A forte desvalorização do câmbio desponta como a única ameaça de pressão inflacionária relevante nos próximos meses, num cenário de queda expressiva dos preços das commodities e de desaceleração da atividade econômica. No entanto, mesmo com a significativa alta do dólar desde agosto, a maior parte dos analistas acredita que a moeda americana não causará grandes estragos na inflação, ainda que haja a expectativa de que os preços de alguns bens duráveis (como automóveis e eletroeletrônicos) subam com mais força a partir de janeiro.
Até o momento, as cotações dos duráveis continuam comportadas. No Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de novembro, esses produtos - fortemente influenciados pela variação do câmbio -, tiveram deflação de 0,19%. No acumulado em 12 meses, a alta é de apenas 0,78%, muito abaixo dos 6,39% do índice "cheio".
Para o diretor de Investimentos da Fundação Cesp, Jorge Simino, as empresas estão mantendo os preços para tentar desovar os estoques e virar o ano com inventários menores, ao mesmo tempo em que esperam a consolidação do dólar num patamar mais definido. No começo de 2009, porém, elas deverão promover algum reajuste, para repassar para os preços parte dos aumentos de custos causados pela desvalorização do câmbio, avalia ele. Ainda que os estoques não tenham sido zerados, as empresas tendem a começar o ano com novas tabelas de preços, que reflitam pelo menos em parte o impacto do dólar caro.
O economista-chefe do Unibanco, Marcelo Salomon, também acredita que haverá algum aumento de preços de duráveis no começo de 2009, mas considera provável que as empresas tenham de absorver algum aumento de custos. "Não haverá muito espaço para repasses", afirma ele, lembrando que o cenário para o crédito - instrumento fundamental para a venda de duráveis - não será dos mais animadores, ainda que as condições melhorem em relação às observadas nos últimos meses. Além disso, a demanda por esses produtos tende a diminuir. O consumidor, nota Salomon, está mais retraído, num momento em que começam a aparecer demissões em vários setores. "As pessoas estão mais preocupadas com o emprego, o que diminui a disposição para assumir novas dívidas."
O economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles, também é cético quanto à capacidade de as empresas reajustarem as cotações de seus produtos num quadro de forte desaceleração da atividade econômica. "No caso de automóveis, tem havido inclusive queda de preços", diz ele. No IPCA de novembro, as cotações dos automóveis novos caíram 0,4%. Para Teles, é possível que, nos próximos meses, haja algum aumento de eletroeletrônicos e eletrodomésticos, mas nada muito preocupante. "O setor de duráveis é o que está sendo mais afetado pela crise, por causa da contração do crédito. O poder de repasse tenderá a ser baixo."
Para Simino, o Banco Central (BC) deve esperar um pouco antes de mexer nos juros, para analisar melhor como será o impacto sobre a inflação dos aumentos esperados para bens duráveis. Se o reajuste for modesto, como esperam vários analistas, ele considera que haverá espaço para o BC cortar a Selic já na segunda reunião do ano que vem do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para março. Nesse cenário, o ideal seria promover uma redução um pouco mais ousada do que a habitual, diz Simino, sugerindo algo como 0,75 ponto percentual, por exemplo. Os juros estão em 13,75% ao ano.
Salomon, por sua vez, acredita que o BC pode começar a trajetória de queda da Selic já em janeiro, projetando um corte de 0,5 ponto. Para ele, a economia está em processo de forte desaceleração, devendo crescer 2% em 2009, bem abaixo dos 5,9% esperados para este ano. A grande preocupação atualmente é quanto à desaceleração da atividade, não em relação à inflação, diz Salomon.
Além de apostar que não haverá reajustes expressivos dos bens duráveis, a maior parte dos analistas aponta a forte queda dos preços das commodities como um fator de alívio para os preços, mesmo com a alta do dólar. Simino vê aí uma fonte de alívio para a inflação. Segundo ele, o tombo das cotações desses produtos tem superado a desvalorização do câmbio.
"Os preços agrícolas têm caído bastante no atacado", diz o economista Fábio Silveira, da RC Consultores. O índice RC, que inclui 14 produtos como soja em grão, café, carnes, algodão e trigo, caiu 1,4% na semana passada, a 10ª queda seguida. Para Silveira, o BC já deveria ter iniciado a trajetória de queda da Selic na semana passada. "Há uma trombada na atividade econômica. Se o BC não começar a reduzir os juros logo, nós não vamos crescer 2% em 2009, mas algo como 1%", afirma ele. Silveira prevê um IPCA de 6,2% em 2008 e de 5,5% no ano que vem. É um número ainda acima do centro da meta, de 4,5%, mas abaixo da banda de tolerância, de 6,5%. Salomon vê um IPCA de 4,8% em 2009.
Alguns analistas, porém, não tem uma visão benigna da inflação. É o caso do ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander. Para ele, a alta do dólar vai produzir efeitos inflacionários relevantes no ano que vem. Schwartsman analisou a evolução dos preços de uma cesta de moedas dos 13 principais parceiros comerciais do Brasil entre agosto a novembro, encontrando uma alta de 30%. Segundo ele, um movimento dessa magnitude pode ter um impacto de 2,5 pontos percentuais na inflação.
Mas a desaceleração da economia não impediria esse repasse? "Em 2002 e 2003, a economia desacelerou bastante, e mesmo assim a inflação subiu com força", responde ele, lembrando que há uma defasagem entre a alta do dólar e o impacto sobre os preços. Em outubro de 2002, o câmbio bateu em R$ 4, e a pressão inflacionária seguiu forte até o segundo trimestre do ano seguinte - em maio de 2003, o IPCA acumulou alta em 12 meses de 17,2%. Como não acredita que haverá grande refresco por causa da queda das commodities, Schwartsman diz que o BC deveria pelo menos manter os juros em 13,75% por um período prolongado, embora considere que o ideal mesmo seria aumentar a Selic.
Veículo: Valor Econômico