A queda das receitas em novembro deixou claro que a crise atingiu a arrecadação federal, indicando que os tempos de expansão recorde do caixa do governo ficaram para trás. Para os próximos meses, a tendência é de resultados bem mais fracos do que os registrados até outubro, mas a expectativa dominante é de que novos tombos em termos reais - descontada a inflação - não devem ser a regra. Pelo menos por enquanto, os analistas acreditam que a arrecadação deve ter um aumento real na casa de 1% em 2009, muito abaixo dos mais de 9% esperados para este ano, porém superior ao recuo de 1,9% observado em novembro, na comparação com o mesmo mês do ano passado.
O economista Fernando Rocha, da JGP Gestão de Recursos, diz que o mau desempenho de novembro confirma que a arrecadação será de fato bem mais fraca daqui para frente, mas acrescenta que é preciso alguma cautela antes de extrapolar esses dados para os próximos meses. "O resultado reflete o ápice da crise", afirma ele. Para Rocha, parte do recuo das receitas com o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) se deve ao fato de que algumas empresas atrasaram o pagamento de tributos, devido à dificuldades de obter financiamento.
O economista-chefe do Credit Suisse, Nílson Teixeira, também considera que os problemas de diversas companhias para conseguir dinheiro no mercado bancário ajudam a explicar o recuo de 5,4% na arrecadação do IRPJ e de 9,4% da CSLL ocorrido em novembro. Além disso, ele aponta o impacto da forte contração da atividade econômica sobre os lucros das empresas. Como têm forte correlação com a atividade econômica, as receitas com o IRPJ e a CSLL tendem a fraquejar nos próximos meses, num quadro de forte desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB).
Teixeira nota ainda que, como observou a própria Receita Federal, a arrecadação de novembro de 2007 foi de fato inflada pelo pagamento de tributos decorrentes da abertura de capital da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Não por acaso, no mês passado as receitas obtidas das entidades financeiras caíram, em termos reais, 72,7% no caso do IRPJ e 31,3% no da CSLL.
De qualquer modo, a queda de arrecadação com esses dois tributos não se limitou às instituições financeiras, diz o próprio Teixeira. No caso do IRPJ, por exemplo, as receitas com as demais companhias caíram 10% em novembro, já descontada a inflação - em outubro, tinha havido alta de 36,5%. Isso indica que a desaceleração da economia e o adiamento do pagamento de impostos tiveram um papel importante para explicar a queda.
Em novembro, os impostos relacionados ao rendimento do trabalho mantiveram um comportamento positivo, diz Teixeira. A receita previdenciária teve crescimento real de 9,3% no mês passado, acelerando-se em relação aos 8,3% de outubro. Já o IR retido na fonte referente à renda do trabalho subiu expressivos 13,7%, também descontada a inflação. "Isso sugere que a expressiva desaceleração da atividade econômica ainda não surtiu efeitos sobre o nível de emprego e, principalmente, sobre a massa de rendimentos", diz Teixeira. Ao longo de 2009, porém, o cenário deverá ser outro. O economista do Credit Suisse avalia que a massa real de salários deve cair 0,6% no ano que vem, depois de crescer 7,3% neste ano. Com isso, fica claro que a arrecadação desses tributos deve ter desaceleração significativa em 2009.
O Credit Suisse estima que a receita do governo federal deve aumentar 1,6% em termos reais em 2009, já considerando aí a perda de arrecadação de R$ 8,4 bilhões que será causada pela redução de alguns impostos, como o IR da Pessoa Física, anunciada na semana passada. Para este ano, a projeção é de uma alta de 9,4% acima da inflação. Rocha, por sua vez, prevê aumento real de 0,8% em 2009.
A economista Fernanda Feil, da Rosenberg & Associados, vê o mês de novembro como um "divisor de águas" na trajetória da receita. "Daqui para frente será bastante improvável que tenhamos recorde de arrecadação, pelo menos nos próximos dois ou três anos", acredita ela. Para Fernanda, a receita deve ter crescimento real de 1% em 2009. Com a arrecadação crescendo a um ritmo mais fraco e com aumento de diversas despesas já contratadas para 2009, ela acredita que o superávit primário deve ficar em 3,5% do PIB no ano que vem, abaixo da meta de 3,8% do PIB. "Ainda assim, será um resultado razoável, num cenário de forte desaceleração da economia", diz Fernanda. Ela acredita que o investimento tenderá a ficar estável em termos reais. "Acho que o governo não vai conseguir realizar todos os investimentos do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] que está prevendo para o ano que vem", afirma ela. No entanto, dada a extrema rigidez das despesas correntes (como pessoal, aposentadorias e custeio da máquina), ela não descarta que haja algum recuo no investimento federal em 2009. Fernanda não vê problemas na renúncia fiscal de R$ 8,4 bilhões feita pelo governo. "Não será esse o principal fator a provocar a queda do ritmo de crescimento da arrecadação em 2009, mas sim a desaceleração da atividade econômica."
Rocha também aposta num superávit primário (receitas menos despesas, sem considerar gastos com juros) de 3,5% do PIB. Ainda que abaixo dos 4,5% esperados para este ano, é um número mais do que suficiente para manter sob controle a relação entre a dívida pública e o PIB, um dos mais importantes indicadores de solvência de um país. Para ele, o indicador deve terminar 2008 em 35,7% e 2009 em 36,2%.
Veículo: Valor Econômico