A taxa Selic não está engessada, o câmbio não vai derreter e política fiscal de solidez vai continuar. Esses foram os recados dados ontem pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, no seu primeiro discurso público depois do fim das suas férias, semana na qual havia ficado em silêncio.
Em encontro com os novos prefeitos, Mantega disse que a taxa Selic mudou de patamar, mas não ficou "engessada, e o BC pode utilizá-la para combater a inflação". Disse ainda que a taxa de câmbio não é instrumento de política monetária. E foi ainda mais explícito, ao insistir que câmbio não é instrumento para baixar preços. Enquanto o ministro falava, a taxa de câmbio subia no mercado financeiro, movimento revertido logo depois, com nova atuação do Banco Central.
"A Selic é uma taxa variável, ela não é fixa, depende da avaliação do Banco Central", disse Mantega, acrescentando que a Selic não é o único instrumento de política monetária disponível. Afirmou que também podem ser utilizadas medidas prudenciais, como aumento de requerimento de capital para bancos e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no crédito.
Na avaliação de Mantega, mesmo que o BC resolva subir a Selic, "não será aquela sangria desatada" como era antes. Como a política monetária está mais eficiente, um ajuste de 0,25 ponto ou meio ponto percentual, estimou o ministro, já seguraria um eventual surto inflacionário. "Mas essa é uma política que depende do BC", disse.
Diante da polêmica aberta no mercado financeiro na segunda-feira, quando o leilão feito pelo BC puxou a cotação do dólar para baixo e reacendeu o debate do uso do câmbio para conter a inflação, Mantega ressaltou que a política cambial do governo segue a mesma. E deu um "aviso aos navegantes": "Não permitiremos variação especulativa". Para ele, a moeda pode flutuar, mas "dentro de um patamar", sem precisar que patamar é esse. "Não esperem que o câmbio venha a derreter."
A fala teve impacto sobre a formação de preços no mercado, com o dólar acentuando alta e retomando o patamar de R$ 2. No entanto, pouco depois o BC apareceu e ofertou moeda via leilão de linha (venda com compromisso de recompra), o que levou o dólar de volta para baixo de R$ 2.
A esse discurso, Mantega acrescentou que o governo "deixa o câmbio flutuar, mas se exagerar na dose a gente vai lá e conserta". Ressaltou a importância de manter a estabilidade da taxa de câmbio e disse que a elevada volatilidade prejudica os exportadores. Mantega lembrou que o fato de a volatilidade ter caído bastante nos últimos seis meses não quer dizer que o "câmbio é fixo".
O ministro associou o discurso sobre o câmbio à industria. "Para nós, é mais importante ter a indústria, que vai aumentar o salário, do que deixar a indústria atrofiar baseada em vantagem cambial [dos outros]", afirmou. "As empresas vão continuar sendo estimuladas para exportar", acrescentou. De acordo com Mantega, o Brasil sofreu uma "enxurrada" de importados em 2011, porque "o câmbio de certos países estava manipulado para baixo".
Embora tenha descartado o dólar fraco como instrumento de política anti-inflacionária, o ministro reconheceu o impacto da valorização da moeda, de cerca de 20% no ano passado, sobre a inflação de 2012. Pelas suas contas, se o dólar não tivesse se valorizado, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2012 teria sido de 0,4 ponto a 0,5 ponto percentual menor do que o 5,84% registrado. Ainda assim, disse o ministro, esse é um fenômeno que não se repete. Em 2013, afirmou, não há pressão inflacionária em função da taxa de câmbio, pois ela está mais estabilizada. "No ano passado, tivemos a elevação do dólar, que nós apoiamos, agora não temos isso. O câmbio caminha para um patamar mais adequado."
Mantega disse, ainda, que o governo diminuiu as intervenções e que isso tem relação com a queda da taxa básica de juros. Segundo o ministro, a Selic elevada atraia capital e obrigava o governo a atuar no câmbio com maior frequência. Com juro menor, o câmbio caminha "naturalmente" para esse "patamar mais adequado".
No lado fiscal, Mantega voltou a defender a política do governo. Disse que o uso dos recursos do Fundo Soberano do Brasil (FSB) e antecipação de dividendos, tão criticados pelo mercado, foram divulgados no "Diário Oficial da União" e estão dentro da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). "O fundo soberano era uma poupança e usamos uma parte dela. É legítimo. Não há como contestar. Tudo perfeito", afirmou.
Segundo ele, o superávit primário de 2012, que ficou em 2,38% do Produto Interno Bruto (PIB) está "entre os maiores do mundo". O ministro disse que gostaria de ter feito a meta de 3,1% do PIB, mas como o governo optou por fazer uma política anticíclica, "usou a faculdade de reduzir esse superávit", ou seja, de deduzir investimentos.
Veículo: Valor Econômico