que é pragmática. Se for, deve demitir o senhor Mantega, cujas projeções otimistas demais perderam a confiança dos investidores, e nomear uma nova equipe capaz de ganhar a confiança das empresas.” A The Economist tem e deve exercer a liberdade de falar de quem quiser e fazer as sugestões que passarem pela cabeça de seus editores.
Essa é uma das suas principais marcas. A semanal já disse que a economia da França era uma bomba prestes a explodir, manifestou apoio à reeleição de Barack Obama nos Estados Unidos sem o mesmo entusiasmo de quatro anos atrás, e, em alguns casos, não poupou elogios. Há três anos, por exemplo, estampou na capa o Cristo Redentor sendo lançado para o céu como um foguete para retratar a ascensão econômica do Brasil. E quem estava à frente da economia naquele momento? O mesmo Guido Mantega a quem, hoje, a revista pede para sair, como se fosse o técnico da seleção inglesa por não ter acertado o resultado do último jogo.
NINGUÉM ACERTOU Mantega não foi o único a errar a previsão do PIB. Na véspera do resultado, o ministro teve acesso a 50 previsões de analistas de instituições financeiras e consultorias. O palpite mais pessimista atribuía um crescimento de 0,9% do PIB no terceiro trimestre. O próprio Banco Central tinha divulgado dias antes uma estimativa de crescimento de 1,2%. E foi baseado nessas projeções que Mantega fez sua aposta. “Pela primeira vez, ninguém conseguiu acertar o resultado do PIB”, diz Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco, que tinha previsto 1,1%. Para ele, pode ter havido problemas de coleta de informação devido a greves de cerca de 40 categorias de servidores públicos no terceiro trimestre.
“Quando 100% dos analistas e o próprio Banco Central erram, com base em indicadores antecedentes, temos, no mínimo, que nos perguntar se pode ou não ter havido algum acidente de medição no dado do terceiro trimestre”, afirma Barros. “Discrepância dessa magnitude é muito rara”. Mantega chegou a questionar o IBGE em relação aos dados referentes aos gastos públicos com saúde e educação. Criticado por ter feito esse questionamento, preferiu não voltar ao assunto. Ele não quer ser acusado de mudar o termômetro para mascarar a febre. Mas não será uma surpresa se houver uma revisão da estatística. Mesmo que seja revista para cima, não há como negar que ocorrem problemas na economia.
Existe uma crescente insatisfação do empresariado e do mundo financeiro com a distância e o jeito duro do governo de tratar o setor privado. Em seus últimos artigos, o ex-ministro Delfim Netto, um dos maiores defensores da política econômica do governo, tem manifestado essa preocupação. Em artigo na Folha de S. Paulo, na quinta-feira 12, Delfim afirmou que “o deselegante e injusto” ataque a Mantega partiu de duas premissas falsas. A primeira: o Brasil não estava “bombando” no início de 2011. O PIB caíra 0,3% em 2009 e, por puro efeito estatístico, aumentara 7,5% em 2010. O crescimento médio de 2009-2010 foi de 3,6%, o mesmo número medíocre que vimos obtendo nos últimos 20 anos.
Pede para sair, George!: O ministro das finanças do reino unido, George Osborne, também
errou suas previsões, mas nem por isso a The Economist pediu sua cabeça
A segunda premissa falsa: o ministro não errou sozinho quando sugeriu que o crescimento do terceiro sobre segundo trimestre estaria entre 1,1% e 1,3%. “Analistas financeiros no Brasil e no mundo, inclusive a The Economist acreditavam na mesma coisa”, escreveu Delfim. Segundo ele, o baixo crescimento tem pouca coisa a ver com as políticas monetária, fiscal e cambial. “Tem mais a ver com uma redução dos investimentos gerada por uma desconfiança exagerada entre o setor privado e o governo”, diz. E essa desconfiança dos empresários se deve, em grande parte, ao excesso de intervenções do governo em diversas áreas da economia – um tema caro para a The Economist, ardorosa defensora do liberalismo econômico.
Num dia, é a Petrobras, que não tem liberdade para aumentar os preços da gasolina, e é obrigada a cortar na carne. No outro, é o setor elétrico, que também se mostra contrariado pelas mudanças propostas pelo governo. Pouco tempo atrás foram as punições ao setor de telefonia. Tudo isso, e mais as pressões sobre os bancos, cria um clima de desconfiança no empresariado, que fica mais cauteloso ao tomar a decisão de investir – mas não a ponto de ignorar o potencial de crescimento e de consumo no Brasil (leia reportagens A bola continua no campo e Otimismo à prestação). O recém-anunciado pacote do governo para os portos foi bem recebido pelo setor privado. Muito diferente do pacote anterior, de rodovias e ferrovias, que continha uma cláusula de taxação do lucro em 6%.
É inegável que a quantidade de acertos na economia supera os erros. Há um ano e meio, o governo promove uma revolução silenciosa com a queda dos juros, que, certamente, irá gerar frutos positivos para a economia. Mas não foi só isso. O governo fez concessões de aeroportos, mexeu na previdência pública, mudou as regras da poupança, conteve a valorização do câmbio, incentivou uma maior concorrência no setor bancário, por meio do Banco do Brasil e da Caixa, ao mesmo tempo em que o BNDES concede financiamentos a juros negativos, sem contar os programas de desoneração fiscal para diversos setores.
Tudo isso contribui para a renda do brasileiro continuar crescendo e o Brasil ter hoje a menor taxa de desemprego da história, a despeito do “pibinho” de apenas 0,6%. São esses avanços que ajudam a explicar a aparente contradição entre o PIB e a popularidade da presidenta Dilma, que continua nas alturas: 78%, segundo pesquisa CNI/Ibope divulgada na sexta-feira 14. Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, diz que ninguém sabe muito bem o que significa PIB. “O que importa é se sobra dinheiro para fazer compras e se tem emprego”, afirma. Hoje, no Brasil, há escassez de mão de obra. A reportagem da The Economist simplesmente ignora esse avanços ao chamar a economia brasileira de uma “criatura moribunda”.
Não se pode chamar uma economia de moribunda com taxa de desemprego de 5,7%, bem abaixo dos índices na casa de dois índices dos países europeus. Os sinais da fraqueza econômica da Inglaterra, ao contrário, são mais evidentes. Na semana passada, a Standard & Poor’s reavaliou a classificação de risco de crédito do Reino Unido e decretou “perspectiva negativa”, o que significa que a nota máxima (AAA) pode estar com os dias contados. A mesma S&P reafirmou o otimismo com a economia brasileira. “O rating do Brasil é BBB estável, com viés positivo”, disse Regina Nunes, diretora para a América Latina da S&P na segunda-feira 10.
DILMA REAGE A presidenta Dilma não escondeu sua irritação com a matéria da The Economist. “Em hipótese alguma, o governo brasileiro, eleito pelo voto direto, vai ser influenciado por uma opinião de uma revista que não seja brasileira”, afirmou. “Nunca vi nenhum jornal propor a queda de um ministro.” Dilma tem outro motivo para ficar irritada. A reportagem da The Economist cita, como sua principal fonte, o economista Tony Volpon, diretor de mercados emergentes da corretora Nomura. Maior corretora do Japão, a Nomura sofreu perdas estimadas em US$ 600 milhões, no ano passado, por ter feito apostas erradas no Brasil.
A Nomura investiu pesado nos juros altos e no câmbio valorizado e o que aconteceu foi exatamente o contrario. A The Economist, ao atacar Mantega, deu voz a esse tipo de órfãos do ganho fácil. Por incrível que pareça para a The Economist, Mantega acertou muito mais do que errou as previsões sobre o PIB. Em 2006, por exemplo, seu primeiro ano, não foram poucos os que desdenharam da sua projeção de que o País iria crescer 4%. Na mosca. Em 2007, Mantega previu 5,5%, mas o número foi até maior, de 6,6%. Já em 2008, bateu na trave. Mantega previu 5,5%, e deu 5,2%. Depois, com a crise, as bússolas perdem o rumo, principalmente quando a origem da tormenta são os Estados Unidos. Uma coisa é certa. Se o alvo da The Economist foi Guido Mantega, o tiro saiu pela culatra. O editorial e a reportagem só ajudaram a fortalecê-lo.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro